
Atos de Moro na Lava Jato têm que ser anulados imediatamente
Leia o artigo de João Chaves, advogado e colaborador do Blog da Cidadania
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Há grande controvérsia sobre a origem do material divulgado pelo Intercept Brasil no último domingo (09/06), ainda que o ministro Sergio Moro e os procuradores citados pela reportagem tenham confirmado a veracidade do conteúdo.
A reportagem revelou evidências de que Moro aconselhou membros do Ministério Público e antecipou o conteúdo de decisões, aparentemente motivado por preferências político-partidárias, o que é proibido pela lei orgânica da magistratura e pelo Código de Processo Penal.
Alguns ministros do Supremo Tribunal Federal já defendem, internamente, a suspeição de Moro. O artigo 101 do Código de Processo Penal determina que sejam anulados os atos processuais praticados por juiz suspeito, sendo ele responsável pelo pagamento das custas processuais.
Se levadas adiante as denúncias, Moro, Dallagnol e demais envolvidos podem responder, entre outros crimes, por advocacia administrativa, prevaricação, fraude processual, associação criminosa, além de possíveis sanções na área administrativa, com demissão a bem do serviço público.
É certo, contudo, que a operação lava jato alterou o paradigma do processo penal brasileiro, banalizando institutos de prisão preventiva, condução coercitiva, relativizando a presunção de inocência, entre outras ilegalidades que se tornaram corriqueiras Brasil afora.
Ainda que a aliança entre a operação lava-jato e o bolsonarismo tenha sido formalizada somente com a nomeação de Moro ao Ministério da Justiça, os diálogos revelados mostram que o ex-juiz e Procuradores usaram a operação lava-jato politicamente para eleger Jair Bolsonaro presidente, motivados, aparentemente, por forte sentimento antipetista.
Ao longo da investigação, o ex-juiz foi acusado de atuar com parcialidade em diversas ocasiões e indícios de ilegalidades na condução dos processos se avolumaram ao longo dos anos. Eram comuns fotos ao lado de adversários políticos de algumas das figuras investigadas, frases de efeito no corpo das decisões para ganhar as manchetes de jornais, atos juridicamente insustentáveis. Todas essas condutas, ainda que discutíveis do ponto de vista ético, poderiam ser atribuídas ao deslumbramento decorrente da grande exposição midiática e do noticiário francamente favorável a quase todas as arbitrariedades cometidas. Os principais meios de comunicação consideravam escusáveis alguns deslizes éticos em nome de um pretenso combate à corrupção.
Entretanto, em determinados momentos, Moro já havia demonstrado excessivo zelo a processos sob sua responsabilidade, como ocorreu quando despachou durante as suas férias para confrontar ordem de soltura dada pelo desembargador Rogério Favretto ao ex-presidente Lula. Ficou evidente que o então magistrado parecia demasiadamente comprometido com os efeitos da ordem de soltura, ainda que ela estivesse fora de sua alçada naquele momento. Um juiz não deve nutrir sentimentos positivos ou negativos em relação a determinado réu ou atuar para que determinada decisão seja mantida ou alterada pelas instâncias superiores.
O procurador Deltan Dallagnol, por sua vez, afirmou que realizaria jejum quando o Supremo Tribunal Federal julgou o Habeas Corpus do ex-presidente Lula. Não há notícia de que tenha feito jejum quando foram julgados pedidos de soltura de outros réus.
Após a divulgação das conversas, Carlos Bolsonaro se apressou em defender a investigação e classificou as críticas às ilegalidades cometidas pelo então juiz e investigadores como um “ataque ao governo”, ainda que o discurso oficial seja de que a operação é apartidária.
Em democracias sólidas, agentes públicos não podem se valer de suas funções para perseguir ou proteger a quem quer que seja. Os diálogos expostos mostram a cooperação criminosa entre juiz e procuradores, lançando dúvidas sobre a solidez das evidências que levaram à condenação de dezenas de representantes e ex-representantes dos setores público e privado.
Nos Estados Unidos, país constantemente citado por Moro como referência no combate à impunidade, a atuação ilegal de agentes públicos para condenar ou proteger acusados em processos criminais é considerada grave, podendo gerar a nulidade de todas as evidências. Um caso emblemático é a absolvição do ex-jogador de futebol americano O. J. Simpson, após a comprovação de que o policial Mark Fuhrmam adulterou provadas coletadas na cena do crime. A partir de então, já não havia mais segurança sobre a solidez de quaisquer das evidências existentes contra o acusado.
O mesmo se aplica, indistintamente, a todos os réus que possam ter sido prejudicados pela armação protagonizada por Moro, Dallagnol e outros procuradores. O papel do juiz é limitado por lei, sendo ilegais as sugestões de novas operações e procedimentos.
Dito isso, devem ser auditadas e anuladas as decisões proferidas por Moro nos processos da Operação Lava-Jato em que houver ilegalidade, para que os réus tenham nova oportunidade de se defender, desta vez diante de juiz idôneo e imparcial.