Consultorias dizem que Bolsonaro tenta manter popularidade
Nos últimos dez dias, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) proferiu ataques a jornalistas, críticas a governadores nordestinos, negou a existência de fome no Brasil, desafiou ambientalistas e até ironizou o desaparecimento de um militante político à época da ditadura militar, provocando a efervescência das redes sociais.
Para uns, os casos dão continuidade a um comportamento observado desde o início do governo (ou mesmo antes, quando o pesselista atuava como deputado federal). Outros observam uma aposta ainda maior na radicalização pela mobilização das fileiras mais fieis do bolsonarismo, em uma estratégia de campanha permanente.
Em entrevista ao jornal O Globo, Bolsonaro disse que não irá mudar sua conduta e confirma que continuará falando à parcela mais conservadora da população, a primeira a aderir à sua candidatura. “Sou assim mesmo. Não tem estratégia. Se eu estivesse preocupado com 2022, não dava essas declarações”, disse.
Para além das discussões provocadas em cada situação, o tom adotado pelo presidente tem motivado avaliações sobre impactos políticos, sobretudo em meio à proximidade da volta do recesso parlamentar e às vésperas de votações importantes no Congresso Nacional.
A agenda de reformas econômicas corre riscos de ser atingida pela nova onda de instabilidade que ronda o Palácio do Planalto? Quais são as condições de o governo impor uma agenda legislativa em um ambiente de turbulências internas? O que se espera para os próximos meses?
Em uma tentativa de entender a postura adotada pelo presidente e as consequências políticas dos episódios recentes, o InfoMoney ouviu quatro analistas políticos. Veja um resumo da avaliação de cada um:
Carlos Eduardo Borenstein, Arko Advice
É importante entendermos que, diferentemente de presidentes anteriores, principalmente de Sarney a Temer, que buscaram dialogar com o centro, Bolsonaro opera em outra lógica. Ele opera na lógica de manter uma polarização permanente, principalmente com setores da esquerda, com o discurso de ameaça do comunismo. Não só nesse episódio [sobre o desaparecimento do pai do presidente da OAB], ele constantemente busca atuar para manter sua base mobilizada. É uma base que se alimenta muito da polarização nas redes.
Claro que em alguns momentos o presidente acaba saindo do tom adequado, o que gera maior repercussão, mas diria que não é tanto uma novidade. Se observarmos a trajetória de Bolsonaro, ele sempre atuou nessa lógica de conflito, buscando a polarização. Isso garante cerca de 20% do eleitorado com ele.
As dificuldades que ele encontra no Congresso [para fazer suas propostas avançarem] acaba justificando, do ponto de vista de sua imagem perante parte da opinião pública, as manifestações de radicalização. Para o eleitorado bolsonarista, quando o presidente não consegue aprovar suas pautas, é por causa da velha política que impede as agendas. Isso leva o presidente a fazer sinalizações retóricas.
É difícil sabermos o que é estratégia e o que são movimentos impulsivos. Quando fala sobre o pai do presidente da OAB, que naturalmente geraria uma reação muito forte, ele cria um novo assunto na opinião pública e acaba deixando em segundo plano supostas insatisfações [do eleitorado].
A não ser que Bolsonaro insista muito na radicalização e o sistema político tradicional enxergue isso como uma ameaça à instituição, os parlamentares não fariam algum tipo de movimento no sentido de limitar as atribuições presidenciais. O que parece é muito mais uma questão de retórica. Claro que vai ter reação, mas enquanto ficar no discurso, o próprio Congresso tem mostrado postura de moderação. O parlamento não ganharia em nada comprando uma briga com o presidente, a não ser que enxerguem uma ameaça muito grande.
Ricardo Ribeiro, MCM Consultores
Bolsonaro é essencialmente isso. Essa questão da autenticidade é celebrada por seus admiradores, foi uma marca na sua trajetória parlamentar e na bem-sucedida campanha eleitoral. Mas parece que ele está mais à vontade nas últimas semanas, sem muito cuidado de expressar pontos de vista e menos condicionado às liturgias do cargo presidencial. De qualquer forma, nestes casos é difícil dizer se foi algo planejado.
O efeito [das falas criticadas] sobre a [tramitação da] reforma da previdência é nulo. É improvável que mude a situação da proposta. Agora, isso reforça, em uma parte do centro e da centro-direita, a desconfiança em relação ao Bolsonaro e a decisão de manter certo afastamento em relação a ele.
Esse tipo de comportamento suscita dúvidas sobre a força eleitoral do bolsonarismo para o ano que vem e para 2022. Bolsonaro está falando para um grupo que não é pequeno, mas não é majoritário. Alternativas estão sendo cogitadas, esse radicalismo reforça o comportamento da centro-direita. Também mantêm distância porque podem ser as próximas vítimas dos ataques de Bolsonaro e seu grupo.
Além disso, [as falas do presidente] têm efeito de manter o ambiente político quente, que favorece a polarização. Se isso vai afetar a agenda parlamentar pós-previdência? Pode ser. Ontem, ele claramente passou do ponto, então o repúdio foi maior. Mas não vai mudar fundamentalmente o cenário político.
Leopoldo Vieira, Idealpolitik
O presidente Jair Bolsonaro jamais renunciou ao modus operandi de seu governo, que é a legitimação permanente do que a nova direita chama de restauração cultural. A radicalização dos últimos dias visa manter seu eleitorado cativo alerta e mobilizado.
Para tal, ser autêntico e provar permanentemente seus compromissos ideológicos a despeito de matérias aprovadas ou não no parlamento, ou decisões pelo Judiciário, é o ponto principal.
A rigor, Bolsonaro sempre risca uma linha que divide a sociedade entre os que estão com ele e os que estão contra, para ver o quanto amplia seu piso de 2018 para chegar a 2022, com o maior afinamento possível, disputando uma visão de mundo de direita. E não uma que deixe isso em segundo plano a negociações políticas tradicionais.
A retórica radical deve se intensificar [com a aproximação das eleições], com períodos de maior e menor tensão. Os espantalhos serão PT e o sistema político, que foi a base da fórmula que deu certo em 2018.
Com o radicalismo dos últimos dias, Bolsonaro bloqueou que o parlamento e agentes do establishment político falassem sozinhos e criou uma sucessão de factoides para se manter como o foco da opinião pública. Tal postura também mantém sua aprovação em patamar seguro contra tentações de deposição e favorece a pauta econômica.
Rafael Cortez, Tendências Consultoria Integrada
O comportamento do presidente reflete um personagem político desenvolvido ao longo da campanha eleitoral, mas com trajetória mais ampla como parlamentar. Esse personagem parece estar ancorado em dois conceitos importantes no plano político.
O primeiro deles consiste na ideia sugerida pelo mito do bom selvagem, do filósofo Jean-Jacques Rousseau, de que havia uma estilização da natureza humana antes do processo de vivência em sociedade – nesta analogia, seria que Bolsonaro não pertence à classe política tradicional e que, de alguma maneira, expressaria algo de genuíno e puro, características fundamentais neste momento de crise de representação e dos partidos.
Outro fator que ainda expressa a forma do exercício do poder é a dominação carismática. Em alguma medida, o bolsonarismo é um fenômeno personalista que se alimenta da fraqueza organizacional e das instituições, da crise de representação, e personifica em Bolsonaro a ideia de que existiria uma representação majoritária, com valores bem definidos que precisariam de um nome com disposição política para trazer de volta o que teria sido corrompido.
No plano do conteúdo, expressa a representação do presidente como um nome muito forte no antipetismo. Essa ideia de ser contraposição à esquerda e a agendas associadas a esse campo é muito importante, especialmente a questão militar, que é um dos elementos da volta ao passado sugerida pelo bolsonarismo e por esses movimentos conservadores.
Em conjunto, esses elementos mostram uma escassez de liderança, do ponto de vista de reconstruir o quadro político deteriorado, por conta da polarização e da crise das organizações representativas aos olhos da sociedade. Essa ausência também se expressa do ponto de vista de construção de um ambiente decisório mais eficiente, sobretudo do ponto de vista da legitimidade, do respeito aos direitos individuais, à pluralidade de pensamento.
Isso torna o quadro político brasileiro marcado por um presidente que gera ruído político e que questiona alguns pilares importantes do jogo democrático. Mas tal quadro ainda não resultou em paralisia decisória, do ponto de vista da agenda econômica, há uma funcionalidade do sistema político.
Do InfoMoney