Cientista político afirma: “Congresso teme uma revolta popular”
Como chefe da seção de Américas da consultoria política Eurasia, Christopher da Cunha Bueno Garman tem como missão acompanhar de perto o que acontece no Congresso brasileiro. Na sua visão, a aprovação do texto-base da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados esta semana é um sinal de instinto de sobrevivência política.
— É um Congresso com muito temor de uma revolta popular contra a classe política — disse ao GLOBO.
Olhando para a frente, Garman, que tem cidadanias brasileira e americana, acha que os congressistas não terão o mesmo senso de urgência na análise da reforma tributária, que deve causar mais divisões e ser menos ampla que a da Previdência.
A aprovação da reforma da Previdência com folga de 71 votos simboliza uma guinada liberal no Congresso?
Creio que é um Congresso mais sensível à opinião pública e com muito temor de uma revolta popular contra a classe política. Isso levou a uma reforma fiscal liberal boa, levando-se em conta que se trata de um governo sem base. A liberação de emendas por parte do governo certamente também ajudou.
O que propiciou a aprovação da reforma?
A última coisa que os parlamentares querem é outra crise econômica, o que poderia aumentar ainda mais a fúria do eleitor e dificultar as possibilidades de reeleição. Em segundo lugar, levaram em conta a opinião pública, que se tornou favorável à reforma, como mostram pesquisas. Em resumo, o medo de não fazer aumentou e o custo eleitoral de aprovar a reforma caiu.
Quais são as chances de aprovação de outras reformas liberais, na mesma linha da Previdência?
Há espaço, mas acredito em reformas via projeto de lei (que exige menos votos para ser aprovado). Uma proposta complexa, como a da Previdência, que exigiu emenda constitucional, só foi possível porque havia esse sentimento de medo coletivo de quebra da economia. A reforma tributária, por sua vez, será bem mais difícil.
Por quê?
Ela impacta interesses distintos, tanto do setor privado como do público. O custo de não fazer a reforma não é tão alto. Sem uma base parlamentar governista majoritária, fica mais difícil encontrar maneiras de compensar parlamentares que são contra. Aposto mais numa reforma tributária mais restrita, que se resuma a uma simplificação de tributos federais.
Parlamentares mais conservadores favorecem uma agenda liberal?
Não diria que o Congresso virou uma casa de economistas liberais. O governo é liberal, e lideranças como os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), acreditam nessa pauta.
Como os investidores internacionais estão vendo o Brasil hoje?
A visão ainda não está muito boa. A cobertura na imprensa internacional tem puxado muito mais pelo lado da agenda conservadora, do meio ambiente, e menos pelas reformas econômicas liberais. Mas isso tende a mudar. O investidor verá os resultados, não só da aprovação da Previdência, mas também da agenda de reformas que está por vir, tanto do governo Bolsonaro como da própria agenda do Congresso. O Brasil é hoje, sem dúvida, o país com a mais ambiciosa agenda de reformas de todos os principais países emergentes. Isso trará mais investimentos.
Que riscos o senhor vê no cenário brasileiro?
Há o risco de a economia não crescer muito em 2020. Aí a pressão no Congresso para a aprovação de medidas que representem mais gastos vai crescer. Haverá pressão para dar aumento de salário mínimo acima da inflação e muita pressão para ajudar estados e municípios quebrados. Os parlamentares podem concluir que, após a aprovação da Previdência e sem o risco de uma crise financeira, está na hora de dar algum retorno à sociedade.
Qual a sua avaliação sobre a situação dos partidos de esquerda?
Eles se perderam depois das eleições do ano passado. Primeiro, é natural que, depois de uma derrota, tenha-se um período de reestruturação. E parte da esquerda sofreu com a falta de financiamento para os sindicatos. Mas a oposição não acertou o eixo para se posicionar. O discurso “Lula livre” tem ressonância na militância, mas o que mais mobilizou as ruas contra o governo foram os cortes na educação. A revolta do eleitor está muito ligada aos serviços, como educação, saúde e segurança. A oposição precisa se mobilizar sobre esses temas.
De O Globo