No Brasil, a “revolução” bolsonaro-olavista deve implodir o próprio governo

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A vitória de Temístocles em Salamina (480 a.C) preservou o mundo grego ameaçado pela Pérsia. O triunfo do macedônio Filipe 2º em Queroneia (338 a.C) unificou as cidades gregas e assentou as bases para a difusão cultural do helenismo. A invasão normanda foi concluída por William, o Conquistador na batalha de Hastings (1066), fonte mítica da moderna Britannia. Segundo uma interpretação exagerada, a civilização ocidental deve sua existência a esse trio de batalhas icônicas. Os generais do alto escalão do governo Bolsonaro certamente as estudaram —e, com elas, aprenderam o valor militar da retirada tática. É hora de aplicar a manobra à política.

O pacto dos generais com o capitão reformado nasceu de um equívoco fatal: os primeiros não entenderam a natureza do segundo. Bolsonaro jamais deixou de ser o fanfarrão estéril, turbulento e indisciplinável, afastado da corporação em 1988. A novidade é que, na curva final rumo ao Planalto, acercou-se de correntes populistas de extrema direita fundamentalmente hostis às mediações institucionais da democracia. Os generais pretendiam participar de um governo “normal”, enquadrado na moldura do Estado de Direito. De fato, participam de um governo cujo núcleo almeja subverter o Estado de Direito.

Na rua ao lado, uma faixa da vovó Jurema promete trazer seu amor de volta. A “filosofia política” do Bruxo da Virgínia vale tanto quanto os búzios da vovó —e sua pregação era, até há pouco, um mero golpe de charlatanismo, com implicações exclusivas para seus seguidores ignorantes. Desde a ascensão de Bolsonaro, converteu-se em programa de governo. Os generais começam a entender que o conflito não é com o espalhafatoso bobo da corte, mas com o presidente e seu clã familiar. Falta-lhes, ainda, entender que a conciliação é impossível.

O bolsonaro-olavismo deplorou o “impeachment parlamentar” de Dilma Rousseff. Naquela hora, eles clamavam por uma “intervenção militar” definida não como golpe de Estado clássico mas como uma “marcha sobre Brasília” do povo e dos militares. Hoje, sonham transformar o governo Bolsonaro no ato inaugural de um Estado-movimento: um poder estatal não submetido ao limite das leis e consagrado à luta política permanente. Nessa ordem tresloucada de ideias, a barragem de artilharia virtual sobre o STF, a imprensa e os generais destina-se a preparar a “marcha sobre Brasília” —isto é, a ruptura do Estado de Direito.

Os populismos certamente são capazes de matar as democracias por dentro (Turquia, Hungria, Venezuela). No Brasil, porém, mais provável é que a “revolução” bolsonaro-olavista provoque a implosão do próprio governo Bolsonaro. Se os generais não querem aparecer como cúmplices do desastre, resta-lhes apelar à retirada tática.

Salamina foi uma simulação de retirada, que atraiu os barcos persas ao estreito da armadilha. Em Queroneia, uma breve ofensiva seguida por retirada da ala direita das forças macedônias abriu a cunha fatal entre as falanges gregas. Hastings tem algo de Queroneia, mas é difícil saber se a decisiva retirada temporária das forças normandas foi uma manobra planejada ou o resultado de um insucesso na ofensiva inicial. De qualquer modo, para os generais brasileiros, a solução não requer excessiva inventividade.

O governo Bolsonaro sustenta-se sobre o tripé formado pela equipe econômica, o superministério de Moro e a chamada “ala militar”. A remoção do terceiro pilar, pela entrega coletiva dos cargos, destruiria a estabilidade do edifício. A queda encerraria o levante dos extremistas, que confundem os ecos de seus tuítes com a voz do povo. Depois dela, ainda sobraria Mourão –e, portanto, a chance de construção de uma vereda política para o futuro.

Generais, mirem-se em Temístocles, o ateniense, Filipe 2º, o macedônio, e William, o normando. Retirem-se, antes que seja tarde.

Demétrio Magnoli
Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

Da FSP