Desembargador de Minas é pego propondo vaga fantasma a filho, esposa e sogra
Em interceptações telefônicas da Polícia Federal, o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, propõe que o filho e a mulher dele atuem como funcionários públicos fantasmas, sem cumprir as cargas horárias exigidas para os cargos, e sugere até um esquema de “rachadinha” para dividir salário a ser pago pelo erário à sogra.
A transcrição dos áudios, obtida pela Folha, consta de investigação iniciada em 2015, cujo foco são supostos esquemas de corrupção e troca de favores envolvendo magistrados do segundo maior tribunal de Justiça do país.
O inquérito da PF sustenta, com base nas gravações, que o desembargador negociou com políticos e outros agentes do estado empregos para os familiares. Os diálogos são de setembro a dezembro daquele ano.
Segundo pessoa com acesso ao caso, ouvida pela reportagem em abril, a investigação tramita em sigilo no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Integrante da 5ª Câmara Criminal do TJ mineiro, o desembargador articula, nos áudios, um revezamento dos parentes em cargos públicos.
Trata da nomeação do filho, Guilherme Souza Victor de Carvalho, para um cargo comissionado na Câmara Municipal de Belo Horizonte, em substituição à mulher, Andreza Campos Victor de Carvalho, que ocupava esse mesmo posto e estava de partida para uma vaga na Assembleia Legislativa de MG. Ambos são advogados.
O objetivo do desembargador, segundo a PF, era aumentar os rendimentos familiares. Em contrapartida, ele teria aberto espaço para que políticos lhe pedissem favores na corte. Além disso, teria apoiado a então advogada Alice Birchal para integrar a lista tríplice que disputaria a nomeação para uma vaga no TJ-MG, o que também seria de interesse de políticos.
Na Câmara, a negociação foi feita com o então procurador-geral, Augusto Mário Menezes Paulino, que alerta o desembargador sobre a possibilidade de a nomeação na Assembleia configurar nepotismo cruzado. “Você acha que vale a pena arriscar?”, questiona o magistrado. “Acho que não, viu? Fica com uma bundona na janela danada”, responde o então procurador-geral.
Apesar do risco alegado, os planos seguem adiante e o desembargador emplaca a mulher na Assembleia depois de, segundo as investigações, tratar do assunto em uma reunião com o então presidente do Legislativo mineiro, Adalclever Lopes (MDB). “Ela vai, o salário seria melhor e eu estaria precisando botar o Gui [filho] aí na Câmara”, diz o magistrado ao então procurador-geral.
Nos diálogos, o desembargador indica que os parentes não cumpririam as cargas horárias. “Augusto [Paulino] falou que você indo duas ou três vezes por semana, vai te apresentar aos vereadores, correr com você lá. [É] pra você ficar umas duas três horas por dia, o horário que você puder”, afirmou o magistrado ao filho em 11 de novembro de 2015.
O advogado informa ao pai que só poderia trabalhar a partir do mês seguinte, ao que ele sugere: “Você pode ser nomeado agora, vai enrolando”.
O filho do desembargador foi nomeado em dezembro de 2015, com salário de R$ 9.300, e exerceu cargo de coordenador de Intermediação Operacional, substituindo Andressa. A carga horária prevista para essa função era de oito horas por dia, de segunda a sexta. Ele era dispensado de bater ponto.
Também em 11 de novembro, o desembargador avisa a esposa que já estava certa a sua nomeação na Assembleia, com salário líquido de R$ 8.000, e avisa ser uma vantagem a falta de fiscalização de promotores sobre o cumprimento da jornada de trabalho.
“É bom. Inclusive, na Assembleia não tem problema, na Assembleia o Ministério Público não faz nada. Você vai lá duas, três vezes por semana.”
O desembargador ainda comenta com a esposa que o filho estava reticente em assumir a vaga deixada por ela, pois já tinha outro emprego em escritório privado de advocacia. Diante disso, propõe como alternativa escalar a sogra, sem curso superior, para o cargo.
“Se o Guilherme não quiser, tem que ver alguém. Estava pensando na sua mãe, sabe? Aí, ela ficava com “trêszinho” [R$ 3.000, segundo a Polícia Federal] e você com “trêszinho”.
Andreza foi nomeada em 16 de novembro de 2015 como assessora da Presidência da Assembleia, com carga de seis horas diárias de trabalho, e permaneceu no cargo até setembro de 2017. O controle de frequência, segundo a Casa, cabe a cada gabinete.
A PF sustenta haver indícios de que o desembargador praticou corrupção passiva ao, supostamente, aceitar cargos públicos para os parentes. Num parecer de 2017, no entanto, o então vice-procurador geral eleitoral, Nicolao Dino, discordou dessa imputação, justificando que as práticas caracterizariam crimes de menor potencial ofensivo, como advocacia administrativa.
A Folha não conseguiu apurar se houve decisão a esse respeito, pois o caso corre em sigilo. Segundo pessoa com acesso ao caso, o inquérito está em curso, com diligências em andamento.
O desembargador aparece também em conversas pedindo a um advogado, com atuação no tribunal, que repasse causas ao filho. “Eu indico demais na área criminal, mas é demais, entendeu?”, comentou o advogado Vinício Kalid Antônio ao desembargador. “Uai, indica ele [Guilherme]”, respondeu o magistrado. “Dá uma força pro Guilherme aí nesses assuntos.”
O magistrado afirma nas conversas que seu objetivo é fazer o filho, recém-formado, dar uma “arrancada”. “Está na hora de arrancar é agora mesmo, pode ficar tranquilo”, diz Kalid ao desembargador. “Com a ajuda dos meus amigos, tenho certeza de que vai dar certo.”
A Folha consultou o desembargador, a mulher e o filho por meio da assessoria de imprensa do TJ-MG. Em nota, o tribunal afirmou que o desembargador “nunca pediu” a Kalid “a indicação de clientes em troca de favores” na corte.
O TJ sustenta que o filho do magistrado desempenhou funções num escritório de advocacia “por seus próprios méritos, hoje atuando em seu próprio escritório”.
O tribunal informou que Carvalho nunca negociou a nomeação do filho com o procurador da Câmara de BH, que o teria convidado espontaneamente para cargo na Casa.
Segundo o comunicado, Andreza Carvalho “efetivamente trabalhou na Assembleia de Minas e sua nomeação ocorreu dentro dos critérios legais, sem qualquer ilicitude”.
“Em relação ao cumprimento do horário de trabalho, tanto Guilherme, na Câmara, quanto Andreza, na Assembleia, o fizeram perfeitamente. Inexiste o chamado nepotismo cruzado, pois não houve qualquer contratação no Judiciário mineiro de pessoa indicada pela Câmara ou pela Assembleia”, acrescentou o TJ.
Mário Paulino disse não se lembrar de conversas com o desembargador. “Não houve nenhum pedido dele e nem contrapartida [no tribunal]”, declarou. Ele explicou que Guilherme era dispensado do ponto na Câmara, “mas trabalhava”.
Vinício Kalid confirmou, também por escrito, que conhece o advogado e o filho, mas que não advoga na área criminal, em que ambos atuam. “Óbvio, pois, que não há que se falar em qualquer interesse da minha parte”, escreveu.
Ele declarou que a indicação de advogados de outras áreas de atuação “é mais que natural”. “[Eu] a faço com vários colegas, pelos seus méritos, quando solicitado fora de minha área, sem qualquer vantagem.” Adalclever Lopes disse não se lembrar de pedido do desembargador para nomear a mulher.
Da FSP