Moro divulgou pesquisa sobre drogas da Fiocruz sem autorização do governo
Na contramão do ministro da Cidadania, Osmar Terra, o Ministério da Justiça, de Sergio Moro, autorizou a divulgação do 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, conduzida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A liberação para a publicação do conteúdo da pesquisa foi enviada em ofício à instituição no início de abril.
No documento, Gustavo Camilo Baptista, o diretor de Políticas Públicas e Articulação Institucional, uma das instâncias da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), diz que a Fiocruz deixou de cumprir exigências do edital e, portanto, está liberada para divulgar o conteúdo do levantamento. Para isso, basta mudar o título da pesquisa e não associar o levantamento ao Ministério da Justiça, onde está a Senad.
A Fiocruz, por sua vez, defende que não houve quebra de contrato e que atendeu a todas as exigências do edital. Por isso, entende que a publicação sem a chancela do governo implicaria em reconhecer que não cumpriu o contrato e, consequentemente, na obrigação de devolver os R$ 7 milhões pagos pela pesquisa.
A instituição pediu à Advocacia Geral da União (AGU) que acione sua câmara de conciliação a fim de resolver o impasse. A AGU informou ao GLOBO que ainda está analisando o pedido da Fiocruz para definir se a questão carece da arbitragem da câmara de conciliação, ótgão que faz a mediação entre entes federais.
“Entende-se que o estudo realizado pela Fiocruz não mais se encontra vinculado ao termo de execução descentralizada no 8/ 2014, por não atender ao seu objeto, podendo ser caracterizado como independente. Por esse motivo, a publicação das informações ali contidas prescinde de autorização deste ministério, contanto observado que esta pasta não seja citada e que o título do estudo seja editado, a fim de que não se confunda como o objeto do edital nº 01/2014”, afirma.
O diretor informa também que o caso do suposto descumprimento do edital foi encaminhado à corregedoria do Ministério da Justiça e ao Ministério da Transparência. O ofício foi enviado em 2 de abril à Presidência da Fiocruz.
No 3º Levantamento Nacional sobre Uso de Drogas, cerca de 500 pesquisadores contratados pela Fiocruz fizeram 16 mil entrevistas sobre o consumo de maconha, cocaína e outras drogas (líticas e ilícitas) em todo o país.
Pesquisadores e especialistas, que acompanham o caso de perto, suspeitam que setores do governo estão tentando censurar a pesquisa porque o levantamento não confirma a tese de que o consumo de drogas no país se tornou uma “epidemia”, como costuma repetir o ministro da Cidadania. Ou seja, não daria suporte a teses do governo como o endurecimento penal para usuários e traficantes ou a expansão de comunidades terapêuticas financiadas com dinheiro público, controladas por grupos de religiosos.
Em entrevista ao GLOBO, Osmar Terra, um dos entusiastas das comunidades terapêuticas, confirmou indiretamente o conteúdo da pesquisa (que não mostraria caráter epidêmico do consumo de drogas), desqualificou o levantamento e diz porque se opõe a divulgação dos resultados do estudo.
— Eu não confio nas pesquisas da Fiocruz. Se tu falares para as mães desses meninos drogados pelo Brasil que a Fiocruz diz que não tem uma epidemia de drogas , elas vão dar risada. É óbvio para a população que tem uma epidemia de drogas nas ruas. Eu andei nas ruas de Copacabana, e estavam vazias. Se isso não é uma epidemia de violência que tem a ver com as drogas, eu não entendo mais nada. Temos que nos basear em evidências — disse o ministro.
No ofício encaminhado a Fiocruz, o diretor da Senad afirma que a pesquisa foi rejeitada porque o levantamento não permite comparação com as duas pesquisas anteriores sobre o mesmo assunto. Ele não explica, no entanto, porque a Senad considera imprescindível a comparação a ponto de rejeitar um estudo de três anos.
“Em consideração às colocações constantes no documento denominado “Documentação Complementar II – Versão Janeiro de 2019, pontua-se que as informações ali contidas não são suficientes para demonstrar o cumprimento do Edital e do Plano de Trabalho dada a impossibilidade de comparação do III Levantamento Nacional sobre uso de Drogas pela População Brasileira com suas edições anteriores, como vem sendo recorrentemente colocado”, afirma Baptista.
Para responder aos pedidos de comparação feitos pela Senad, a Fiocruz chegou a criar dois novos relatórios com planos de amostra que permitem uma análise relacional com os estudos anteriores — estes foram feitos pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em pouco mais de cem municípios. Já o levantamento da Fiocruz teve abrangência maior e percorreu domicílios em 351 cidades brasileiras.
“Igualmente, ainda que sugira a preocupação precoce da Fiocruz com uma possível incompatibilidade entre a metodologia de pesquisa proposta pelo Edital e a manutenção da série histórica, o documento não traz qualquer demonstração de tentativas de recurso contra o procedimento licitatório. Ao contrário, o documento que compõe o Anexo I aponta para uma comprovação, pela Senad, do interesse em manter a comparabilidade entre os estudos. Assim, reitera-se a impossibilidade de aceitação dos produtos por esta Secretaria”, acrescenta.
Procurado pelo GLOBO, o ministro Sergio Moro disse que a Senad deu as devidas respostas ao caso.
De O Globo