Não há crescimento econômico que justifique retroceder nas liberdades e direitos individuais
Leia a coluna de Ilona Szabó de Carvalho, empreendedora cívica, mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia). É autora de “Segurança Pública para Virar o Jogo”.
***
A retomada do espaço cívico
É inegável que vivemos tempos difíceis. Democracias liberais estão sendo desafiadas no Brasil e mundo afora. Mas observar a reação de distintos grupos da sociedade me dá esperança.
Por aqui, muitos anteviram que pilares democráticos e áreas como educação, segurança e meio ambiente sofreriam desmontes sem precedentes, caso promessas de campanha virassem realidade. Apesar da agenda em curso, a democracia resiste. Há diferentes grupos se organizando e saindo em defesa de leis e políticas públicas construídas ao longo de anos de discussão participativa.
Sei que uma grande parcela não acreditava que as promessas de campanha de cunho ideológico seriam cumpridas, muito menos priorizadas. Acabaram por dar um voto de confiança calçado especialmente no ideal do futuro próspero empacotado e vendido pelo pilar econômico, fiador desse governo.
Mas enquanto intrigas e batalhas morais e conspiratórias consomem nosso tempo e energia, a economia ensaia recessão e milhões de desempregados sofrem. É urgente que se atenda às reais prioridades.
A lição que fica é que os princípios da democracia não se negociam. Não há crescimento econômico que justifique retroceder nas liberdades e direitos individuais e garantias constitucionais. Queremos aprimorar e fortalecer nossas instituições democráticas e diversificar e fazer crescer nossa economia.
Não é uma coisa ou outra, e sim uma coisa e outra. E vejo que já há muita gente despertando para isso e está aí o meu otimismo fora de hora.
Vimos nas últimas semanas vozes relevantes da direita e da esquerda se unirem contra cortes abruptos e arbitrariedades na área da educação, contra o último decreto das armas e contra a agenda antissustentabilidade promovida sem pudor. Há grande convergência de ideias de distintos atores, que antes se viam em lados opostos. É o começo do fim de uma polarização criada para amplificar a voz de minorias radicais, de ambos os polos do espectro político.
No campo educacional, assistimos a centenas de milhares de jovens e adultos de todas as classes sociais, professores e cidadãos conscientes de que nosso futuro está na educação, tomarem as ruas e ocupar o espaço público.
Movimentos como o Todos Pela Educação balizaram o debate e mostraram o caminho a seguir. Universidades e instituições de ensino começaram a se preocupar mais com transparência, efetividade de suas ações e uso de recursos, o que é fundamental para que se fortaleçam.
Na segurança, manifestaram-se contra o decreto das armas: grupos de policiais, redes de mães e mulheres como o Brasil Vivo, denominações cristãs, partidos políticos, governadores de mais de uma dezena de estados e organizações que trabalham com o controle de armas, incluindo a Rede Repacificar.
Análises técnicas e jurídicas respaldam a derrubada do decreto da morte. O STF e o Congresso poderão contar com sólida argumentação para proteger nossa população de interesses privados que não podem se sobrepor ao direito coletivo à segurança pública.
Na área ambiental, temos os indígenas organizados, a vanguarda do agronegócio se opondo às mudanças no Código Florestal, governadores, prefeitos e organizações da sociedade, como o Observatório do Clima, a Liga das Mulheres pelos Oceanos, entre muitas outras, resistindo. E não poderia deixar de citar a mobilização inédita dos últimos sete ministros do Meio Ambiente nos alertando sobre o perigo do desmonte na área, com uma clara convocação à população.
Estamos muito longe de estarmos seguros. O futuro de nossa democracia e do nosso país depende de nossa coragem, da capacidade de refletir, dialogar, passar por cima das diferenças e unir esforços.
Da FSP