Moro e equipe jurídica avaliaram superficialmente o Decreto das Armas. Bolsonaro deu 24 horas para parecer
A consultoria jurídica do MJSP (Ministério da Justiça e Segurança Pública) teve menos de 24 horas para avaliar o decreto que flexibilizou as regras para a posse e o porte de armas, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) na terça-feira (7).
A reportagem do UOL teve acesso aos pareceres da equipe jurídica do ministério comandado por Sergio Moro. Eles mostram que a minuta do decreto só foi encaminhada ao órgão no final do dia 6 e que os pareceres foram assinados no dia 7. Bolsonaro, porém, já havia anunciado que iria assinar o decreto no dia 5, dois dias antes de o ministério de Moro dar o seu aval.
O decreto assinado por Bolsonaro altera as regras para a compra e o porte de armas no país. Entre as novidades estão a possibilidade de que menores de idade possam participar de clubes de tiro com a autorização de apenas um dos pais e a extensão do porte para diversas categorias profissionais, incluindo conselheiros tutelares e até jornalistas.
Os documentos obtidos pelo UOL mostram que a minuta final do decreto só chegou ao ministério no final do dia 6 e que os pareceres jurídicos só foram assinados pela consultoria jurídica na tarde do dia 7.
Dois dias antes e mesmo sem os pareceres jurídicos do MJSP, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) já havia anunciado que iria assinar o decreto.
O parecer 489/2019 foi elaborado pela consultoria jurídica junto ao Ministério da Justiça. Foi feito pela advogada da União Priscila Helena Soares Piau. Coube a ela avaliar apenas o aspecto legal do decreto.
No documento assinado por ela, Priscila fez questão de dizer que teve pouco tempo para avaliar o documento. Segundo ela, a minuta (uma espécie de rascunho) do decreto só chegou a ela às 15h do dia 7.
“Com solicitação de extrema urgência, os autos foram remetidos a esta consultoria na data 07/05/2019, às 15h”, diz um trecho do parecer.
O horário da chegada da minuta para a análise da advogada chama a atenção porque, de acordo com a agenda oficial do presidente Jair Bolsonaro, a cerimônia de assinatura do decreto começou às 16h10, ou seja, apenas uma hora e dez minutos depois de ela dar início à análise da constitucionalidade do decreto.
Em seu parecer, a advogada disse que o prazo curto afetaria o resultado da análise.
“Diante do requerimento de urgência e considerando a complexidade do tema e o exíguo prazo concedido para a análise, este órgão consultivo fica impedido de proceder uma análise mais acurada no texto da proposta”, diz o documento.
Ao final, a advogada deu parecer favorável à minuta do decreto, mas ressaltou que sua análise não avaliou se o decreto era oportuno ou conveniente.
“Ante o exposto, abstraídas quaisquer considerações atinentes à oportunidade e à conveniência da medida, esta consultoria manifesta-se favoravelmente à minuta do decreto tal como apresentado pela Casa Civil da Presidência da República”, afirma o documento.
O parecer foi assinado eletronicamente pontualmente às 18h. A essa hora, Bolsonaro já havia feito o anúncio do decreto.
Outro parecer sobre a legalidade do decreto foi assinado pela coordenadora-geral de atos normativos em matéria penal, Fernanda Regina Vilares, e pelo assessor especial de assuntos legislativos do MJSP, Vladimir Passos de Freitas. Essa análise também foi relacionada a aspectos legais do decreto. Os dois deram aval para que a matéria prosseguisse.
Em outro documento, o chefe da consultoria jurídica do MJSP, João Bosco Teixeira, afirma que a minuta final do decreto só chegou ao ministério no final do dia 6, mas que, antes disso, houve três reuniões sobre o assunto entre integrantes da Subchefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, representantes da consultoria jurídica do MJSP, da Polícia Federal e de outros órgãos.
Fontes ouvidas pela reportagem dizem que a pressa com que o governo submeteu o decreto à avaliação do MJSP é um dos indícios da distância entre Moro e Bolsonaro sobre o assunto.
Durante uma audiência pública na Câmara dos Deputados realizada na quarta, Moro disse que o decreto não era uma política de segurança pública. “Não tem a ver com segurança pública. Foi uma decisão tomada pelo presidente em atendimento ao resultado das eleições”, afirmou.
Moro chegou a mencionar a existência de possíveis divergências entre ele e o presidente em relação ao assunto.
“Eventuais divergências são tratadas no âmbito do governo. Isso é normal […] Na formulação das políticas públicas, existe toda uma dinâmica dentro do governo. Tem debate, discussão, divergências, convergências. Isso é absolutamente natural”, afirmou Moro, sem dizer a quais discordâncias ele estaria se referindo.
Fontes ouvidas pela reportagem afirmaram que a pressa em anunciar o decreto na terça-feira era tão grande que o documento nem sequer estava pronto para divulgação à imprensa ao final da cerimônia.
O UOL perguntou à Casa Civil sobre a necessidade do regime de urgência, sobre o momento da chegada da minuta do decreto para formação dos pareceres e sobre o motivo de anunciar o decreto mesmo sem o aval do ministério.
A assessoria do órgão respondeu apenas em nota que “a discussão sobre o tema tem longo histórico, desde antes da digitalização de processos”. “Apenas a inclusão do tema no sistema de geração e transmissão de documentos foi ajustada para sua tramitação final.”
De Folha de SP