Juíza livra PMs suspeitos de matar homem e simular ataque a Rota
A Justiça de São Paulo absolveu sumariamente –sem julgamento– dois policiais militares suspeitos de simular um atentado contra o prédio da Rota, em 2010, e assassinar um homem com tiro pelas costas.
Em uma decisão de dez páginas, a juíza Débora Faitarone, do 1º Tribunal do Júri de São Paulo, defendeu os policiais suspeitos e lamentou a “triste realidade” da sociedade que coloca em dúvida a palavra de um PM.
“E isso se deve ao fato de que, infelizmente, vivemos em uma sociedade na qual a palavra de um criminoso vale mais, inclusive para algumas autoridades da Segurança Pública, do que a palavra de dois policiais militares, com 20 anos de corporação e cujos superiores, quando ouvidos em audiência, atestaram a idoneidade e comprometimento deles com a função”, diz trecho da decisão da magistrada.
Faitarone é conhecida por decisões favoráveis a PMs, como a que favoreceu os policiais que atiraram contra um menino de dez anos no Morumbi, em 2016. A magistrada –que, em suas redes sociais, é seguidora do clã Bolsonaro– já foi fotografada no próprio quartel da Rota (local onde trabalhavam os suspeitos) imitando uma arma com os dedos.
Os policiais militares absolvidos são os PMs Jorge Inocênio Brunetto e Sidney João do Nascimento que, em 2010, mataram o ex-presidiário Frank Ligieri Sons, 33, irmão de um ex-PM. Investigação da Polícia Civil apontou haver indícios de fraude na versão da PM.
Um dos lastros para isso foram laudos periciais e uma reprodução simulada que apontou serem incompatíveis a versão contada pelos PMs e os disparos encontrados no prédio da Rota que, segundo os policiais, teriam sido dados pela vítima durante o suposto ataque.
“Na verdade, a reprodução simulada dos fatos, ao contrário do que concluíram as peritas e o Ministério Público, é sim compatível com a versão dos policiais. Até porque, o laudo concluiu que o projétil localizado no forro do prédio da ROTA é compatível com a munição, calibre 40, da pistola apreendida com a “vítima”.
Além disso, laudo do IML (Instituo Médico Legal) também apontou que o homem morreu com um tiro que entrou pelas costas, quase em linha reta, perfurando o coração.
Segundo peritos ouvidos pelaFolha à época, não há possibilidade de o ferimento ter ocorrido num tiroteio frontal, como os policiais alegaram. A magistrada, na sentença, diz que isso é possível sim.
“Houve, de fato, segundo o laudo necroscópico, uma lesão que atingiu as costas da ‘vítima’, transfixou o pulmão esquerdo e por fim o coração. Entretanto, na dinâmica de uma troca de tiros, os envolvidos não assumem uma posição estática, o que explica o tiro nas costas, e não pelas costas, que atingiu a ‘vítima’.”
A juíza continua: “Um criminoso vai à porta da Rota, armado com uma pistola Glock, de fabricação austríaca, ponto 40 [sic], drogado e embriagado e na posse de um ‘coquetel molotov’, em plena madrugada, atira contra o batalhão, atira contra os policiais, que revidam e o matam e os policiais são denunciados por isso!”, escreve a magistrada na sentença.
De acordo com a investigação, um coquetel molotov foi encontrado no local do crime, mas não havia nenhum material próximo ao corpo com o qual seria possível acender o coquetel, como fósforo ou isqueiro. Na época, até mesmo então secretário de Segurança Antonio Ferreira Pinto considerou “bisonha” a versão apresentada pelos PMs.
“Acho bastante bisonho alguém querer atacar o prédio da Rota com uma garrafa molotov”, disse ele à época. “Estou dizendo para vocês que a história não é convincente. Mas estamos diante de um desafio. Não tenho a intenção de dourar a pílula. Se for de fato [uma farsa], eles [os PMs] serão processados.”
A advogada Roselle Soglio, assistente da acusação (em favor da família de Sons), disse nesta terça-feira (28) que vai recorrer da decisão e também deve ingressar com uma representação contra a magistrada na Corregedoria do Tribunal de Justiça e CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Isso porque, segundo ela, a magistrada não poderia tomar tal decisão porque outra magistrada, Alessandra Teixeira Miguel, já tinha considerado haver provas suficientes para mandar os dois réus a julgamento popular e, assim, só ela poderia reverter essa decisão.
“Nunca vi nada tão horrendo quanto isso [decisão da juíza]. É espantoso que ela [Débora] se retrate de uma decisão que nem é dela, foi de outra juíza”, afirmou ela.
Da FSP