Cresce número de brasileiros que denunciam ter sofrido discriminação em Portugal
As denúncias de xenofobia feitas por brasileiros em Portugal aumentaram 150% em 2018. Em 2017, apenas 18 brasileiros fizeram queixas à Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial (CICDR). Já no último ano, 45 procuraram o órgão, que é subordinado ao Alto Comissariado para as Migrações (ACM) do governo português.
Os dados constam no Relatório Anual sobre Situação da Igualdade e Não Discriminação Racial e Étnica em Portugal. O documento revela que o total das reclamações aumentou 93%, passando de 179 para 346. Os brasileiros ocupam a terceira posição no ranking das queixas recebidas, com 13%, atrás dos denunciantes negros que se consideram discriminados pela cor da pele (17%, que podem incluir brasileiros) e ciganos, com 21%.
Diante de uma colônia imigrante que é a maior do país — hoje com mais de 85 mil residentes oficiais, podendo ultrapassar os 100 mil ainda neste ano, segundo estimativas —, o número de reclamantes é pequeno. No entanto, muito brasileiros não prestam queixa porque têm vergonha ou temem perder o emprego, sofrer represálias do empregador e também dos vizinhos. Ou simplesmente não acreditam que haverá punição.
— Além da falta de informação e do medo de dar queixa, há o sentimento de ineficácia, porque as pessoas não encontram resposta se fizerem queixa. Então, para que, se não vai resolver nada? Desmotiva se não há condenação. E as pessoas têm medo. Os brasileiros estão em situação de precariedade trabalhista aguda e têm medo de retaliação. Há chantagens e falta fiscalização das entidades. Isso não facilita a vida de quem é vítima, seja por fator de origem nacional ou racial. No caso dos brasileiros, as duas coisas podem se combinar — diz Mamadou Ba, dirigente da ONG SOS Racismo.
Com a mais recente leva de imigração brasileira em Portugal, iniciada em 2017 após três anos de estagnação, aumentaram nas redes os relatos de discriminação sofrida por brasileiros. As queixas envolvem o aluguel de imóveis — portugueses teriam preferência — e o uso do sistema público de saúde português, no qual brasileiros dizem ter tido dificuldade de marcar consulta ou conseguir o médico de família.
Um casal de português e brasileira, que pediu para não ser identificado, contou que a mulher não conseguiu atendimento no sistema público desde que soube que está grávida, em janeiro deste ano. Nascida em Salvador, mas com visto de residência europeu obtido na Espanha, ela procurou o centro de saúde, mas não conseguiu atendimento porque ainda depende de uma entrevista no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para regularizar sua documentação em Portugal. Ela e o marido, que é português, já pagaram mais de €400 em consultas em um hospital particular e dizem não ter dinheiro para o parto de €3 mil.
No fim de 2018, Sophia Velho, de 26 anos, contou que foi agredida por quatro portugueses. A confusão começou quando portuguesas em um bar começaram a chamar as brasileiras de “vadias” que vão a Portugal para “roubar os homens”. Na época, a gaúcha contou ao Extra que “a sensação que passa de um episódio como esse é de impunidade total” .
Em agosto de 2017, foi publicada a Lei de Combate à Discriminação, que estipula multas de até €8420 e enquadra como crime de discriminação casos como recusa de aluguel de casa ou proibição de entrada em estabelecimentos em razão da origem nacional e racial.
No fim de abril, um grupo de estudantes da Universidade de Lisboa pôs pedras dentro de uma caixa para serem atiradas nos brasileiros, ou “zucas“, “que passaram à frente no mestrado“. O episódio aconteceu na Faculdade de Direito. Dias depois, os brasileiros fizeram manifestações em universidades, onde distribuíram poesias e flores contra a xenofobia.
De O Globo