Psicanalista afirma que mais armas agravam sensação de insegurança
O decreto que facilita o porte de armas no país poderá ter impactos em diferentes setores sociais, dizem especialistas ouvidos pela Folha —inclusive na saúde mental da população, que tende agora a conviver com uma maior presença de armas em situações rotineiras.
O argumento se soma a outros que alertam para o aumento de mortes violentas e de brigas no país, devido a políticas armamentistas do governo Jair Bolsonaro (PSL).
Para o professor em psicologia clínica da USP e psicanalista Christian Dunker, o armamento da população poderá piorar a sensação de insegurança. Ele cita estudos acadêmicos que apontam que aumentar o uso de dispositivos de segurança pode fazer crescer a sensação de insegurança, por mais paradoxal que pareça.
“Cada vez que você olha para uma arma ou lembra que ela está ali, você recebe a mensagem de que há perigo lá fora, há perigo nos outros. Isso pode ser um fator indutor de muitas psicopatologias: ansiedade, depressão, atos impulsivos. Uma série de afecções psicológicas poderia ser associada, ainda que secundariamente, à disponibilidade de armamentos”, afirma.
Dunker diz que as novas regras de armas no país são uma “bomba de amplo espectro” na saúde mental do brasileiro.
O psicanalista se preocupa ainda com a mensagem que as novas políticas públicas transmitem para a população, de maneira mais ampla.
“O que está sendo dito é que o melhor tratamento para a violência está no acesso aos meios de praticar violência. Essa é uma mensagem capilar e tem um efeito perturbador”, defende Dunker.
Para ele, essa compreensão da violência por parte da população pode legitimar o uso da força em diferentes tipos de relação. “Aumenta-se o conflito social, nas disputas entre homens e mulheres, pobres e ricos, brancos e negros”, defende.
O aumento de mortes violentas derivadas de brigas e conflitos domésticos também é um dos argumentos de especialistas em segurança pública que criticam a legislação mais branda para o acesso às armas.
Daniel Cerqueira, do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública observa que parte da população acredita que a violência é provocada apenas por “criminosos profissionais”, que atuam de maneira intencional para cometer roubos ou assassinatos.
Ele lembra que a CPI das Armas no Rio de Janeiro verificou que entre 20% a 25% das mortes têm motivação interpessoal: brigas de bar, entre vizinhos, no trânsito.
“A possibilidade de todos saírem de casa com armas é um perigo numa sociedade polarizada, com pessoas nervosas. Isso pode significar uma tragédia para o país.”
Guaracy Mingardi, especialista em segurança pública concorda com o argumento. “Uma das causas da queda de homicídio no estado de São Paulo anos 2000 foi a entrega daquelas armas que as pessoas tinham em casa.”
O professor da FGV Rafael Alcadipani lista ainda outros riscos com a maior disponibilidade de armas: acidentes domésticos envolvendo crianças, suicídios, violência contra a mulher. Segundo ele, o aumento do risco nessas áreas é comprovado em diferentes estudos internacionais.
Entre os apoiadores da política armamentista, Fabrício Rebelo, ex-diretor do Movimento Viva Brasil, diz que não é possível correlacionar o aumento da presença de armas com mais riscos de crimes.
Diferentes estudos no país apontam que grande parte das armas encontradas nas mãos de criminosos foram obtidas de maneira legal. Mas Rebelo argumenta que nenhum desses estudos pode ser conclusivo, uma vez que observam apenas as armas que puderem ter suas origens rastreadas pela numeração de série.
“Então, achar a correlação entre mais armas e mais violência é muito difícil”, defende.
Quem também apoia os decretos armamentistas é o coronel Jairo Paes de Lira, ex-comandante da PM de São Paulo, ex-deputado federal e presidente da Associação Brasileira Pela Legítima Defesa.
Paes de Lira rebate a argumentação sobre o risco de aumento de violência.
“São falácias que eles repetem há muito tempo, desde os primórdios do debate legislativo. Mas é um fenômeno contrário, um estudo demonstrou que, na sociedade armada, o número de crimes violentos diminui”, afirmou, sem dizer a qual estudo se referia.
Questionado sobre a vulnerabilidade das mulheres nesse caso, Paes de Lira diz que elas também deveriam ter acesso às armas. “Se levassem um tiro nos cornos, esses agressores ficariam mansinhos”, afirma o coronel.
Da FSP