Bolsonaro facilita deportação de brasileiros dos EUA
O governo Jair Bolsonaro aceitou um pleito antigo dos americanos e facilitou a deportação de brasileiros que emigraram sem visto adequado aos Estados Unidos. Com o novo procedimento, baseado em parecer jurídico e adotado em junho, os consulados brasileiros poderão enviar ao governo americano documentos dos deportáveis à revelia. Embora a medida sirva, em um primeiro momento, para casos em que se esgotaram as chances legais de se permanecer nos EUA, especialistas acreditam que o novo mecanismo pode ser utilizado para casos de deportações expressas e tendem a afastar brasileiros dos consulados, por temerem a maior colaboração com autoridades americanas.
Até então, mesmo brasileiros sem papéis e com todo o processo imigratório nos EUA esgotado, tinham que pedir passaporte ou Autorização de Retorno de Brasileiro (ARB) para pegar um avião nos EUA e entrar no Brasil. Muitos preferiam seguir presos a voltar, alguns alegando até perseguição, e não assinavam o pedido dos documentos. Agora o governo brasileiro pode conceder atestados de nacionalidade, expedidos à revelia do preso. Como foi fechado um acordo com a Polícia Federal, este documento passou a ser aceito nos aeroportos brasileiros.
A Polícia Federal e o Itamaraty não atenderam ao pedido de entrevista. Por e-mail, o Ministério das Relações Exteriores disse que o atestado de nacionalidade é utilizado em situações excepcionais e que brasileiros que alegarem questões humanitárias não serão deportados contra a sua vontade. Fontes do Itamaraty afirmam que alguns brasileiros já começaram a ser deportados graças à mudança, que começou a valer em junho.
Segundo as fontes, que falaram ao GLOBO sob anonimato, o governo Bolsonaro atendeu a um pleito americano de anos — o Brasil temia que a medida pudesse afastar os brasileiros dos consulados nos EUA.
A decisão brasileira também aliviaria os custos americanos de prisão. Com a atual política de Washington de cerco aos “sem papéis”, as detenções para imigrantes estão superlotadas e os custos têm crescido. Assim, o governo americano tem tentado acelerar os casos de deportação e ampliado as possibilidades de “deportações sumárias”, onde os imigrantes que acabaram de entrar nos EUA sequer precisam passar por um processo judicial.
A advogada brasileira Renata Castro, especializada em imigração na Flórida, alerta que, embora a medida tenha sido até então utilizada para casos em que o processo migratório explorou todos os recursos, com o tempo poderá ser usada em novas brechas pelos americanos. Ela ressalta que não é segredo que o governo de Donald Trump quer acelerar as deportações sumárias.
— A forma como o atual governo tem se relacionado com os EUA e a falta histórica de estratégias do governo em alianças internacionais indica que esta certidão pode ter seu uso ampliado no futuro, em casos de deportações sumárias, sem o devido processo legal — disse. — O Brasil sempre foi muito passivo em auxiliar os brasileiros no exterior, e agora busca um alinhamento muito forte com o governo de Trump.
Outros países também possuem atestados e certidões iguais ao que o Brasil passou a adotar. Mas em geral possuem, segundo diplomatas ouvidos pelo GLOBO, uma postura de maior defesa de seus cidadãos. O México, por exemplo, chega a pagar advogados de imigração para encarcerados nos EUA por questões migratórias — com a fiança, eles continuam nos EUA, trabalham e, invariavelmente, enviam dinheiro para a família no México. Até a Guatemala conseguiu impedir o plano americano para que seus cidadãos que buscam asilo no país esperem pela concessão da permissão em seu país de origem. Assim, podem esperar em solo americano enquanto os processos são analisados.
Castro afirma que esta deve ser a primeira de novas medidas brasileiras que podem prejudicar a vida do imigrante nos EUA. Com a atual política de aproximação entre os dois governos, ela espera mais parcerias no compartilhamento de informações entre os países e auxílio para avaliação sobre a concessão ou não de asilos a brasileiros. A advogada lembra que no último ano só foram concedidos 26 asilos a brasileiros, de um total de 1.546 pedidos analisados.
Comunidade com medo
O temor de que a maior aproximação entre os governos leve a prejuízos a imigrantes sem papéis nos EUA cresce na comunidade brasileira. A indicação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ao posto de embaixador em Washington amplia esse cenário. Em março, o filho do presidente disse que os imigrantes brasileiros ilegais nos EUA são uma “vergonha” para o país.
— Vemos toda a comunidade com muito medo das políticas migratórias de Trump e o atual governo brasileiro, com sua aproximação a Washington, piora as coisas. Muitos se sentem abandonados — afirmou Natalicia Tracy, diretora do Centro do Trabalhador Brasileiro em Boston.
“Caso a situação seja classificada como de natureza humanitária, os consulados deverão desconsiderar a expedição de atestado de nacionalidade. Sendo assim, não cabe falar em recusa por questão humanitária, já que eventual identificação de razões humanitárias é realizada a priori”, informou o ministério.
Entretanto O GLOBO revelou, há dois meses, o caso de Paul Fernando Schreiner, de 36 anos, que foi deportado após ter vivido 31 anos no país, pelo fato de seus pais adotivos não terem regularizado sua situação quando foi levado ao estado de Nebraska.
Em e-mail enviado ao GLOBO, o Itamaraty informa que o atestado já é utilizado em países como Austrália e Japão: “Os atestados de nacionalidade não constituem objeto de solicitação de outros Estados. Trata-se de obrigação do Estado brasileiro, como já se referiu acima, de oferecer marco legal seguro a seus nacionais deportados”.
De O Globo