Discussão sobre sexo na escola aumenta proteção contra abuso

Todos os posts, Últimas notícias

“Quem ensina sobre sexo é papai e mamãe.” “Falar sobre questão de gênero é doutrinação.” Frases como estas têm se disseminado nas redes sociais, mas não encontram respaldo em estudos e pesquisas.

E jogam contra o combate à exploração sexual infantil. Segundo o relatório “Out of the Shadows”, elaborado pela revista britânica The Economist com apoio da World Childhood Foundation e da Oak Foundation,a discussão sobre sexualidade e gênero aumenta a capacidade de um país de proteger suas crianças.

Para chegar a essa conclusão, o estudo avaliou a atuação de 40 países para combater o problema.

“Estatísticas mostram que crianças que passaram por programas de educação sexual formal e planejada têm seis vezes mais ferramentas de proteção contra abuso e exploração sexual”, diz Caroline Arcari, mestre em educação sexual e autora de “Pipo e Fifi”, livro sobre prevenção de violência sexual destinado a crianças a partir dos quatro anos.

Uma revisão de estudos da fundação Cochrane, rede global dedicada à revisão de pesquisas científicas, conclui haver evidências de melhora nos conhecimentos e comportamentos de proteção das crianças expostas aos programas escolares de educação sexual.

A revisão da fundação incluiu 24 estudos, com um total de 5.802 participantes. Os resultados mostram que os programas fazem crescer as chances de os estudantes denunciarem abusos, sem aumentar ansiedade ou medo.

“Alguns grupos argumentam que a educação sexual poderia erotizar precocemente a criança. Há uma confusão sobre o que ela se trata: é aprender sobre o corpo, sobre seus sentimentos, sobre o mundo, sobre limites e seus direitos”, afirma Arcari.

Há uma sexualização precoce estimulada pela sociedade de consumo, que convive com um discurso contraditório sobre a sexualidade.

“As meninas, ao mesmo tempo em que são hiperestimuladas a vivenciar a sexualidade, recebem a mensagem de que não podem falar nem pensar sobre o assunto. Já os meninos aprendem a exercer a sexualidade sem se responsabilizar por elas”, diz Viviana Santiago, gerente de gênero da Plan International Brasil, ONG voltada à defesa e à capacitação de jovens.

Para ela, a discussão de gênero nas escolas é uma ferramenta para combater não só a exploração sexual comercial, mas também problemas como gravidez na adolescência.

Informações sobre sexo vão chegar de qualquer maneira às crianças, especialmente nesta era das mídias sociais.

“Elas recebem as mensagens, corretas ou não. Por que não usar a escola como fonte de informação?”, pergunta Márcia Aparecida Bernardes, vice-presidente da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação).

Para Mary Neide Figueiró, a escola tem obrigação de trabalhar essas questões desde a infância, não porque os pais não sabem como fazê-lo, mas porque o ambiente escolar amplia o espaço para o debate, para ouvir opiniões diferentes e aprender a respeitá-las.

Psicóloga e doutora em educação, há mais de 20 anos Figueiró trabalha com formação em educação sexual para professores e se preocupa com o estado do debate.

“O Brasil vinha avançando, mesmo que devagar, e a maioria dos pais concordava com a educação sexual nas escolas. Mas agora, com essa desinformação sobre os programas, parece que a coisa estagnou”, diz Figueiró.

Para ela, os parâmetros curriculares nacionais estabelecidos em 2006 apontavam um bom caminho para uma educação sexual de qualidade.

“Se tivessem sido colocados em prática, não estaríamos no caos que estamos hoje, com esses discursos como ‘ideologia de gênero’ ganhando força”, afirma a psicóloga.

Discursos sem fundamento, segundo ela, incutem nos pais o medo de que a escola incentivaria crianças a fazer sexo, faria apologia da homossexualidade ou pregaria valores contra princípios religiosos de algumas famílias.

Mesmo assim, a maioria dos brasileiros ainda é favor da educação sexual nas escolas, apoiada por 54% da população, segundo pesquisa do Datafolha realizada em dezembro de 2018.

Mas os ataques de quem se opõe preocupam estudiosos. Segundo Mary Neide Figueiró, os discursos enviesados afetam também os professores, que ficam com medo de tratar do assunto.

O retrocesso diminui as chances de a escola identificar casos de abuso e exploração. “Se o tema deixa de ser tratado nas escolas, há redução da percepção dos professores sobre o que está acontecendo”, diz Heloísa de Oliveira, administradora executiva da Fundação Abrinq.

Da FSP