Enquanto Bolsonaro paga mico em Dallas, Mourão atua como presidente na China

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Na agenda, o general tem a reativação da Cosban (Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação), parada desde 2015, o restabelecimento da boa relação bilateral do Brasil com seu maior parceiro comercial e principalmente ouvir as propostas chinesas para que o país integre a chamada “Nova Rota da Seda”, o grande projeto global de investimento em infraestruturas promovido por Pequim.

Mourão passará a semana na China, entre as cidades de Xangai e Pequim. Ainda se reunirá com o presidente chinês, Xi Jinping, na sexta-feira. A viagem tem ainda uma parada na Muralha da China, um churrasco e uma entrevista para a agência de notícias estatal chinesa, a Xinhua, depois de um período para atender jornalistas.

O encontro de Mourão com Xi representa um grande sinal da boa vontade chinesa sobre as relações com o Brasil de Bolsonaro –já este não havia se esforçado tanto: numa atitude não muito bem vista, enquanto era pré-candidato, Bolsonaro visitou Taiwan, ilha considerada rebelde por Pequim.

O presidente brasileiro já confirmou que visitará a China no segundo semestre deste ano. O chinês vem ao Brasil em novembro para a cúpula dos Brics (sigla em inglês para o grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). O evento com Xi em Brasília terá ainda a participação de presidentes da América do Sul.

“A visita é importante para recuperar a relação bilateral, que é importante tanto para a China quanto para o Brasil. Pelo que ouvi de diplomatas chineses, eles estão bastante esperançosos de que essa visita possa ser o ponto final de uma época de bastante incerteza na parceria entre os dois países iniciada na época da eleição”, afirma Oliver Stuenkel, coordenador do programa de pós-graduação da Escola de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e especialista nas relações China-Brasil.

Para Stuenkel, “o governo chinês não quer que o Bolsonaro goste ou fale bem da China”.

Nesta semana, o presidente dos EUA acirrou a batalha contra a China anunciando medidas que impedem as vendas de produtos da Huawei, a maior fabricante de equipamento para redes.

Brasil na “Nova Rota da Seda”
Mourão confirmou nesta semana que irá ao país asiático disposto a ouvir as propostas chinesas para que o Brasil faça parte do projeto Belt and Road Initiative (Iniciativa do Cinturão e Rota), batizado informalmente de “Nova Rota da Seda”, em referência aos caminhos usados por terra e mar entre o sul da Ásia e a Europa para comercializar o tecido, formando a maior rota comercial do mundo antigo.

O projeto de Pequim agora prevê um megainvestimento em infraestruturas para conectar o mundo aos mercados chineses –são portos, ferrovias, estradas, aeroportos e redes de telecomunicações.

Na América do Sul, por exemplo, Chile e Equador já firmaram a parceria, mas a entrada do Brasil é crucial para a conexão chinesa com os demais países da região. Enquanto a China flerta com os países da região, os EUA de Trump tentam reduzir a influência de Pequim –e os investimentos chineses– no continente americano.

É nesse contexto que Brasil e China retomam os trabalhos da Cosban, tradicionalmente presidida pelos vice-presidentes dos dois países. A comissão foi criada em 2004, durante os governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hu Jintao, e está parada desde 2015, quando foi realizada a última reunião.

“Queremos iniciar um relacionamento de confiança, para que os chineses entendam que nós os temos como parceiros estratégicos. É o nosso maior fluxo comercial. Nós sabemos da importância da China, que hoje tem mais de um terço do PIB (Produto Interno Bruto) do mundo. Num curto a médio prazo, pode chegar a ter mais da metade. A gente tem de se colocar bem nisso aí”, disse Mourão a jornalistas em Brasília no começo da semana.

Mas o general deixou claro que nenhuma decisão será tomada durante a visita. Segundo Mourão, Bolsonaro visitará Pequim em agosto, e ele é quem “poderá ter uma decisão sobre a nossa participação” na “Nova Rota da Seda”. “O investimento tem que vir aonde nós queremos e tem que ser um investimento que contrate brasileiros e não chineses”, afirmou o vice-presidente.

Para o embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, presidente do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), “o papel da economia chinesa na retomada do crescimento econômico brasileiro pode ser fundamental, central, e é isso que precisamos explorar”. “Salta aos olhos o fato de que a China vai continuar a crescer o dobro da média da economia mundial, e a demanda externa vai desempenhar um papel muito importante para a retomada do crescimento da economia brasileira”, analisa ele.

“O investimento interno brasileiro não será suficiente para colocar a economia em marcha. Vai ser preciso que a economia mundial tenha uma demanda que possa comprar do Brasil e investir no Brasil. E a China é hoje o maior investidor estrangeiro no nosso em termos de fluxo”, explica o diplomata, que já comandou a embaixada brasileira em Pequim.

Para Stuenkel, autor de “Brics e o Futuro da Ordem Global”, Mourão chega a Pequim com vantagem para negociar. “Para a China, o Brasil fazer parte do Belt and Road é superimportante, porque gera a integração da América do Sul ao projeto. Por isso, Mourão entende que pode pedir coisas em troca. Isso significa que ele pode dizer que o Brasil está à disposição do projeto, mas, como isso pode ter um custo político para Bolsonaro, a China precisa assegurar uma certa quantidade de projetos e investimentos. E é isso que o Mourão deve negociar nesta viagem”, afirma o professor da FGV.

Em nota divulgada nesta semana, o Itamaraty destaca que a China é o maior parceiro comercial do Brasil desde 2009 e acumula, até o ano passado, US$ 69 bilhões de investimentos no Brasil, em 155 projetos, especialmente nos setores de energia (geração e transmissão, além de óleo e gás), infraestrutura (portuária e ferroviária), finanças, serviços e inovação.

* Com Luciana Amaral, do UOL, em Brasília

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