Lula: “Bolsonaro só fala em destruir. É nítido que ele não sabe o que está fazendo”
“Nós cuidamos da política ambiental, de reforma agrária, de inclusão social, da política de geração de empregos. O Brasil chegou em Copenhague em 2009 próximo de ser a quinta economia do mundo. Agora virou esse desastre, eu dizia agora a pouco para um amigo seu da imprensa que o Bolsonaro tá mais para Nero do que para presidente do Brasil, parece que ele tá colocando fogo no país”.
Essa é a análise do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o governo de Jair Bolsonaro (PSL), em sua entrevista ao jornal alemão Der Spiegel, concedida ao jornalista Jens Glüsing, em 15 de maio de 2019, direto da prisão onde é mantido após perseguição judicial com fins políticos.
Para qualificar o atual presidente do Brasil, Lula evoca a imagem do imperador romano Nero, que governou entre 13 de outubro de 54 até a sua morte, a 9 de junho de 68 d.C, e ficou conhecido por incendiar a cidade para construir um palácio e perseguir cristãos.
“Não existe no dicionário deles a palavra emprego, não existe a palavra crescimento, não existe a palavra investimento, desenvolvimento, não existe a palavra construir, educação, ou seja tudo neles é para destruir tudo, como se fossem uma praga de gafanhoto”, continua.
Confira abaixo alguns trechos de destaque da entrevista, na qual ele fala sobre perseguição, Petrobras, conjuntura do país, imperialismo, Venezuela, Forças Armadas e os desafios da democracia diante da ascensão da extrema direita:
Razões da perseguição:
“Mesmo com a crítica à política econômica, nós chegamos em dezembro de 2014 com 4.5% de desemprego, era o menor número da história do Brasil. Então eu ficava pensando, bom se eles estão fazendo o impeachment da Dilma por conta da política de inclusão social que ela está fazendo, por conta da política de partilha do petróleo, porque trouxemos o petróleo para nós outra vez. Eles não vão permitir que eu volte à presidência da República. Isso eu tinha muito claro na cabeça, e resolvi enfrentar.”
Preso político:
“Me considero e depois de tudo que tá acontecendo… Eu não falo muito nisso porque acho que não é bom ficar falando de mim quando o povo tá sofrendo muito mais do que eu. Porque a verdade é que eu estou preso, mas o povo em liberdade…os pobres voltaram a passar fome, estão desempregados. Tem gente passando muita miséria nesse país, tem gente que tá perdendo o direito de sonhar. A juventude, que no meu governo sonhava em ir para a universidade, está agora tendo pesadelo com essa política de corte do governo. Então, eu sinceramente me considero um preso político. O fato de eu ter sido condenado, o fato do Moro ter aceito ser ministro do Bolsonaro. O fato do Bolsonaro dizer para ele esses dias que tinha acertado com ele antes. É mais do que prova que foi um jogo. Não é que o Bolsonaro garantiu para ele que daqui a dois anos tá certo que ele vai ser, mas ele fez mais do que isso, ele garantiu que que o Bolsonaro fosse eleito presidente da República impedindo a minha possibilidade de ser candidato.”
PT e corrupção:
“Vamos ver se na história do Brasil tem um partido que mais criou instrumento de combater a corrupção do que o PT. Você pode, sabe, como já tá muito tempo no Rio de Janeiro, fazer uma pesquisa para saber quantos presidentes da República desde Getúlio Vargas até agora fizeram o que o PT fez para combater a corrupção. Não apenas nas mudanças de ordens jurídicas, sabe transformando em leis, mas também de transparência, como o PT se comportou. Lógico que na hora que você cria mecanismo de investigação, na hora que você aparelha a Polícia Federal com inteligência, com mais gente, na hora que você dá mais liberdade ao Ministério Público, na hora que você cria condições objetivas, se houver corrupção ela começa a aparecer. E se acontecer corrupção, pode ser quem quer que seja, tem que pagar o preço. O PT não se exime disso, tá?”
Elites:
“O povo sabe que a elite brasileira não aceita inclusão social, não aceita. O pobre não pode andar na mesma calçada, o pobre não pode frequentar o mesmo restaurante, o pobre não pode ir no mesmo teatro, o pobre não pode ir no mesmo Shopping, o pobre não pode estar no mesmo aeroporto, o pobre não pode estar na mesma universidade. Ora, que história que é essa? O país é de todos, todos podem tudo. Então eu cometi um crime, eu cometi um grande crime, dizer para uma criança pobre “você vai disputar uma vaga na universidade com o filho do patrão do seu pai”. E se você estudar você vai ser melhor do que ele e você vai passar. Eu consegui fazer com que as Universidades trocassem um pouco dos seus impostos por vaga para 2 milhões de jovens da periferia fazerem universidade. Esse foi o crime que eu cometi.”
Petrobras:
“Eu fiz a Petrobras ser a segunda empresa do mundo na área de energia. Eu fiz a maior capitalização da história do planeta em se tratando de capitalismo, a maior capitalização não foi feita em Nova York, não foi feita em Tóquio, não foi feita em Frankfurt, foi feita na Bolsa de Valores em São Paulo, quando nós fizemos a a Petrobras sabe, quando o governo investiu nas ações da Petrobras vendendo 5 bilhões de barris de petróleo do pré-sal a troco de ações. Ora, eu cometi um crime quando recuperei a indústria naval brasileira, que tinha 2.000 trabalhadores e passou a ter 82.000 trabalhadores, porque a elite brasileira queria que a gente importasse de Cingapura, importasse da China navio. Ora, então o meu crime foi ser brasileiro. O meu crime foi defender a soberania Nacional. O meu crime foi acreditar nos vizinhos parceiros do Brasil e criar o fortalecimento do Mercosul e da Unasul e criar o BRICS. O que jogaram contra o PT não foi por conta dos erros, mas por conta dos acertos. Isso nós podemos ficar tranquilos.”
Corrupção na Petrobras e interesses externos:
“Pode ter havido um ou outro caso, a Petrobras é uma empresa muito grande, que passou a movimentar 30 bilhões por ano de investimento. Nós passamos a comprar sonda e a fazer sonda com os estaleiros brasileiros. Então hoje eu não tenho dúvida, e a imprensa estrangeira pode até ajudar, eu depois que li um livro, esqueci até o nome do autor do livro, sobre o petróleo, que conta a história do petróleo desde 1859 quando ele surgiu nos Estados Unidos, eu me convenci que o que aconteceu no Brasil tem a ver com os interesses das petroleiras americanas. Não era possível aceitar que o Brasil tivesse feito a maior descoberta de petróleo do Século 21. Ainda não sabemos se tem 100 bilhões de Barris ou 150 bilhões, 200, o que nós sabemos é que temos uma grande reserva e americanos não podem permitir que isso continue sendo explorado pelo Brasil. A elite brasileira, junto com elite das petroleiras do mundo não admitem a lei da partilha que nós fizemos, dizendo que o petróleo é do povo brasileiro, e 75% do royalties será destinado à educação, para que o Brasil recupere no século 21 o atraso do século 20, será investido em ciência e tecnologia, será investido em saúde. É por isso que era preciso derrubar a Dilma, é por isso que era preciso fazer o impeachment. E era por isso que que criaram todas as condições ilegais para evitar que o Lula fosse candidato a presidente, porque eles sabiam que mesmo preso eu seria eleito o Presidente da República.”
Imprensa e ódio:
“Meu caro, quando você casa você vai em frente do padre se você é católico e promete que vai amar para o resto da vida, na doença, na saúde e dois anos depois você está separado. Ou seja, eu acho que, em 2013, primeiro vamos trabalhar o seguinte, você sabe que no meu governo, embora eu tive toda essa aprovação, eu nunca tive benefício da imprensa. Você é testemunha disso. A imprensa sempre me tratou mal. Não há matéria favorável a mim na imprensa brasileira. Eu resolvi enfrentar. Uma vez o Mário Soares, ex-presidente de Portugal, veio me visitar e chegou com um monte de jornal debaixo do braço, acho que estava a revista Der Spiegel, tava o Le Monde, tava o jornal de Portugal, jornal da Itália, e ele sentou na minha frente e falou “presidente Lula eu não tô entendendo nada”. Eu falei, “o que presidente?”. “Eu estou lendo a imprensa estrangeira e você é Deus, quando eu pego a imprensa brasileira você é o demônio.”
Antipetismo:
“Não consegue destruir o PT porque o PT é o mais importante partido de esquerda da América Latina. Para eles poderem ganhar do PT tiveram que me colocar na cadeia e mesmo na cadeia tiveram que rasgar a Constituição, e não permitir que eu fosse candidato mesmo sob judice.”
Despreparo de Bolsonaro:
“Então eu já tinha, por isso que de vez em quando eu agradeço já ter perdido em 89 para poder me preparar melhor para ser presidente. Então ganhou as eleições um cidadão que não está preparado. Porque ele ganhou? Porque a sociedade, eu vou repetir um texto que eu já li para outro jornalista aqui, mas é um texto que eu achei muito interessante do Mia Couto, que é um escritor de Moçambique e que no livro dele tem um texto que eu achei uma frase que eu achei extraordinária “Em tempo de terror, escolhemos monstros para nos proteger.” É isso. A sociedade, horrorizada contra a política, apareceu um cidadão que tinha 27 anos de mandato, nunca fez nada e conseguiu passar a ideia que era novo e se elegeu. Ou seja, não se elegeu porque alguém votou nele, porque achava melhor, se elegeu para negar o PT. E quando a escolha é feita não pelo melhor, mas pelo que se pode, acontece isso. Já tivemos o exemplo do Jânio Quadros que não deu certo, já teve o exemplo do Collor que não deu certo, e agora tem o Bolsonaro. É nítido que ele não sabe o que está fazendo.”
Previdência:
“Agora só fala na reforma da Previdência como solução de tudo. A reforma da Previdência pode resolver o problema dos bancos mas não resolverá o problema do povo. Então só tem um jeito, é o povo reagir contra isso. O povo não elegeu Bolsonaro para ele destruir o Brasil. Ninguém é eleito para destruir o Brasil. Eu digo sempre nem Nero virou Imperador de Roma prometendo que ia queimar Roma. Então esse cidadão é um perigo para o Brasil.”
Forças Armadas:
“Eu gostaria de saber. Um dia quando sair daqui espero poder ter uma conversa com algumas pessoas nas Forças Armadas que eu quero compreender. Porque olha, eu tô falando olhando na cara de um jornalista alemão, e olha, eles tiveram 23 anos de regime militar e eu tô olhando na sua cara para dizer que duvido que em algum momento da história das Forças Armadas eles foram tratados com dignidade que eu os tratei. Que eles receberam o dinheiro necessário para o seu funcionamento que receberam no meu governo. Duvido. Agora, porque que de repente um general Comandante das Forças Armadas vai na Suprema Corte dizer que eu não posso ser candidato eu não sei. Somente quando sair daqui eu vou poder perguntar. Porque olha, se um General não é capaz de ser nacionalista, se um general não é capaz sabe, de respeitar suas fronteiras, realmente ele não deve nem ser General.”
Democracia:
“Acho que a democracia brasileira corre perigo. Até porque temos pouca democracia. Ele está destruindo tudo. Veja uma coisa fantástica que nós construímos nos nossos governos, os conselhos. Conselho indígenas, conselho de negros, conselho de portadores de deficiência física, ele está destruindo tudo. Destruindo universidade, parando investimento em Ciência e Tecnologia, é uma barbárie de uma ignorância. Eu nem sei se é má fé, mas é pura ignorância. Esse cidadão precisa uma hora parar, sentar e conversar com a sua consciência. Não basta falar não nasci para isso. Se não nasceu, deixe quem nasceu para isso fazer o que tem para fazer. Então até agora o governo Bolsonaro é muito mais uma piada. Quanto tempo você acha que levou para construir um castelo daqueles bonito que tem na Alemanha? 200 anos, 300 anos às vezes é isso? Para destruir é dois minutos. No Brasil, para você construir uma política de inclusão social leva décadas. Décadas. Esse país tem uma dívida com o povo brasileiro com a educação que é secular. Esse país tem uma dívida com a questão da reforma agrária, que é secular. Só para você ter ideia, só para você ter ideia, no meu governo, nós entre o meu e da Dilma, disponibilizamos para a reforma agrária 52% de toda terra disponibilizada em 500 anos. Ora, por que fizemos isso? Porque não é possível você não trabalhar uma política de ascensão dos mais pobres. Quando todo mundo virar com o poder aquisitivo da classe média baixa, as pessoas tiverem trabalhando, recebendo, pagando seu imposto, consumindo aquilo que quer consumir o país vai virar uma maravilha. Vai virar uma maravilha. E é isso que as pessoas querem, as pessoas não querem discurso, as pessoas querem comida. As pessoas querem cultura, as pessoas querem ir lá ver as pessoas querem liberdade, as pessoas querem estudar, é isso que as pessoas querem e isso que elas precisam.”
Venezuela:
“Os mesmos que dizem isso vão dizer que a crise da humanidade começou com Jesus Cristo. Você tem que medir o seguinte. O Chávez foi uma pessoa extraordinária. Eu sinceramente convivi muito com o Chávez, uma pessoa extraordinária. Ele tinha os defeitos dele. Mas quem deveria julgar era o povo da Venezuela. Eu achava o Chávez muito voluntarista, mas ele realmente fez muita coisa na Venezuela. Muita coisa. Os defeitos dele quem deveria corrigir é o povo da Venezuela. O Maduro ele não tem a mesma dimensão histórico do Chávez. O Chávez, a eloquência, a oratória, a simpatia do Chávez, ele tem outro estilo. Agora ali na Venezuela, quem quiser governar tem que pactuar. É preciso ter gente disposta a sentar na mesa e esse tal de Guaidó não tá afim de sentar na mesa. Ele é um pavão. Sabe o que é pavão? Ele é um pavão sem o rabo. Ele não tem aquele rabo bonito assim aberto. Você olha na cara dele e vai perceber que ele não merece nenhuma credibilidade.”
Solidariedade:
“Todo o dia. Todo o dia tem um bom dia, toda tarde tem um boa tarde, e toda noite tem um boa noite. Todo o dia. Quando eu sair daqui eu serei eternamente agradecido a esse pessoal. Eu só espero o dia que eu sair daqui, para sair daqui pela porta da frente, ir lá tomar uma bela de uma cachaça com eles e comemorar até outro processo que a gente nunca sabe quando é que vai terminar.”
Como governar:
“Eu quando deixei à presidência eu fui visitar vários países africanos, eu discutia com o presidente, olha se você começa a discutir o orçamento de uma nação pelos militares, pelos diplomatas, sabe, pelos quem tem diploma universitário não vai sobrar dinheiro para os pobres. Então começa a discutir o orçamento pelos pobres, o que vai ser deles, qual é a parte deles. Aí o que sobrar você então vai dividir para os outros, porque os outros não vão ter problema de passar um dia sem comer, os outros não tem problema sabe, se não tiver o dinheiro amanhã, mas o pobre não pode esperar, a fome não dá trégua. Você não tem noção o que que é uma pessoa com fome conversando com você. Aparentemente você pensa que a pessoa tá bem, mas lá dentro uma lombriga tá comendo a outra. A pessoa tá com dor e as pessoa não percebem. Então quem quiser governar tem que levar em conta Isso, só vai acabar com a miséria no mundo quando a gente colocar o pobre como prioridade. Não é que eu tô tirando de você. Eu não quero tirar nada de você, eu quero apenas que aquele lá de baixo possa ser igual a você, para isso ele tem que ter oportunidade de estudar.”
Do BdF