Países oscilam na aplicação de impostos sobre grandes fortunas

Todos os posts, Últimas notícias

Uma carta de 18 bilionários americanos defendendo que fortunas sejam tributadas recolocou no noticiário um imposto polêmico entre especialistas e políticos em vários países do mundo.

A proposta, apresentada nesta semana, exorta os candidatos à próxima eleição presidencial nos Estados Unidos a defenderem a taxação sobre grandes patrimônios.

Seus defensores argumentam que essa é uma forma eficaz de combater a desigualdade de riqueza, que costuma ser maior que a de renda. Já para os críticos da ideia, os custos para estimar o patrimônio real e o risco de evasão não compensam a medida.

Também no regime tributário dos países o imposto sobre fortunas enfrenta turbulência. Alguns chegaram a cobrá-lo, mas o abandonaram. O caso mais recente é o da França, que, em 2018, aboliu seu tributo implementado em 1982 e o substituiu por tributação específica sobre “fortuna imobiliária”.

A Espanha, por outro lado, desistiu da taxação em 2008, mas a retomou em 2012. A ideia inicial era que durasse apenas dois anos, mas a medida tem sido renovada.

Um grupo pequeno de nações, como Uruguai e Suíça, mantém a tributação sobre fortunas há décadas. E há países, como o Brasil e os Estados Unidos, que debatem com frequência a ideia, mas nunca a colocaram em prática.

“As discussões sobre esse tipo de imposto e a inclinação em adotá-lo ou mantê-lo oscilam com o viés ideológico dos governos e a situação econômica”, diz Pedro Humberto de Carvalho Júnior, do Ipea, que pesquisa o tema.

Mais recentemente, a questão tem sido estimulada por estudos que mostram que a distância entre ricos e pobres é ainda maior se aos salários forem adicionados ganhos de capital, imóveis e outros bens.

Pelo padrão global, o patrimônio dos mais ricos é entre 3 e 6 vezes superior à sua renda anual, afirma o economista Marcelo Medeiros, do Ipea e do BrazilLab da Universidade Princeton.

Além disso, pesquisas indicam que a desigualdade patrimonial tem crescido.

Esses fenômenos têm embasado propostas de políticos democratas nos Estados Unidos, como a senadora e pré-candidata à Presidência Elizabeth Warren, que sugere taxar fortunas superiores a US$ 50 milhões (cerca de R$ 190 milhões) como forma de combater a desigualdade de riqueza.

Para Medeiros, além de afetar um grupo pequeno, a tributação sobre fortunas é melhor que tributos sobre consumo ou produção.

Impostos sobre o consumo (ICMS, por exemplo), mesmo com alíquota única, pesam mais sobre os mais pobres, porque eles gastam parcela maior dos salários em bens de consumo não duráveis.

Apesar de mais debatido, o tema está longe do consenso.

“A discussão é pertinente, mas a solução não é fácil”, diz o economista Bernard Appy, diretor do C.CiF (Centro de Cidadania Fiscal) e coautor de reforma tributária que tramita na Câmara (PEC 45).

As principais críticas sobre a tributação de grandes fortunas são o risco de que os contribuintes desloquem parte dos recursos para paraísos fiscais e a dificuldade em mapear e estimar todo o patrimônio dos mais ricos.

Outra questão, segundo Vanessa Canado, professora de direito tributário da FGV e pesquisadora do Insper, é a complexidade do desenho jurídico desse tipo de tributo.

“O que é uma ‘grande fortuna’? Seria justo tributar quem tem R$ 10 bilhões e não quem tem R$ 8 bilhões?”, questiona.

Medeiros e Carvalho concordam que a criação de um tributo sobre patrimônio precisaria partir de critérios muito bem definidos, mas defendem que as dificuldades hoje são menores.

“Com o avanço da tecnologia, a avaliação de patrimônio e o monitoramento da movimentação de recursos ficaram mais fáceis”, diz Carvalho.

Medeiros ressalta que o risco de evasão é menor do que se imagina, já que fatia grande do patrimônio no Brasil não é facilmente deslocável. Segundo dados da Receita, em 2017 quase 40% dos bens e direitos dos contribuintes brasileiros eram compostos por imóveis, veículos e terrenos.

Embora previsto na Constituição de 1988, um imposto sobre fortunas nunca foi regulamentado por lei complementar no país. Dos oito projetos apresentados, um ainda tramita, mas aguarda há anos sem entrar em pauta.

As propostas de reforma tributária discutidas atualmente no Congresso não preveem a tributação de patrimônio.

“A melhor forma de resolver a questão distributiva é pelo Imposto de Renda. Ele não tributa o patrimônio em si, mas acaba tributando o acréscimo de patrimônio”, diz Appy.

Da FSP