Internação compulsória de Bolsonaro vai na contramão do mundo
As formas de abordagem de quem faz uso problemático de drogas, fora da esfera criminal ou que usem mecanismos de coerção, como as internações sem o consentimento do usuário, estão sendo substituídas em diversos países por intervenções em saúde amparadas pela ciência e pela garantia de direitos.
Tais intervenções devem prezar pelo cuidado e pela não estigmatização de quem usa drogas. Além disso, a circulação destas substâncias deve ser regulada pelo Estado, diminuindo o poder das organizações criminosas e de toda a sua cadeia de interferências, se beneficiando dos tributos oriundos deste comércio e investindo tal arrecadação em ações de tratamento e prevenção.
Na história da humanidade, sempre se fez uso de drogas como meio para alterar a consciência e por diferentes razões, sejam elas místicas religiosas, terapêuticas ou como forma de socialização, e a minoria dessas pessoas desenvolve a dependência química em decorrência do uso; ou seja, a maioria usa drogas sem nenhum ou com poucos problemas.
A efetividade do tratamento do uso problemático de drogas depende quase que exclusivamente do desejo, da motivação e do empenho do usuário em querer interromper ou diminuir o uso. Cabe aos profissionais de saúde auxiliá-lo a identificar suas dificuldades e a planejar mudanças, sempre em concordância com suas expectativas e possibilidades.
Este processo, notadamente construído a partir de uma relação terapêutica de confiança e comprometimento de ambas as partes —usuário e profissional—, é conflitante em sua totalidade com medidas que recrudescem o autoritarismo e uma espécie de “polícia sanitária”, que caracterizaram a triste história da saúde mental no Brasil, marcada por ações higienistas a partir de internações de longa permanência, por vezes involuntárias, onde a violação de direitos e a tortura eram práticas recorrentes.
Além disso, tais medidas se tornam um desincentivo aos usuários a procurarem o tratamento, pelo receio de não terem suas vontades respeitadas.
É sabido que os serviços de tratamento no âmbito do SUS alternativos à internação, como são os Caps AD (Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas), ainda são insuficientes e requerem investimentos para sua ampliação e manutenção.
Os desafios relacionados ao cuidado das pessoas que usam drogas no Brasil são tangíveis e conhecidos e, como tal, necessitam do compromisso concreto de gestores públicos para o desenvolvimento de uma política com foco na saúde e na assistência social. Uma verdadeira reforma na política de drogas requer coragem política e liderança —e deve superar a concepção das drogas como um “inimigo social” e sua abordagem passional e pouco pragmática.