O que de fato decidiu o STF sobre a LGBTfobia

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Proporcionar a um empregado gay tratamento diferenciado no ambiente de trabalho. Impedir a inscrição de aluna transexual em universidade pública ou privada. Recusar atendimento em um restaurante ou bar a um grupo de lésbicas. Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel para um casal gay que queiram uma única cama de casal no quarto. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito contra LGBTs por intermédio de redes sociais ou outra publicação de qualquer natureza.

A partir desta quinta (13), todas estas condutas passam a ser tipificadas como LGBTfobia, decidiu o STF por maioria. São, portanto, crime —tal qual o racismo é por meio da Lei 7716. Caso a nova lei seja aprovada pelo Legislativo, esta lei passará a valer, mas pode ser questionada se conferir a LGBTs proteção menor do que hoje a lei confere contra racismo.

Mortes de LGBTs também não serão mais invisíveis perante o sistema de justiça.

STF determinou que delegacias em todo o Brasil qualifiquem discriminação LGBTfóbica como motivo torpe em crimes de homicídio onde haja a intenção de matar (doloso). Ou seja, a partir de agora, mortes de LGBTs em razão de sua orientação sexual e identidade de gênero passam a ser vistas pela lei como homicídios qualificados. Num país com altos índices de mortes de LGBTs, passaremos a ter estatísticas confiáveis para prevenir que mais mortes ocorram.

Em respeito à liberdade religiosa, a decisão do STF avançou ainda mais ao deixar cristalino que “a repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa”. Proíbe-se, no entanto, discurso de ódio, definido pela Corte como manifestações “que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero”.

Ganha o pastor que não pregue o ódio e a violência. Ganha a pessoa LGBT, religiosa ou não.

Direitos LGBTs e liberdade religiosa, muitas vezes, são colocados em lados opostos, como se conflitantes fossem. Por vezes, este conflito é apenas aparente. Muitos LGBTs são religiosos. Dados da organização da sociedade civil Vote LGBT, tomados a partir de 2016, mostram que: “ao contrário do que estabelece o senso comum, que opõe cristãos a LGBTs, 40,2% dos participantes das paradas de SP e 47,5% em BH declararam possuir alguma religião cristã (entre católicos, evangélicos e kardecistas).”

Decisões judiciais e leis em prol de direitos LGBTs em geral refletem mudanças mais profundas na opinião pública.

De acordo com pesquisa Datafolha na Marcha para Jesus de São Paulo em 2018, “58,87% se dizem a favor do casamento entre pessoas do mesmo gênero”. Nos EUA, pesquisa lançada do Pew Research Center revelou mudança drástica com relação ao apoio ao casamento homoafetivo: em 2004, 60% dos americanos eram contra, hoje 61% deles são a favor.

Só nesta semana, Botsuana descriminalizou sexo consensual entre pessoas do mesmo sexo. A pena era de até sete anos de prisão. O Equador se juntou a outros países na América Latina como Brasil, Colômbia, Argentina e Uruguai no reconhecimento, por decisão da corte suprema do país, do casamento homoafetivo.

Não há que se trivializar no entanto o debate jurídico sobre LGBTfobia. O julgamento no STF também expôs visões diferentes sobre qual o limite de atuação do STF. O ministro Marco Aurélio, por exemplo, enfatizou que somente lei penal poderia criar um novo crime (o que é expresso na Constituição) e, juntamente com outros dois ministros, apenas notificaria o Congresso de sua omissão. Esta foi a tese vencida num placar de 8 a 3. Outros (como eu) haviam argumentado que talvez o STF pudesse declarar a omissão legislativa, estabelecer um prazo para o legislador, dada a histórica inércia do Congresso sob pena de valer a interpretação do STF. Com o poder que por meio desta decisão o STF afirma para si vem grande responsabilidade: dele não abusar.

Apoiar a LGBTfobia é um exercício de lidar com ambivalências.

Sabe-se que criminalizar LGBTfobia não nos salvará: a discriminação persistirá e o direito penal é historicamente insuficiente para enfrentar a LGBTfobia estrutural em uma sociedade acostumada com altos níveis de violência (física, psicológica e outras). Porém, criminalizar LGBTfobia sinaliza limites civilizatórios de respeito em sociedade.

Sabe-se que criminalizar LGBTfobia é reforçar o papel do direito penal, enquanto outros mecanismos como multas administrativas, indenizações civis, pedidos de desculpas e mediação de conflito poderiam ser mais efetivos. Porém, como nos ensinou o debate sobre a criminalização do racismo trazido pelo movimento negro na Constituinte de 1988, criminalizar pode trazer à luz do debate público violências muitas vezes sofridas em silêncio.

O que restou no debate do STF, no entanto, foi a certeza de que —tanto os ministros vencedores, quanto os vencidos –apoiam enfaticamente direitos LGBTs.

Este apoio será importante nas próximas batalhas jurídicas pendentes na Corte. Neste momento, estão pendentes na pauta do STF temas como como discussão de gênero em escolas, uso de banheiro por pessoas trans de acordo com a sua identidade de gênero, doação de sangue por homens que fazem sexo com homens, cumprimento de penas por mulheres trans em unidades prisionais femininas, questionamento da resolução do CNJ sobre casamento homoafetivo.

Há muitas pedras no caminho da igualdade para população LGBT no Brasil. A decisão do STF, no entanto, indica certa esperança no futuro.

Da FSP