Bolsonaro comete equívoco ao mencionar a religião para escolha no STF
O presidente Jair Bolsonaro defendeu nesta sexta a presença de um ministro evangélico no STF, após criticar a possibilidade de a homofobia ser enquadrada como crime de racismo. “O Supremo Tribunal Federal agora está discutindo se homofobia pode ser tipificada como racismo. Desculpem, ministros do Supremo Tribunal Federal, a quem eu respeito, e jamais atacaria um outro Poder, mas, ao que parece, estão legislando”, criticou o presidente, durante a Convenção Nacional das Assembleias de Deus Madureira, em Goiânia. Bolsonaro questionou: “O Estado é laico, mas eu sou cristão. Como todo respeito ao Supremo Tribunal Federal, existe algum, entre os 11 ministros, evangélico, cristão assumido? Não me venha a imprensa dizer que quero misturar Justiça com religião. Será que não está na hora de termos um ministro do Supremo Tribunal Federal evangélico?”.
Para o coordenador do Centro de Justiça e Sociedade da Fundação Getulio Vargas (FGV), Michael Mohallem, o presidente comete um equívoco ao mencionar a religião como um critério de escolha para uma cadeira no STF. “A religião deve ser ultra respeitada e garantida na esfera privada, não na esfera pública”, disse Mohallem à Época.
Repito a pergunta do presidente Bolsonaro: está na hora de termos um ministro evangélico no STF?
Este não é um dado que deve ser levado em consideração na escolha do ministro do STF. Não importa se o ministro é gay ou hétero, judeu ou cristão. Não é algo que deva influenciar nesse tipo de decisão. É claro que a vivência de cada pessoa influencia na percepção de cada um. Não há dúvidas sobre esse tipo de influência. Mas são características que fazem parte da esfera privada. Não podem se transformar em um critério de escolha.
O que diz a Constituição?
A constituição garante liberdade religiosa, mas também exige um Estado laico. A religião de um chefe do Poder Executivo não pode interferir em suas decisões. Esta interferência hoje é muito clara no Poder Legislativo, onde existe a bancada de deputados evangélicos. O elemento religioso na política partidária é algo que se tornou comum nos últimos dez anos. E claro que isso traz problemas ao Congresso. O que passa a prevalecer não é apenas a proposta de política pública, mas o interesse de cada religião. Isso é um empobrecimento do debate público. É uma simplificação ruim tanto no Congresso quanto no Supremo. E resulta num problema de ordem constitucional que é perder laicidade do Estado. A religião deve ser ultrarrespeitada e garantida na esfera privada, não na esfera pública.
Quais são os aspectos que devem prevalecer?
A Constituição exige dois requisitos básicos para um ministro do STF: notório saber jurídico e reputação ilibada. Cabe ressaltar que notório saber jurídico não pode ser classificado apenas pela titulação acadêmica. Outras características podem chancelar esse conhecimento exigido, como o caso de um juiz com um histórico de atuação exemplar ou um advogado com um histórico exemplar de atuação. O que se busca é justamente preservar a independência do Supremo.
Mas não existe influência de critérios políticos neste tipo de escolha?
Se o objetivo é buscar uma posição mais conservadora no STF, não será o viés religioso que vai definir isso. Nos Estados Unidos, a discussão sobre perfis conservadores ou progressistas para a Suprema Corte ocorre com frequência. É compreensível haver uma discussão em torno desse tipo de característica. Ninguém espera que Bolsonaro vá nomear um ministro progressista. Mas mencionar o aspecto religioso é um elemento novo nessa discussão. Ao mencionar a necessidade de haver um ministro evangélico, o presidente sinaliza que alguns temas são tratados de forma equivocada pelo STF. E, se o presidente entende que um ministro evangélico poderia ser mais leniente no julgamento de certos temas, essa seria uma visão equivocada. O que se busca na escolha de um ministro do STF é justamente preservar a independência do Supremo.
Da Época