Vigília Lula Livre: Uma vigília como nunca antes se viu na história deste país
“Essas pessoas dedicam integralmente suas vidas à vigília”, saudou a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), chamando ao pequeno palco pessoas que há um ano ajudam a manter em pé a estrutura da Vigília Lula Livre, em Curitiba. A homenagem foi feita momentos antes de a presidenta do PT ler a carta do ex-presidente à Jornada Internacional Lula Livre e de passar a palavra a Fernando Haddad. O ato deste domingo (7) marcou um ano da prisão política.
Quem já foi à capital paranaense, sabe: o tempo não ajuda. Faz muito frio, chega a gear, chove bastante. E quando faz calor, é de derreter. E quem já passou um ou mais dias na vigília também sabe: não é tarefa fácil. Não há conforto sob as tendas instaladas no terreno em frente à sede da Polícia Federal. Muitas vezes o único lugar para sentar é a calçada. Trabalhar com poucas tomadas à disposição para abastecer os equipamentos eletrônicos, dispor de um único banheiro e poucas opções para fazer as refeições é tarefa para os fortes.
E eles são muitos. E muitas. Graças à disposição desses militantes, a Vigília Lula Livre nunca deixou de “funcionar”. Desde que foi instalada, um dia antes de o ex-presidente deixar São Bernardo do Campo em direção ao cárcere, na capital paranaense, em 7 de abril de 2018, ela já mudou de local, ficou menor em extensão, sofreu ações judiciais, agressões de supostos vizinhos incomodados, mas não diminuiu em nada sua importância. E, sim, há os vizinhos solidários também.
A cada dia a mais de prisão arbitrária, a cresce a importância da vigília para o ex-presidente como um espécie de canal de comunicação dele com o Brasil, os brasileiros e o mundo. E também como suporte político e emocional a Lula, habituado a viver rodeado de gente e hoje aprisionado por um tempo que provavelmente ele não esperava.
A Vigília Lula Livre tornou-se um espaço de peregrinação para onde vão todos que, de vários estados do Brasil e de outros países, se deslocam para prestar solidariedade e protestar contra a prisão considerada injusta e sem provas inclusive por juristas tarimbados. De apoiadores anônimos a artistas, intelectuais e ex-chefes de estado.
Desse movimento o líder petista extrai a certeza de que nunca está só: em nenhum desses 365 dias completados neste fim de semana faltou “bom dia”, “boa tarde” ou “boa noite” gritado pelos militantes ao ex-presidente.
Horários foram adaptados para evitar conflitos com parte dos moradores do bairro Santa Cândida incomodados com o barulho, os espetáculos musicais e a agitação constantes. A área de atuação também foi delimitada para o atual terreno alugado onde estão as barracas que abrigam doações, comunicação, cuidados com a saúde.
Em esquema de revezamento, trabalhadores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), dos Atingidos por Barragens (MAB), dirigentes do movimento sindical, de professores, de mulheres, negros, jovens, LGBTI dividem-se nos afazeres diários da vigília. A limpeza e a organização do local impressionam. Mas é a disponibilidade total à causa que encanta todos que já saíram de seus bairros, suas cidades, seus países para conhecer a vigília que está com Lula.
“A vigília me emociona, sempre me emocionou, mesmo à distância, mesmo antes de eu ter vindo aqui pessoalmente”, conta a atriz Guta Stresser, a Bebel, de A Grande Família. “Lula vale a luta, e é muito bonito de ver esse povo aqui, essa troca. Eles dando amor e força pro nosso querido presidente e ele recebendo e nos mandando de volta o amor dele.”
Guta estava em sua segunda visita ao espaço nesse dia que considera especial, significativo e triste. “A gente não está comemorando nada”, afirmou, em relação ao um ano da prisão, que ocorre no dia do aniversário de dona Marisa Letícia, morta em fevereiro de 2017. “É uma tristeza enorme ter o Lula preso, injustamente. Mas a gente estar aqui junto nos dá um sentimento de força de que uma hora a justiça vai acontecer e a gente vai ver, em breve, ele sair daí e ser recebido pela militância mais amorosa e aguerrida que é essa militância do PT.”
A deputada Gleisi não exagerou quando falou em dedicação integral dos que deixaram suas casas e famílias para estar ao lado do ex-presidente. A militante do MAB Neudicleia de Oliveira é uma dessas pessoas. Mudou-se de São Paulo para Curitiba para ajudar a construir a vigília. Reveza com os jornalistas Nicole Briones (do Instituto Lula), Denise Veiga (da CUT-PR) e Pedro Carrano (do Brasil de Fato), a tarefa de produzir informes sobre a Vigília e manter o presidente a par de tudo o que acontece.
Uma comunicação eficiente, por meio cartas e bilhetes, se estabeleceu nesses 365 dias e funciona praticamente como minirreuniões por meio das quais Lula passa orientações, faz piadas e até dá bronca quando acha que é o caso.
“O nome do presidente Lula, a ideia do presidente Lula nos unificou nesta luta. Ao mesmo tempo que nos desafiamos a manter o espaço da vigília como indivíduos e militantes, é um desafio pessoal para cada um construir essa luta”, relata Neudi, que neste um ano só pode ver a mãe por três vezes . “Fazemos tudo isso também por toda classe trabalhadora. Lula representa tudo que a classe trabalhadora teve de melhor até hoje. Devemos isso a ele e não vamos abandoná-lo”, afirma, relatando sua tristeza com a prisão baseada em “atos indeterminados”.
“Nosso principal desafio é sair desse perímetro onde ele está preso e passar essa mensagem aos quatro cantos do país: Lula é inocente, precisa estar livre. Lula preso significa prender nossos sonhos.”
Para a militante do MAB, continuar a vigília por esses 365 dias, sabendo que pode continuar ainda por mais tempo, só é possível porque ali todos se movem pelo sentimento da esperança e da justiça. “Nosso principal objetivo é provar a inocência do presidente Lula e dizer que ele nunca está só. Muitas pessoas têm gratidão por tudo que ele fez pelo povo brasileiro, tudo que ele representa, o projeto popular do nosso Brasil.”
Dona Maria Natividade Lima também deixa para trás, por muitos dias do mês, seus afazeres no Assentamento do Contestado (Lapa/PR) para levar seus conhecimentos de terapias naturais à Vigília Lula Livre. Ao lado de outras companheiras do MST, atende todos que são acometidos por dores, gripes ou qualquer outro tipo de mal-estar. A tristeza, relata, é responsável por muitos desses achaques.
“Primeiro de tudo é ouvir a pessoa. Quem está aqui vem por causa dessa injustiça que cometeram. Mas temos de ser fortes para continuar lutando e conseguir vencer. Não sabemos o que vem pela frente.”
A Vigília, para ela, é um eterno aprendizado, sem fim. “A gente troca conhecimentos, saberes, receitas, a gente nunca sabe tudo. Tem aqui no entorno quem é contra, só dá pedrada, mas tem quem vem receber as terapias, ofertar uma coisa ou outra. E isso é muito gratificante. Aqui pra mim é uma grande escola.”
Do alto de sua sabedoria, dona Maria, como é conhecida por todos, classifica esses 365 dias como um ano que parece não ter fim. “A gente não queria estar aqui. É um fardo pesado. Sinto que o presidente Lula está triste, mas ele não se sente sozinho por causa dessa troca de energia com os militantes que têm a mesma proposta dele de cuidar de um projeto de vida. O que fortalece ele é essa somatória da coletividade. O mundo não acabou. E é por ele que estamos aqui.”
Para Cilene Antoniolli, da assessoria do PT, a vigília se mantém por um grande esforço da militância, do partido, dos movimentos, dos parlamentares, das autoridades, das visitas todas que sempre levam uma palavra de conforto.
Este um ano da “prisão arbitrária e injusta” do presidente Lula, para ela, é descobrir todo dia um novo pedaço da vida, um novo recomeço, uma nova emoção. “Agora há pouco uma companheira passou por aqui, me abraçou, chorou bastante perguntando ‘o que a gente faz’. A gente vai continuar na luta, encher as ruas, convencer as massas para poder liberar nosso presidente”, afirma a representante do PT na coordenação da Vigília.
“Conviver este um ano aqui, cuidando da estrutura, ajudando as pessoas que se aproximam da gente a entender o que significa esse processo todo de prisão do presidente, é reaprender a viver. É aquilo que o presidente Lula nos ensinou: tem de conversar, dialogar com todo mundo, dar oportunidade para todo mundo.”
Diante do principal papel de provar a inocência do ex-presidente, Cilene elenca “tarefas revolucionárias” de cuidar das pessoas e de receber bem todos que se aproximam da vigília. “É muito emocionante, encantador, receber, cuidar das pessoas para que continuem dando energia para o presidente Lula. Viver aqui neste um ano é nascer de novo. Não é a toa que aqui a gente se torna as mãos, os braços, as pernas e a mente do presidente Lula.”
Neste 7 de abril, Cilene mais uma vez abriu mão da vida pessoal pela luta que abraça. “Hoje era casamento de uma sobrinha querida, mas a família compreende. Eu tinha uma tarefa muito importante.”
A assessora conta que as atividades são tantas que não só a família, mas os estudos e a saúde acabam ficando muitas vezes em segundo plano. “Às vezes não dá pra comer direito, beber água porque as atividades são tantas que tomam seu tempo integral. Mas a gente não fica doente porque a energia que vem de cada pessoa que nos abraça, que vem perguntar do presidente é tão forte que acaba nos alimentando. É como o presidente faz, ele se alimenta dessa energia das pessoas.”
Também representante do PT na vigília, Florisvaldo Souza dizia que tinha muito mais gente no ato desse dia 7 de abril do que esperavam. “É uma manifestação de pessoas que se organizaram, se cotizaram, tiram do seu bolso, pagam passagem para participar desse ato, um grito de indignação que fortalece a luta pela democracia e por Lula livre.”
Emocionado, Florisvaldo falava do desafio diário de manter a Vigília. “Aqui tem um grupo muito aguerrido e dedicado que está há um ano comandando esse processo que já está sendo exemplo para o mundo todo”, afirma. “Não sei se existe isso no Guiness. Só o Lula para manter uma vigília como essa por um ano, sem falhar. O povo de Lula está aqui.”
Da RBA