Alexandre Frota: “Quando falava da esquerda, era ‘o cara’. Agora, me dizem: ‘Está louco”

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Michel Jesus | Câmara dos Deputados

Aos 55 anos de idade e em seu primeiro mandato como deputado federal, Alexandre Frota (PSL-SP) conseguiu ao mesmo tempo agradar e irritar o presidente e correligionário Jair Bolsonaro. Em Brasília, é tido como um dos principais articuladores do Palácio Planalto e também um de seus críticos mais contumazes. Diz, por exemplo, que o escritor e ideólogo do bolsonarismo, Olavo de Carvalho, criou um Governo paralelo. Ou que o presidente não deveria ter demitido alguns de seus auxiliares, como o ex-ministro da Secretaria de Governo, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz. Na tribuna da Câmara e na comissão especial da reforma da Previdência, contudo, é da tropa de choque de Bolsonaro. Já fez 114 discursos em plenário, a maioria a favor do Governo, em algumas sessões usa o microfone até três vezes, algo incomum no parlamento brasileiro.

Vice-líder do PSL, Frota tem sido bem avaliado por figuras-chave na atual política brasileira, como o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, com quem se reúne semanalmente para debater as pautas do Legislativo. Frota chegou à política após se tornar um ativista político contra os Governos do PT. Antes, foi ator de filmes e novelas, comediante, ator pornô, jogador de futebol americano, apresentador e diretor de TV, além de participante de realities shows. Já foi processado por políticos de esquerda e um juiz. Foi condenado a pagar indenizações por danos morais e, vez ou outra, retrata-se quando se excede nas críticas contra opositores do Governo. Hoje é um dos que madruga na Câmara. Diz trabalhar 16 horas por dia e quer ser um parlamentar proativo. Com a voz grave, usando um tom imperativo, parece que está sempre dando ordens.

Pergunta. Você se localiza em qual parte do espectro político? Direita, centro-direita, extrema direita?

Resposta. Cheguei aqui como extrema direita. Hoje, sou moderado, de direita. Não uso esse termo centro ou Centrão. Eu era extremista. Muito rápido, vi que esse não era o caminho. A própria extrema direita cospe naqueles que sempre lutaram pela direita. É quase como um jogo de futebol. Você entra em campo, faz um gol e é aclamado. Sai na capa de jornal, na capa da revista. Você entra em campo, joga mal, não faz gol, sai vaiado, hostilizado na semana inteira, até jogar bem de novo.

P. Qual é o tamanho de seu descontentamento com o Governo Bolsonaro?

R. Eu acho que o Governo Bolsonaro tem ainda alguns meses para acertar o passo. Ele precisa ser mais coerente, menos influenciado por Olavo de Carvalho e seus alunos. O que me parece é que, no momento, isso não é possível. Agora, a vida é feita de escolhas. O Jair tem feito as escolhas dele e eu vou respeitar. Eu torço para ele acertar como presidente. Nós somos amigos. Agora, amigos, amigos, presidente à parte. Eu não vou falar para ele o que ele deve fazer. Ele mais do que ninguém, ficou 27 anos [foram 28, na verdade] dentro da Câmara, sabe como funciona. Hoje, o que tenho visto é o Rodrigo Maia no papel de articulador, de fiador, de entusiasta das ações do Governo, das pautas do Governo. Vejo no Rodrigo um esforço grande. Esse debate do Governo, a gente precisa trabalhar de uma maneira diferente, a gente precisa avançar com a nossa agenda, precisa libertar o Brasil desse passado sombrio. É difícil. Pegamos um país que estava um caos economicamente e socialmente, com 14 milhões de desempregados, 65 milhões de inadimplentes. Ou seja, essa conta não é nossa. O PT fala que governou para os pobres, mas a gente tem esses números aí. Se eles tivessem realmente governado para os pobres, não teríamos tanta desigualdade nesse momento. Acho que o Governo Bolsonaro tem tudo para acertar, basta ele pensar, ter calma e trabalhar de uma maneira diferenciada. Lembro bem que o discurso de Bolsonaro na campanha era: vamos governar para todos, sem viés ideológico.

P. Você cita esse lema do Bolsonaro: “vamos governar para todos, sem viés ideológico”. Acha que ele está fazendo esse governo para todos?

R. Não acho que esteja fazendo um governo sem viés ideológico em determinados temas. O fato de ter como ministro de Relações Exteriores o Ernesto Araújo, que pensa e trabalha ideologicamente em muitos temas, eu não gosto. Acho que o fato ter esse governo paralelo do Olavo de Carvalho, também é ideológico. Existem coisas que eu tenho divergência com o Governo, com a maneira como o Bolsonaro age. Mas ele é o presidente e ele faz suas escolhas. O Governo tem acertado e errado também, mas o Governo só teve cinco meses para reconstruir tudo o que foi destruído culturalmente, economicamente e socialmente nos anos de PT.

P. Você já disse em outras ocasiões que não precisava de intermediários para falar com o presidente Bolsonaro. Segue assim? Ele ainda o recebe ou o atende com frequência, mesmo após suas críticas?

R. Sim, ainda me recebe, me atende. Veio inclusive na homenagem que eu fiz ao [humorista] Carlos Alberto de Nóbrega, do SBT. Saiu do Palácio e veio aqui na Câmara, mas também ele não deixa de falar quando está se sentindo incomodado com alguma coisa que eu tenha falado, com alguma crítica que eu tenha feito. Não posso falar para ele só o que ele gosta, só o que ele quer ouvir. Tenho de falar para ele a real. Aí está a diferença, tem gente que não quer falar a real, tem medo, tem vergonha, não tem acesso. Agora, quem está aqui embaixo lutando pelas pautas dele, sou eu. Independentemente se ele está gostando ou não, sou eu. Sou eu quem está lutando e coordenando a nova Previdência, sou eu quem sobe para defender ele na tribuna quase todos os dias.

P. Por qual razão você acredita que Bolsonaro é tão influenciado pelo escritor Olavo de Carvalho?

R. Ele próprio já falou. À medida que ele leva o Olavo para almoçar, jantar com ele nos Estados Unidos, que ele manda dar uma medalha para o Olavo, mesmo com o Olavo esculachando e humilhando os militares que fazem parte do Governo. O Olavo humilhou, esculachou o vice-presidente [Hamilton Mourão], os ministros, os secretários. O próprio Olavo falou várias vezes que foi ele quem indicou o Vélez. Que o Bolsonaro o chamou para ser ministro da Cultura. Ninguém é bobo, isso está explícito. Existe esse governo paralelo, infelizmente. Agora, nós votamos no Bolsonaro, não votamos no Olavo de Carvalho. Isso é o que me incomoda.

P. Se você fosse o presidente, teria demitido o general Santos Cruz?

R. Se eu fosse presidente, o país estaria voando. E jamais iria demitir o general Santos Cruz, um dos homens mais íntegros, honestos, coesos que já conheci. Que não faz acordos, acordinhos, que bateu o pé contra o sistema que se estabeleceu dentro do Governo com relação ao Olavo de Carvalho e toda aquela curriola [bando]. Jamais iria demitir o general Santos Cruz porque ele gera resultado, confiança e credibilidade. O Governo perdeu muito com a saída do Santos Cruz, infelizmente. Agora, chega o general Ramos. Ele é meu amigo, sei do potencial dele e espero que ele consiga andar.

P. O deputado Rodrigo Maia disse que a demissão do Joaquim Levy da presidência do BNDES foi uma covardia. Você concorda com essa avaliação?

R. Concordo que não deveria ter sido da maneira como foi feita. Se foi covardia ou não, isso cabe ao Bolsonaro decidir. Ele é o presidente e tem o direito de demitir quem ele quer. No Governo Bolsonaro existe uma situação. Vamos tirar como exemplo o Santos Cruz e o Levy. Primeiro vem o Olavo de Carvalho e humilha, destrói aquele profissional. Na sequência, isso depois de muitos dias nas redes sociais batendo, parece que é uma tática, uma estratégia, vem os alunos amestrados do Olavo, que continuam o massacre naquele cidadão. Na sequência, o Jair fala alguma coisa tipo: “Ah, o nosso casamento está acabando, nem tudo dura para sempre”. Ele faz sempre uma brincadeira. E, na sequência, vem a demissão. A pessoa sai detonada emocionalmente, politicamente. Foi assim com o Vélez, foi assim com o Bebianno, foi assim com o Levy e com o Santos Cruz. Quem será o próximo? Eu espero que não tenha próximo.

P. Você cita estratégia das redes que resultaram em demissões (Levy, Bebianno, Santos Cruz e Vélez). Acha que o Governo tem se tornado uma máquina de moer reputações?

R. Acho que existe uma máquina de moer reputações e que o Governo, em determinado momento, usou isso. Vi no caso do Levy, vi no caso do Bebianno, vi no caso do Santos Cruz e do Vélez. Apesar que o Vélez tenha sido uma escolha do Olavo de Carvalho, ele saiu pela porta dos fundos, né? Acho covardes os ataques. São lutadores virtuais que não têm a coragem de meter a cara ao vivo e a cores, que se passam por outras pessoas e fazem esse apedrejamento virtual, covarde, nojento, que nesse Governo, nesse momento, faz parte dessa caminhada. Particularmente, não gosto, mas não tenho medo.

P. Paulo Guedes diz que as mudanças em sua reforma da Previdência foram lobby dos servidores. Como o você avalia essas mudanças? Acha que o projeto apresentado pelo relator Samuel Moreira será aprovado?

“Se eu fosse presidente, o país estaria voando”

R. O Paulo Guedes entregou um texto para 1,2 trilhão de reais. A reforma foi muito desidratada. Por outro lado, acompanhei todas as sessões como coordenador e sei do trabalho que o Samuel Moreira e o presidente da comissão, Marcelo Ramos, fizeram. Acho que a gente vai conversar, tentar avançar, passar desses 913 bilhões [propostos por Moreira], mas o trabalho da comissão foi muito bem feito. O relatório também. Se teve lobby ou não, isso já existe na política. O Paulo Guedes precisa estar preparado para isso. Ainda que tenha sido um remendo bem feito na velha Previdência, acho que foi um remendo forte. Já foi um avanço grande, mas acho que poderia melhorar um pouquinho mais. Vamos brigar para isso. O PSL tem três destaques para fazer. Conversei com o Delegado Waldir, o líder do PSL, e vamos entregar esses três destaques para a equipe econômica do Paulo Guedes. Vamos tentar colocá-los dentro do texto. Mas acho que caminhou bem, ainda mais porque não houve uma articulação forte por parte do Governo. Nós tivemos de trabalhar bastante isso lá dentro da comissão. Aí, entrou o Rodrigo Maia no caminho e a gente andou bem.

P. É comum ouvir parlamentares dizendo que, se não fosse a Câmara, a reforma da Previdência não andaria. Concorda com essa avaliação?

R. Concordo. E vou além. Acho que o Brasil anda por causa da Câmara. Então, as pessoas precisam ter mais paciência com os deputados, precisam ter certeza de que a gente está fazendo um trabalho por inteiro. Ninguém está aqui brincando. A reforma da Previdência se deve muito ao trabalho que fizemos dentro da comissão. Não acho que, como a esquerda tem dito por aí, que foram eles que conseguiram isso ou aquilo. Esse é o discurso de sempre. As coisas que saíram da reforma saíram porque tinham de sair, porque foram conversadas com o Governo, com a gente e com a Câmara. A esquerda teve sua participação, sim. Não podemos negar isso. A Câmara foi essencial nessa fase.

P. Por que o Governo falha tanto em sua articulação com o Legislativo?

R. O porquê é muito difícil responder. São vários fatores. Acho que desde a época da transição, o Governo deveria ter se aproximado com mais rapidez dos deputados. Por duas décadas o PT construiu sua reputação política baseada em mentiras, em enganações, em corrupção na administração pública. A gente encontrou todas essas dificuldades pelo caminho. Aí, os articuladores do Governo talvez ainda não tenham encontrado o ritmo certo. Realmente, a Câmara, aqui, vive um ritmo muito louco. Estou esperançoso ainda que a gente possa, nos próximos meses, encontrar um ritmo.

P. Quem você acha que é o “pavão” (perfil de Twitter que alegava ter provas contra os inimigos de Bolsonaro) que invadiu as redes no fim de semana retrasado?

R. Sei exatamente quem é esse pavão. Aliás, é pavão, mas não vou falar o nome. Não nesse momento. Seria construir algo que nesse momento não seria bom. Esse pavão, vou te falar, hem?

P. Qual a sua opinião sobre os vazamentos envolvendo o ministro Sérgio Moro? Acha que, pelo revelado até o momento, ele agiu de maneira correta? Você ainda o apoia ou acha que ele deveria deixar o Governo?

R. Eu apoio o Sergio Moro. Acho que esse vazamento foi um negócio sério, precisa realmente ser apurado. Ele está passando por uma coisa que, lá atrás, apesar de ser um pouco diferente, quando ele liberou a gravação do Lula e da Dilma na história do Messias, que deu toda aquela confusão. Agora, ele tem que se defender disso. A invasão do hacker é criminosa, mas estamos cientes de que isso pode acontecer. Quem sou eu para julgar alguma coisa com relação a isso? Espero que seja costurado da melhor maneira possível. A gente está vivendo um momento difícil na política, temos cinco meses de Governo. E em cinco meses é óbvio que você não vai conseguir reconstruir tudo o que foi destruído nos últimos anos. Por eu ser um cara muito autêntico, sincero, quando eu falo as coisas, algumas pessoas se magoam. Mas eu falo a real. O engraçado é que na campanha, quando eu falava sobre a esquerda, eu era “o cara”. “Você fala tudo o que a gente, quer ouvir. Parabéns”. Agora, eu falo a real e muitas vezes respinga na direita, dizem: “Não pode ser assim, você está louco, não foi para isso que a gente te elegeu”. A verdade não serve só para um, a verdade tem de ser para todo mundo.

P. Quando diz que o vazamento tem de ser apurado, se refere a que, exatamente? Ao conteúdo do que foi tratado entre o Moro e o procurador Deltan Dallagnol ou à invasão do hacker?

“Não tenho interesse nenhum no Carlos Bolsonaro”

R. Ué, sobre quem vazou. De onde vazou? Como isso foi feito? Isso tem de ser apurado. Me refiro à invasão do hacker, principalmente. O tema entre o Moro e Deltan achei complicado, mas já ouvi de diversos advogados e juízes que é normal existir troca de mensagens entre juízes, procuradores, desembargadores, etc. Eu, particularmente, acho que é um tema delicado e que precisa ser discutido, independentemente de quem seja. Defendo o Sérgio Moro. Eu acredito e continuo acreditando nele e no Deltan.

P. Você acha que em alguns momentos seus apoiadores se comportam como o PT da direita?

R. Não tem PT da direita. PT é da esquerda para o resto da vida. Muitas vezes não são os meus apoiadores, mas os apoiadores do Olavo de Carvalho, que se acham no direito de entenderem e saberem de tudo e opinarem sobre tudo. Ainda que não estejam vivendo aqui dentro diretamente. Muitas vezes, o apedrejamento virtual, o massacre virtual para aqueles que não estão “encascorado”, com a casca dura, como eu, fazem as pessoas se sentirem ameaçadas. Eu, como bato de frente, sei que chumbo trocado não dói.

P. Há muitas pessoas que criticam a influência que os filhos do presidente têm sobre ele. Acredita que essas interferências deveriam ser freadas? Na sua opinião, qual dos três filhos mais influencia o Jair Bolsonaro e por quê?

R. A influência que os filhos têm sobre o presidente é um problema do presidente e dos filhos dele. Eu consegui me separar dessa situação porque envolve a família e é entre eles. Eu, se fosse presidente, meus filhos não iriam interferir de forma alguma no meu mandato. Quem tem de frear essas interferências é o pai. Isso é ele [Bolsonaro] quem sabe, ele quem faz as escolhas. Se ele acha que está legal assim, ele leva assim. Ele já foi avisado de todas as formas, por diversas pessoas, sobre essa situação. Não sei quem mais influencia o presidente porque eu não moro com eles, né? E eu me relaciono apenas com o Eduardo. Me relaciono muito pouco com o Flávio e não tenho interesse nenhum no Carlos Bolsonaro. Aliás, além do Carlos Bolsonaro ser bloqueado nas minhas redes sociais, eu não assisto nada dele, não leio nada dele e também ele não me atrapalha em nada, não interfere em nada no meu processo aqui dentro. E eu não dependo do Carlos Bolsonaro para nada, mas respeito ele. Encontrei com ele três vezes em minha vida, cumprimentei, ele me cumprimentou e cada um foi pro seu lado. Está tudo certo.

P. Vi que nas redes sociais você tem feito vários elogios ao Governo João Doria. O vê como um potencial candidato à presidência? Você é aliado dele?

R. Eu adoro o João Doria. Além de ser meu amigo, eu gosto da maneira como ele trabalha. Tem se empenhado, trabalhado muito em pró do Estado, construiu uma equipe técnica de qualidade e tem feito uma gestão proativa. É um cara que tem se desdobrado. Gosto muito do trabalho dele. Vejo também o Doria como um potencial candidato à presidência. Sou mais do que aliado dele, sou muito amigo. Inclusive o ajudei muito na reta final da campanha dele. Tanto que ele reconheceu a minha ajuda na virada final contra o Márcio França (PSB), que teve o apoio expressivo, pontual da Joice Hasselmann e a minha.

P. Por que há tanta crise no diretório estadual do PSL em São Paulo? Tem interesse em presidi-lo?

R. Não tenho interesse nenhum em presidir o diretório estadual. Ele está entregue ao Eduardo Bolsonaro. Eu quero que a Joice Hasselmann [deputada federal] seja presidente do diretório municipal de São Paulo. As crises existem porque há divergências de ambas as partes. No momento, eu, o Eduardo, o presidente nacional do PSL [Luciano] Bivar, o [deputado] Abou Anni e estamos decidindo outras coisas de interesse do PSL. Esse tema e essa pauta deixamos de lado, no momento. Eu espero que o Eduardo faça um bom trabalho, uma vez que ele tanto quis o diretório.

Do El País