Bolsonaro ameaça prestígio internacional do país, dizem diplomatas brasileiros

Todos os posts, Últimas notícias

O governo Jair Bolsonaro conseguiu sua primeira grande conquista internacional na semana passada (23/5) com a oficialização do apoio dos Estados Unidos à entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), seleto grupo que reúne as principais economias do mundo.

Mas diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil que ocupam postos em diferentes países – de Europa, África e Oriente Médio- afirmam que o prestígio internacional do Brasil pode estar em declínio, a ponto de o país começar a deixar de ser convidado para algumas negociações diplomáticas, principalmente àquelas dedicadas a direitos de minorias.

Segundo eles, o que está em jogo é o chamado “soft power”, termo dado à influência de um país em decisões internacionais por meio de sua capacidade de persuasão, sem uso de coerção, poder econômico ou militar.

A imagem brasileira, afirmam, vem sendo gradativamente alterada a partir de mudanças internas e externas, com a ruptura da política Sul-Sul (voltada a países emergentes) que marcou as gestões petistas e um realinhamento ideológico agora centrado na aproximação com os EUA.

Segundo o professor Marco Vieira, diretor de pesquisa do Departamento de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade de Birmingham (Reino Unido), ao longo das últimas décadas o Brasil conseguiu propagar junto à comunidade internacional uma imagem de país preocupado com o meio ambiente, pacifista, não intervencionista, capaz de dialogar com atores diversos e defensor de órgãos multilaterais como a Organização das Nações Unidas (ONU).

Essas características permitiram, segundo ele, que o Brasil ocupasse posições de destaque em organismos internacionais e obtivesse vantagens econômicas em negociações comerciais com grandes potências, como Estados Unidos e Europa.

Atualmente, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) são presididos por dois brasileiros: José Graziano da Silva e Roberto Azevêdo, respectivamente.

Um diplomata com mais de 30 anos de carreira no Itamaraty, que prefere não se identificar por temer retaliações, disse à BBC News Brasil que essas características nacionais garantiam vantagens em negociações, já que o Brasil não conta com outros instrumentos de barganha, como poder econômico e arsenal militar.

“Essa imagem de Brasil facilitava enormemente o meu trabalho, porque eu podia entrar numa sala onde havia negros e índios, japoneses, latinos, europeus ou russos e ter sempre esse cartão de visitas”, disse.

As novas atitudes do Brasil em política externa e questões sociais vêm causando em foros internacionais estranhamento e dúvidas entre diplomatas estrangeiros.

Segundo especialistas e diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil, três aspectos do discurso do governo Jair Bolsonaro têm potencial para, no curto prazo, provocar prejuízos à reputação consolidada pelo Brasil no ambiente diplomático internacional:

– A postura em relação a minorias (gays e indígenas, em especial)

– Um discurso que minimiza os impactos do aquecimento global

– O alinhamento com Estados Unidos e a forte aproximação com Israel, deixando de lado a tradição histórica de neutralidade

Em organismos internacionais, a reação a essa ruptura com a tradição diplomática brasileira veio na forma de comentários preocupados de representantes de outros países e na redução de convites para que o Brasil participe de debates sobre temas sociais.

Um diplomata que trabalha junto à delegação brasileira em um foro internacional disse, também a sob condição de anonimato, que um colega estrangeiro chegou a dar uma “dica” aos brasileiros: eles deveriam se aproximar da delegação iraniana em questões de gênero “para deixar que, publicamente, eles (o Irã) fizessem o trabalho sujo de falar contra os direitos da mulher”.

O mesmo diplomata disse ter ouvido um colega de um país africano lamentar as mudanças, dizendo que o Brasil “era a maior inspiração do mundo em desenvolvimento” e pedindo para que os brasileiros “não se retraíssem e continuassem exercendo liderança em favor desses países”.

Um ministro de primeira classe, topo da carreira diplomática, que já representou o Brasil em vários postos no exterior, afirmou que alguns diplomatas tentam amenizar as instruções recebidas pelo governo, quando atuam em foros internacionais.

“Colegas meus que trabalham em foros que discutem temas sociais estão procurando, da melhor maneira, se desincumbir das orientações e instruções de um governo que tem uma visão conservadora na pauta social”, disse à reportagem, sob anonimato.

“Mesmo assim, pela maneira como a gente está se pronunciando em determinados foros, a gente já não é chamado para algumas salas (de debates e negociações).”

Esse mesmo diplomata relata, porém, que ainda predomina uma postura de “tolerância” em relação ao Brasil, manifestada em tom de brincadeira por colegas diplomatas de outros países.

“As pessoas meio que dizem: ‘Ah, política é um desastre no meu país também, não tem jeito’. É como se as pessoas tivessem uma tolerância, a partir do reconhecimento de que o Brasil é maior que isso.”

Outro diplomata diz que, por vezes, os colegas estrangeiros parecem expressar “compaixão” pela situação dos representantes brasileiros.

“É como se estivessem dando um desconto para a gente, tipo relevando. Mas essa postura obviamente tem limites. Inevitavelmente, o perfil e a intensidade do relacionamento do Brasil com os parceiros mundo afora vai diminuindo.”

Ele cita um possível reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel em detrimento de demandas palestinas como um exemplo de política que pode comprometer as relações com países árabes e muçulmanos.

“O capital político e econômico-comercial com os parceiros árabes e muçulmanos virariam pó e iriam por água abaixo, com graves consequências para nossas exportações e também para o apoio a pleitos brasileiros diversos internacionalmente, como na eleição de membros não permanentes no próximo biênio para o Conselho de Segurança da ONU e na defesa de pautas importantes para o país em áreas como meio ambiente/clima, direitos humanos, acesso a mercados/Organização Mundial do Comércio e agricultura”, diz

Para Marco Vieira, da Universidade de Birmingham, essa mudança de posição em relação ao combate às mudanças climáticas tem o maior poder, em potencial, de isolar o Brasil e trazer consequências econômicas.

O Brasil era visto como uma liderança em questões ambientais, sendo ouvido e escolhido para sediar grandes eventos internacionais sobre o tema, como a Rio+20, em 2012, que reuniu líderes dos principais países do mundo.

Em 2016, o governo brasileiro ratificou o Acordo de Paris, se comprometendo cortar as emissões do país em 37% até 2025, e em 43% até 2030, tendo como base o ano de 2005.

Mas durante a campanha eleitoral, Bolsonaro chegou dizer que retiraria o Brasil do Acordo de Paris. Ele recuou ante as reações negativas dentro e fora do país, mas declarações do hoje presidente de que a Amazônia deve ser explorada economicamente e de que há terras indígenas demais receberam grande repercussão no exterior, principalmente na Europa.

“Se o Brasil for encarado como um país que vai contra os interesses da humanidade como um todo e um deles, se não for o principal, é a mudança climática, poderá ser isolado em outras discussões, sendo visto como um país irresponsável.”

Para Marco Vieira, da Universidade de Birmingham, essa mudança de posição em relação ao combate às mudanças climáticas tem o maior poder, em potencial, de isolar o Brasil e trazer consequências econômicas.

“Já há movimentos na União Europeia de condicionar a importação de commodities brasileiras ao compromisso com a proteção ambiental”, exemplifica.

No último dia 23, o Brasil levou um baque nas negociações por um acordo comercial entre Mercosul e União Europeia. O governo francês endureceu sua posição nas conversas, dizendo que não ratificará nenhum acordo que, entre outros pontos, prejudique os “engajamentos ambientais da Europa no Acordo de Paris”.

Nem todos os especialistas concordam que o prestígio e a influência para além dos campos econômicos e militares seja determinante no protagonismo dos países no cenário internacional.

Para o professor Marcus Vinicius de Freitas, da China Foreign Affairs University, em Beijing, o Brasil ganhou maior visibilidade no exterior nos últimos anos por três fatores: criação dos Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), curiosidade do mundo em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o crescimento econômico razoável na primeira década do ano 2000.

“Quando se diz que o Brasil está perdendo seu soft power, você cria uma camisa de força para que o governo atue em determinadas áreas em que a opinião pública internacional considera relevante, mas que não resolve os problemas internos do país”, disse à BBC News Brasil. Mas, para ele, isso “não coloca ninguém na sala de reunião para definir destino ou governança global”.

Freitas diz que o atual governo erra na “estratégia de comunicação”, prendendo o Brasil a uma “narrativa negativa”. Mas, para ele, o que vai, de fato, influenciar o protagonismo do país no exterior não é isso, mas sim a capacidade ou não de o governo aprovar reformas e garantir a retomada do crescimento econômico e se tornar um polo de investimentos.

Marco Vieira, da Universidade de Birmingham, discorda. “Soft power abre portas. O Brasil teve ganhos reais na sua relação com países em desenvolvimento ao promover mecanismos de cooperação entre nações emergentes”, diz.

É fato que o Brasil não está sozinho em relativizar o aquecimento global, nem em defender negociações bilaterais em detrimento de acordos multilaterais, e em promover posições conservadoras em questões de costumes e nos direitos de minorias.

O principal exemplo é nada menos que os Estados Unidos, maior potência mundial. O presidente Donald Trump retirou o país do Acordo de Paris e vem minando a importância das Nações Unidas, da OMC e de outros organismos internacionais.

E a Europa tem presenciado movimentos de desintegração de blocos regionais, como o Brexit, e a ascensão de líderes de direita, particularmente na Hungria e na Itália.

Marco Vieira, da Universidade de Birmingham, afirma que é possível que as características tradicionalmente associadas a soft power (respeito a direitos humanos, democracia e liberalismo, por exemplo) sejam gradualmente substituídas, caso haja uma continuidade na expansão de ideias associadas à direita do espectro político no plano internacional.

“As contestações aos princípios que geraram soft power no passado podem acabar criando um novo sistema normativo, oposto ao sistema atual. Não é irrelevante que os Estados Unidos estejam liderando esse movimento”, afirma.

No entanto, para ele, essa transformação, se ocorrer, só será consolidada no longo prazo.

“O governo Bolsonaro só vai conseguir ter soft power se o modelo internacional se transformar e se reconstituir dentro dessa compreensão de direita radical, cristã, ocidental e branca. Mas isso levaria anos e anos para ocorrer.”

Enquanto isso o desafio será conciliar parcerias estratégicas para o Brasil, como a relação com a China, países árabes e alguns dos principais países da União Europeia, com os novos vínculos que o governo pretende ou busca construir.

“Tenho a impressão de que não há uma visão estratégica para o Brasil em relações internacionais. O que o Brasil pretende alcançar e ser nos próximos anos?”, questiona Marcus Vinicius, da China Foreign Affairs University.

“Sem isso, corremos o risco de acender vela para o santo errado. Não podemos, por exemplo, abrir mão da China.”

Da BBC