Só metade das ambulâncias opera 24h por dia após reorganização do Samu em SP
Levantamento realizado por uma comissão de trabalhadores do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) revela que apenas metade das ambulâncias opera 24 horas por dia nas 60 bases visitadas para avaliar a situação do serviço após a reorganização realizada pela gestão do prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB).
Segundo o relatório obtido com exclusividade pela RBA, em 14 bases nenhuma ambulância opera 24 horas; em 11, pelo menos um veículo opera meio período; e em cinco locais duas viaturas não rodam o dia todo. A situação contraria portarias do Ministério da Saúde e o próprio Termo de Doação das ambulâncias, em que consta a obrigatoriedade do uso dos veículos no período de 24 horas ininterruptas.
Segundo o levantamento da comissão de trabalhadores, o principal motivo das ambulâncias não rodarem 24 horas é a falta de equipes. O problema já havia sido apontado quando a reorganização do Samu foi anunciada. Atualmente, o déficit de trabalhadores no serviço é de 1.650 profissionais. Antes, as bases contavam com uma equipe 24 horas e duas equipes que trabalham em turnos de 12 horas, uma de manhã e outra de noite.
Com a mudança, os pontos de assistência passam a contar com uma equipe 12 horas que inicia pela manhã e outra com o mesmo turno à noite. O documento será entregue ao Ministério Público Estadual, ao Ministério Público do Trabalho, ao Tribunal de Contas do Município, aos Conselhos Regionais de Enfermagem e de Medicina, à Corregedoria Geral do Município e à Comissão de Saúde da Câmara Municipal.
A atuação com as ambulâncias ainda encara outras dificuldades. Em 73% das novas bases não há estacionamento coberto para as ambulâncias, que ficam expostas ao tempo, aumentando a necessidade de manutenção. Metade das equipes das 60 bases visitadas fica em salas a mais de 300 metros de distância do veículo. E quase metade dos locais apresenta obstáculos para saída das unidades de socorro. Entre os problemas relatados estão o espaço reduzido para manobrar, intenso trânsito de pedestres, feiras livres e escolas na área de saída, portão trancado e chave de posse do vigia.
A justificativa da prefeitura para a reorganização do Samu, fechando 31 bases próprias do serviço, era ampliar de 55 para 78 os pontos de assistência do serviço. Porém, 26 dos novos locais só funcionam em dias úteis, durante o dia. São Unidades Básicas de Saúde (UBS), de Assistência Médica Ambulatorial (AMA) e Centros de Atenção Psicossocial (Caps) que funcionam das 7h às 19h. As demais são hospitais, prontos-socorros e unidades conjuntas com o Corpo de Bombeiros. Outra justificativa é que, estando em uma unidade de saúde, as equipes teriam mais agilidade em levar pacientes para atendimento.
Na prática, no entanto, isso não se concretizou. Quase dois terços dos novos pontos de assistência não recebem, ou só recebem em casos excepcionais, os pacientes encaminhados pelo Samu. Dos 78 novos pontos de apoio, apenas 28 ficam em hospitais, prontos-socorros ou Unidades de Pronto Atendimento (UPA). As outras 50 ficam nos chamados “pontos de interesse”, como bases do Corpo de Bombeiros, Unidades de Assistência Médica Ambulatorial (AMA), Unidades Básicas de Saúde, Centros de Assistência Psicosocial (Caps), entre outras, que não atendem urgências.
Além disso, a nova distribuição não refletiu em um menor tempo de resposta aos chamados. Isso porque algumas regiões concentraram muitas novas bases e outros locais ficaram com uma cobertura deficiente, seja por que as bases são muito distantes umas das outras ou porque o acesso a avenidas é distante, prejudicando o desempenho da equipe de socorro. Alguns locais ficaram sem qualquer ambulância, como o bairro de Marscilac, cuja unidade foi transferida para a Base Nova Parelheiros, no Parque Florestal, a quase 12 quilômetros de distância. A preocupação dos trabalhadores é que isso aumentou o tempo de resposta, ocasionando mais mortes.
Além disso, a reorganização do Samu foi feita sem nenhum embasamento técnico, de acordo com o relatório: 93% dos trabalhadores ouvidos pela comissão disseram não ter tido acesso a qualquer documento, estudo ou justificativa técnica. Os que receberam alguma explicação falaram em contenção de gastos, negociação política e na própria reorganização. A principal razão do fechamento das 31 bases é econômica. Elas são formadas por contêineres alugados, com toda estrutura para apoio dos socorristas, ao custo de aproximadamente R$ 20 mil por mês. Valor que a gestão Covas deixa de aplicar nas novas bases.
Essas unidades contavam com uma condição de trabalho adequada, espaço para alimentação, descanso e banho, conforme determina o convênio do Samu. No retorno de uma ocorrência é comum que a equipe precise se higienizar, por exemplo, após contato com sangue ou vômito. Agora, 90% das novas bases não têm locais para higienização das ambulâncias; 58% não contam com área adequada para desinfecção dos equipamentos médicos; e 28% não possuem banheiros com chuveiro para higiene dos trabalhadores.
A comissão de trabalhadores foi composta no final de abril, após reunião mediada pelo Ministério Público Estadual entre o Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep), trabalhadores do Samu e a prefeitura. Os trabalhadores haviam realizado várias paralisações do serviço e estavam iniciando uma greve por tempo indeterminado, reivindicando a revogação da portaria 190/2019, da Secretaria Municipal da Saúde, que estabelece a reorganização do Samu. As visitas às novas bases foram realizadas entre 30 de abril e 16 de maio.
A prefeitura de São Paulo não se manifestou sobre o relatório.
Da RBA