Obra de Banksy é a síntese do momento do ex-herói Sérgio Moro
“Não acredito que vocês imbecis realmente compram isso” é o título de uma obra de Banksy, o artista inglês famoso por seus graffiti e intervenções urbanas, feitas em diversas partes do mundo, da Disney à Palestina. O nome da peça está estampado dentro dela mesma. A composição mostra uma cena de leilão de obras de arte, em que homens engravatados e poucas mulheres dão seus lances por um quadro emoldurado em que se vê apenas a frase piadista. No centro da imagem, o valor alcançado até o momento pela venda disputada: $ 750.450 (provavelmente dólares).
No mundo mercadológico das artes, algumas obras alcançam cifras difíceis de serem entendidas – ainda mais em um país desigual como o Brasil, onde famílias inteiras sobrevivem com menos de R$ 1 mil mensais. Entretanto, os casos que ganham notícias nos jornais são exceções à regra geral, em que normalmente artistas pouco vendem e vivem subvalorizados. A arte do dia a dia não é cara e é tão valiosa quanto os grandes nomes pertencentes aos maiores acervos museológicos do mundo, mas ela é menosprezada para que exceções milionárias possam existir. Geralmente quem dita os discursos, as regras do jogo, tem a intenção de restringir o acesso popular para manter poderes simbólicos e hierarquias sociais.
A verdade é que nenhum quadro vale milhões. Pode acreditar. Mas se todos soubessem disso, como ficariam as casas de leilão e as grandes transações, que não raramente favorecem lavagens de dinheiro e corrupções? Tive a sorte de ter um professor que me abriu os olhos para isso um dia: “Mona Lisa nenhuma vale milhões, é apenas uma tela”, ele me disse; justo ele, que é um dos maiores especialistas em museus e instituições de arte do Brasil. Com todo seu conhecimento acumulado e anos de experiência, ele sabe exatamente que os cifrões atribuídos a qualquer obra tem fetiche demais e realidade de menos. Mona Lisa é preciosa porque diz muito sobre seu período e reúne elementos especiais que colaboram com a construção da história da arte que conhecemos, mas isso não deveria vir expresso em cifrões, até porque, ela não está à venda.
Ultimamente temos visto críticas às artes que se baseiam nos argumentos errados. Existe uma lista gigantesca de motivos que de fato merecem questionamentos e contestações, mas o que vemos cada vez mais no Brasil é um desvio do que realmente importa. Os discursos nervosos não são sobre os problemas da deturpação e apropriação capitalista sobre a produção artística, mas sobre expressões contemporâneas que subvertem padrões estéticos tradicionais. Ou seja, para o senso comum, o problema não são as vendas abusivas e quem lucra com isso (quase nunca o artista), mas o produtor da obra, associado a vagabundagens e perversões.
Quem aponta primeiro o dedo e reclama dos pecados de uma obra é, geralmente, a família dos bons costumes, ainda entusiasta da beleza e da obediência; aquelas pessoas que vão ver imoralidade onde não existe; as mesmas que provavelmente achariam um disparate o trabalho de Banksy, por mais que ele estampe exatamente com o mesmo argumento levantado nas bandeiras dos tradicionalistas.
A obra de Banksy é irônica por demais. Faz chacota com o próprio mercado da arte, que se apropria do que bem entende para o transformar em capital em excesso; julga ridículos aqueles que entram na onda dos modismos, sem de fato entender certas expressões artísticas; e usa, para isso, o argumento central dos reacionários estéticos. Agora, o que mais me agrada na obra do inglês é a possibilidade de expansão de seu significado para o campo político-governamental.
Se a crítica é principalmente sobre modismos e a imbecilidade humana, a peça de Banksy pode resumir bem a sensação das últimas semanas no Brasil, mesmo tendo sido feita do outro lado do Atlântico. Desde que se instalou a Operação Lava Jato, a maioria da população acreditou na propaganda fictícia de um super-herói irreal, fetichizado. Acreditou tanto que comprou a farsa e pagou caro. A revelação das mensagens trocadas entre Sérgio Moro e Dallagnol revelam a verdade e os interesses por trás de uma história mal contada. Se eu pudesse escolher a obra de arte do momento, estamparia Banksy nos ministérios da Esplanada, no lugar dos outdoors cafonas sobre benefícios mentirosos da reforma da Previdência. Obviamente que os envolvidos vão dizer que não há nada demais nas conversas divulgadas pelo Intercept, que a prática é normal. O triste é que tem gente que ainda acredita nas desculpas. O problema do Brasil é a arte e a educação marxista. “Não acredito que vocês imbecis realmente compram isso.”
Do Diplomatique