Marxismo Cultural: Marx está presente em apenas 4% de disciplinas de pesquisa em filosofia
Os programas de pós-graduação em filosofia no Brasil não têm forte presença de disciplinas sobre Karl Marx. Somente 4% de todas as matérias dos programas de mestrado e doutorado nessa área têm o pensador alemão como tema ou referência. A produção acadêmica sobre o autor também é baixa nessa área.
O levantamento feito pela Anpof (Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia) mostra que, de 46 programas de pesquisa na área, 12 têm disciplinas que abordam Marx diretamente, ou 4% do total de 338 disciplinas.
O combate ao chamado marxismo cultural tem sido central no discurso ideológico do governo Jair Bolsonaro (PSL). A tese de que há um avanço de ideias de marxistas e comunistas na sociedade, que precisam ser combatidas, tem como defensor mais proeminente o escritor Olavo de Carvalho.
Autor de livros de filosofia, Olavo mantém na internet o curso Seminário de Filosofia. Ele é apontado como guru da nova direita brasileira e do governo, com forte influência sobre os filhos do presidente e sobre outros membros da gestão, como o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o assessor da Presidência para assuntos internacionais, Filipe Martins.
Bolsonaro defendeu no mês passado a redução de investimentos em cursos de humanas, citando filosofia e sociologia. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, também é admirador de Olavo.
A baixa presença na grade da pós-graduação se reflete na produção acadêmica de filosofia: das mais de 2.200 pesquisas apresentadas no último encontro da Anpof, apenas 2 foram sobre Marx.
Segundo a Anpof, há grande pluralidade de escritores nos programas. Immanuel Kant é o que mais aparece, em praticamente todos os programas, mas ainda assim dividindo espaço com outros autores, como Rawls, Habermas, Hannah Arendt e Axel Honneth.
As disciplinas nas quais o pensador alemão aparece nos programas de pós-graduação compõem as áreas de Filosofia Política e Ética. Mesmo nessas áreas, Marx aparece menos que Kant, Hegel, Platão, Aristóteles, Heidegger, Nietzsche ou Foucault.
O filósofo italiano e marxista Antonio Gramsci, apontado por conservadores como formulador do que seria o marxismo cultural, não aparece em nenhum programa.
Marx nasceu na Alemanha em 1818 e morreu na Inglaterra em 1883. Suas principais obras são “O Manifesto Comunista”, com Friedrich Engels (1848), e “O Capital” (1867), seu livro mais influente.
O presidente da Anpof, Adriano Correia, diz que os estudos sobre Marx são “constrangedoramente baixos”. “É um autor muito pouco estudado na filosofia, mas no fim se supõe que esses estudiosos são apologéticos, dogmáticos. Eu mesmo já dei aula de Marx sob uma perspectiva crítica”, diz.
O professor de filosofia da USP Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação, diz que a faceta filosófica de Marx acabou perdendo importância inclusive por ele pagar o preço do fracasso do comunismo. “A filosofia do Marx, mais especificamente o materialismo dialético, ficou menos importante do que a sociologia dele”, diz.
Segundo o professor Denis Lerrer Rosenfield, da Federal do Rio Grande do Sul, a discussão sobre marxismo cultural tem sido imprópria. “Nos cursos de filosofia não vi nenhuma predominância de marxismo, o que observei em cursos de ciências sociais”.
Rosenfield, crítico da esquerda, diz que a filosofia ganhou relevância no debate por causa de Olavo de Carvalho e pela força do conservadorismo ideológico no governo –do qual Olavo é a referência. PS
Da FSP