Em meio a projeto de Janaína Paschoal, SP marca recorde histórico de mortalidade materna

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O estado de São Paulo, o mais rico da federação, registrou em 2017 recorde histórico nas taxas de mortalidade materna, revela levantamento inédito do Ministério da Saúde obtido pela Folha.

Foram 60,6 mortes por 100 mil, o maior índice já verificado no estado desde o início da série histórica do ministério, em 1996. Os números de 2018 não estão consolidados.

O Rio de Janeiro viveu situação parecida, em patamares ainda mais maiores: 84,7 mortes por 100 mil. “A razão [taxa] de morte materna no Rio é maior do que a de vários estados no Nordeste. São Paulo teve aumento de 50% desde 2000”, diz a médica Fátima Marinho, professora do Instituto de Estudos Avançados da USP e que até 2018 coordenou o SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade).

Entre os estados com o pior desempenho, o Pará lidera com 107,4 mortes por 100 mil. Já o Paraná apresentou a menor taxa do país, com 31,7 mortes por 100 mil.

O Brasil não cumpriu compromisso internacional para reduzir em 75% as mortes maternas e segue numa tendência de estabilização, mas em níveis altos, com 64,5 mortes por 100 mil —a meta era ter chegado a 35 em 2015.

“No estado de São Paulo, a situação pode ser considerada até mais grave do que a do Brasil porque, após atingir a razão de morte materna de 35, em média, entre 2003 e 2005, os índices têm subido a cada ano”, afirma a ginecologista Rossana Francisco, presidente da Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo).

Em 2003, São Paulo apresentou uma taxa de mortes maternas de 34,2 mortes por 100 mil, a segunda menor de oito estados do país que dispunham de dados na época. Em 2017, caiu para a 15ª colocação no ranking nacional.

Para Marisa Ferreira da Silva Lima, coordenadora da saúde da mulher da Secretaria de Estado da Saúde, o aumento está ligado à melhoria na notificação das mortes. Ela diz que a taxa em 2018 já teve queda e deve ficar em torno de 41,5 mortes por 100 mil, mas ainda não está consolidada.

Desde 2015, a hemorragia passou a representar a principal causa de morte materna direta no estado de São Paulo. No país, a hipertensão segue na liderança.

Segundo Lima, o estado e o Ministério Público têm investigado essas mortes e muitas delas estão relacionados a falhas do médico em detectar e tratar corretamente as complicações obstétricas. As regiões da Baixada Santista e do Vale do Ribeira estão entre aquelas que apresentam maior número de mortes.

“Quando detectado o problema, o manejo é equivocado. Há muitos profissionais, especialmente em cidades e maternidades menores do interior, com dificuldade em mudar processos de trabalho.”

Ela diz que, em parceria com a Sogesp, o estado tem oferecido capacitação para essas situações de emergência.

Ao mesmo tempo, segundo Lima, há um esforço da secretaria em “qualificar” a entrada dessas gestantes nas maternidades públicas que não são geridas pelo estado—quase 90% delas têm gestão municipal. Qualificar significa, por exemplo, fazer com a instituição permita que a mulher tenha acompanhante 24 horas ou saiba identificar precocemente as gestantes de risco.

Rossana Francisco, da Sogesp, chama atenção para um outro fato. Entre 2000 e 2015, houve um aumento nas taxas globais de cesarianas no estado, de 49% para 59%. No mesmo período, o índice de mortes maternas por hemorragia subiu de 11% para 16%.

“Um dos riscos do aumento das cesáreas é a maior ocorrência de placenta prévia e de acretismo placentário [quando a placenta invade a parede do útero] que podem causar hemorragias e morte materna”, explica Francisco.

O estado vive uma polêmica por conta de um projeto de lei da deputada Janaina Paschoal (PSL) que garante à gestante a opção pela cesárea no SUS, na hora do parto e sem indicação clínica. A votação em plenário será em agosto.

A morte materna é considerada um indicador extremamente sensível da qualidade da atenção à saúde, refletindo o cuidado que se tem com a assistência à mulher no pré-natal, no parto e no pós parto.

“Se ela não faz o pré-natal, há um risco maior de morrer. Mulheres que vivem nas ruas, meninas que engravidam na adolescência e escondem ao máximo a gestação estão entre os grupos mais vulneráveis. A qualidade desse pré-natal também é muito importante”, diz Fátima Marinho.

Para a médica Karina Calife, professora da faculdade de ciências médicas da Santa Casa (SP), a redução de leitos em maternidades é um fator que pode trazer impacto nas taxas de mortes maternas.

Levantamento do CFM (Conselho Federal de Medicina) mostra que, entre 2010 e 2018, o país perdeu 6.715 leitos obstétricos no SUS. Em São Paulo, no mesmo período, foram 726 leitos a menos.

“Perdemos leitos obstétricos qualificados [por exemplo, com espaço e equipes para um parto humanizado]. Muitos foram destinados a outras áreas, como atendimento a vítimas de trauma e infarto”, diz Calife.

Do ponto de vista de gestão, há uma justificativa técnica. Em uma década, o estado apresentou uma redução de 100 mil partos (de 470 mil anuais para 370 mil) por conta da queda da fecundidade.

“No município de São Paulo, esse não é fator determinante porque, em geral, a gestante já sabe em qual maternidade terá o seu bebê durante o pré-natal”, afirma Calife.

Marisa Lima, da Secretaria de Estado da Saúde, diz que assim que ocorre o fechamento de uma maternidade, a gestante é imediatamente vinculada a uma outra instituição. “Lugar para ter o bebê tem.”

O professor da Unicamp Rodolfo Pacagnella, que preside a comissão de mortalidade materna da Febrasgo (federação da sociedades de ginecologia e obstetrícia), diz que nem sempre a gestante de alto risco consegue chegar no tempo certo e na instituição adequada para atender o nível de complexidade que a situação exige.

Um exemplo é precisar de um leito de UTI ou de bolsas de sangue para uma transfusão em caso de hemorragia.

“Há uma falha no papel do estado na organização das redes obstétricas”, diz ele.

Da FSP