Moro, chefe da PF, não pode comandar investigações sobre conversas vazadas
As conversas entre o ex-juiz e atual ministro Sergio Moro, com o procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol, divulgadas pelo site The Intercept Brasil, exigem a abertura de processos para investigar um possível conduta ilegal e antiética dessas autoridades e uma suposta “invasão” aos seus celulares. Entre as frentes que atuam na apuração desses fatos está a Polícia Federal. Subordinadas ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, chefiado por Moro, as investigação pode, no entanto, estar comprometida, de acordo com avaliação do sociólogo Sérgio Amadeu, que vê o risco de parcialidade enquanto Moro estiver no controle da pasta à qual a PF responde.
“Eu não confio em uma investigação que seja comandada pelo seu investigado. Moro é chefe da Polícia Federal e, enquanto ele não se afastar, não dá para confiar em nada que é dito nessa área”, afirma Sérgio Amadeu, professor associado da Universidade Federal do ABC (UFABC) e pesquisador de redes sociais. Ele conversou com a jornalista Marilu Cabañas da Rádio Brasil Atual.
As suspeitas quanto a apuração da PF já haviam sido levantadas em audiência no Senado nesta quarta-feira (19), onde Moro chegou a dizer se que afastaria em caso de irregularidade. Mas, em mais uma denúncia divulgada pelo jornalista Reinaldo Azevedo nesta quinta (20), a atuação do ex-juiz no processo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reforça os indícios de conluio com a acusação, que vêm sendo minimizados pela base governista por ter conseguindo prender Lula posto como “inimigo” pelo governo de Jair Bolsonaro.
“Se fosse o Marcola do PCC, ninguém ia aceitar que ele comandasse investigação sobre ele próprio”, compara Amadeu sobre uma das lideranças mais conhecidas da facção criminosa paulista. “Mas como o Moro é o queridinho, é quem perseguiu, forjou provas e atacou a pessoa que eles odeiam, eles dizem que então vale tudo. Não vale tudo”, contesta o sociólogo. “É séria a situação. Nós estamos em um Fla-Flu, mas, na verdade, o que está sendo corroído é a democracia, o Estado de direito.”
Diante desses riscos de obstrução da Justiça nas investigações contra Moro, o Sérgio Amadeu ressalta a importância da instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) pelos parlamentares e a abertura de processo legal contra a operação Lava Jato, e chega a defender a apreensão do passaporte do ministro, dada a sua proximidade com órgãos norte-americanos. “Ele tem muito poder e ele pode pressionar a PF que está subordinada a ele. E, como ministro de primeira ordem no Brasil, pode articular autoridades nos Estados Unidos, e nós sabemos que quem está no governo dos Estados Unidos também não é muito afeito à defesa da lei”, destaca.
A hipótese do hacker
A preocupação de Sérgio Amadeu quanto a ligação de Moro com o governo estadunidense leva em conta a pressão que o país pode exercer sobre as nações que hospedam servidores do serviço de mensagem Telegram, aplicativo usado para conversas entre o ministro e o procurador. Isso porque, no caso do Telegram ainda ter esses arquivos, se revelados, eles poderão desmontar toda a defesa de que os diálogos foram adulterados por um suposto hacker que teria invadido o serviço de mensagens, de acordo com o professor.
Para ele, a própria possibilidade de hackeamento é questionável. A hipótese, ainda que exista, teria sido criada principalmente para criminalizar o site jornalístico que fez a divulgação. “Pelo volume, a diversidade dos materiais coletados, com arquivos de som, me parece que não foi um hacker, um lobo solitário, mas um trabalho de equipe”, analisa. O Telegram também já confirmou que não existe a possibilidade de invasão. “Tudo isso pode ter acontecimento, mas o fato é o seguinte, o Glenn e o The Intercept Brasil fizeram o jornalismo profissional, de resguardar as fontes. Tudo isso que estou falando é especulação, o importante é que o material é verdadeiro”, afirma.