Entre os credores da faixa presidencial, não tem Olavo nenhum, não
O autointitulado professor e filósofo Olavo de Carvalho fez na manhã desta terça o mais covarde de todos os ataques aos militares, dirigido, no caso, contra Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército e atual assessor do Gabinete da Segurança Institucional. Disparou: “Há coisas que nunca esperei ver, mas estou vendo. A pior delas foi altos oficiais militares, acossados por afirmações minhas que não conseguem contestar, irem buscar proteção escondendo-se por trás de um doente.” Villas Bôas é portador de uma grave doença degenerativa, a esclerose lateral amiotrófica, conhecida pela sigla “ELA”, que implica graves restrições físicas, mas não afeta o intelecto. Ninguém se surpreendeu.
Ele é capaz de muito mais. A agressão revoltou o Alto Comando das Forças Armadas e os generais da reserva que compõem o governo. Todos, no entanto, decidiram silenciar. Não pensem que se ouviu de Bolsonaro alguma palavra de solidariedade ao general. Ao contrário. Depois de uma impressionante saraivada de agressões e baixarias disparada por Carvalho, o presidente publicou o seguinte texto no Facebook e no Twittrer:
“- Cheguei na Câmara em 1991 e encontrei-a tomada pela esquerda num clima hostil às Forças Armadas e contrário às nossas tradições judaico-cristã (SIC).
– Aos poucos outros nomes foram se somando na causa que defendia, entre eles Olavo de Carvalho.
– Olavo, sozinho, tornou-se um ícone, verdadeiro fã para muitos.(SIC)
– Seu trabalho contra a ideologia insana que matou milhões no mundo e retirou a liberdade de outras centenas de milhões é reconhecida por mim.
– Sua obra em muito contribuiu para que eu chegasse no Governo, sem a qual o PT teria retornado ao Poder.
– Sempre o terei nesse conceito, continuo admirando o Olavo.
– Quanto aos desentendimentos ora públicos contra militares, aos quais devo minha formação e admiração, espero que seja uma página virada por ambas as partes.
– Jair Bolsonaro/Presidente da República.”.
A gramática como sempre é encantadora. Como se nota, o presidente não sabe a diferença entre “fã” e “ídolo”. Afirmar que a Câmara, em 1991 ou em 2019, é hostil “às nossas tradições judaico-cristãs” não incide apenas na tolice. Trata-se também de uma mentira. Nota à margem: não é de hoje que implico com as tais “tradições judaico-cristãs”. Por óbvio: ou são judaicas ou são cristãs, como sabem judeus e cristãos. Ainda que Cristo fosse efetivamente judeu, assim como Saul, o perseguidor de cristãos, que virou Paulo depois da conversão.
A CÂMARA EM 1991 Também é mentira que a Câmara estivesse tomada pela esquerda. À época com 503 deputados, o PMDB elegeu 108; o PFL, 83; o PDS, 42; o PRN de Collor, 40, o PSDB, 38; o PTB, 38; o PDC, 22, o PL, 17; o PSC, 06; o PRS, 04; o PTR, 02; o PST, 2; o PSD, 01; o PMN, 01. De esquerda, apenas os 35 do PT, os 45 do PDT; os 5 do PCdoB, os 3 do PCB e, vá lá, os 11 do PSB, que sempre foi de centro. Ou por outra: dos 503 deputados, apenas 19,7% eram de esquerda. A isso o grande pensador chama “câmara tomada” por esquerdistas. Só para comparar: hoje, as esquerdas somam 26,3%. Caso se considerem no grupo PPS, PV e Rede (não acho que sejam esquerdistas), chega-se a 28,8%.
E olhem que estamos falando de uma maré conservadora, com forte viés reacionário, que certamente não se repetirá no país. MORO, LAVA JATO E ADÉLIO Afirmar que, sem Olavo de Carvalho, o PT teria chegado ao Poder é uma estupidez delirante. E também uma ingratidão episódica, embora ele tenha pagado a conta. Bolsonaro deve a sua eleição à Lava Jato, em particular a Sérgio Moro, que condenou Lula sem provas, e a Adélio Bispo de Oliveira, o homem que lhe desferiu a facada. Segundo o próprio Flávio Bolsonaro, ela foi bastante eficaz eleitoralmente. A esmagadora maioria dos que votaram no atual presidente nunca ouviram falar do suposto pensador.
A FOSSETA DA COBRA Depois de encontro com a cúpula das Forças Armadas, em que se tratou de um contingenciamento no Orçamento de R$ 5,8 bilhões, Bolsonaro falou sobre o ataque de Carvalho aos militares nestes termos: “O Olavo é dono do seu nariz. Como eu sou do meu, e você é do seu. Então, liberdade de expressão. Eu recebo críticas muito graves todo dia e não reclamo. Inclusive, olha só. O pessoal fala muito em engolir sapo. Eu engulo sapo pela fosseta lacrimal e estou quieto aqui, OK?”
Sabe-se lá onde diabos foi buscar a expressão “fosseta lacrimal”. Humanos têm fossas nasais e lacrimais. A tal “fosseta” — que é “loreal”, e não lacrimal, porque fica no “loro” — uma região entre o olho e a boca ou bico de répteis, peixes e aves — é própria de algumas cobras peçonhentas. Acho que os militares descobriram um tanto tarde que estavam lidando com alguém dotado de “fosseta loreal”, não é mesmo? Convém ter à mão o soro antiofídico do respeito à Constituição e às leis.
A cobra peçonhenta está por aí