José Padilha: ‘Moro foi de herói nacional a salame fatiado’
Inspiração de um dos principais personagens da série “O mecanismo”, o ministro da Justiça Sérgio Moro foi um dos alvos do diretor José Padilha durante o lançamento da segunda temporada da produção, que ficcionaliza os bastidores da operação Lava-Jato. De acordo com o criador da série, Moro “deve estar arrependido de suas escolhas” após abandonar a carreira de juiz para ingressar no governo do presidente Jair Bolsonaro.
— No momento atual, o Bolsonaro não tem maioria no congresso. Ele está lutando para aprovar suas reformas e usando o Moro como moeda de troca. O Moro passou de herói nacional a salame fatiado e entregue em pedaços para o centrão, para aprovar a reforma da previdência. É assim que eu vejo o futuro da Lava-Jato — afirmou o diretor em referência a concessões feitas pelo ministro, como a decisão de retirar o crime de caixa 2 de seu projeto anticrime.
Padilha, no entanto, afirma não se arrepender da forma como o personagem inspirado em Moro, o juiz Paulo Riggo, foi retratado na primeira temporada da série. Para ele, a produção “segue um caminho histórico”. Na nova temporada, o personagem aparece cada vez mais envaidecido pela fama, e há críticas a decisões de Moro como a de divulgar o áudio da gravação entre os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff.
— É uma série inspirada em eventos reais, que acontece no tempo. Eu e a torcida do Flamengo vimos vários jogos em que o goleiro Bruno agarrava e achávamos maravilhoso. Depois disso, ele cometeu um assassinato. Agora, quando o Bruno agarrava pênalti, eu não podia reclamar dele porque não sabia do assassinato que ele ia cometer — comparou o diretor.
Padilha destacou que, em dois artigos publicados recentemente, direcionou suas críticas à Moro, e não à Lava Jato como um todo. Ele classificou a escolha do juiz de integrar o governo como “burrice incrível”.
— Eu sugeri que ele pedisse o boné quando viu que o Flávio Bolsonaro estava envolvido com o Queiroz, que por sua vez é ligado com à milícia e ao submundo do crime.
Intérprete do doleiro Roberto Ibrahim, vagamente inspirado em Alberto Yousseff, o ator Enrique Diaz afirmou entender as críticas em relação à primeira temporada.
— Vejo uma mudança de uma temporada para a outra, ao mesmo tempo em que corrobora a tese do Padilha (de que a corrupção não se limita a um partido). — avalia. — Mas acho que ela não tira a marca que a primeira temporada, de corroborar um discurso antipetista que, naquele momento, era decisivo. Essa marca não sai. Era uma eleição em que o antipetismo era essencial e deu nessa cagada monstro que estamos vendo agora.
Já o protagonista Selton Mello, que vive o ex-policial Marco Ruffo, se queixou dos ataques direcionados aos atores durante a repercussão da primeira temporada.
— Quero defender nossos colegas. Esse é o nosso trabalho, a liberdade de expressão não é seletiva. Achei um pouco triste e um pouco patético os atores apanharem. As dubiedades estão na série, mas a gente vive uma época em que todo mundo tem certeza de tudo — disse Selton.
O ator comentou também críticas mais técnicas dirigidas à série, marcada em sua primeira temporada pelo som ruim.
— Foi um problema de mixagem. É isso mesmo, mixaram errado, entenderam mal. Agora que mixaram certo, as pessoas vão entender. O que aconteceu é que, como o Brasil começou a fazer série tarde, mixaram para o cinema. Quando a pessoa vê no iPad, mata isso, e aí dizem que é o Selton que fala errado — revelou
De O Globo