Contardo Calligaris: ‘Cura gay’ não é psicoterapia
Publicado pela primeira vez em 2017, a edição revista e ampliada foi lançada este ano pela editora Planeta.
É, e só poderia ser, segundo o autor, “um livro de cabelos brancos”. Os textos que deram origem à primeira edição foram escritos quando Calligaris se aproximava dos 30 anos de prática clínica; os acréscimos da nova publicação, finalizados em 2019, somam a experiência de mais de quatro décadas.
“Não poderia ter escrito com menos tempo do que isso. É um livro feito com a tolerância e a humildade que a prática cotidiana obriga, ou deveria obrigar, a termos”, diz Calligaris.
Por ser um texto anti-dogmático, ele acha curioso o livro ter sido acolhido com simpatia no meio acadêmico que, muitas vezes, vive fechado em uma determinada linha de pensamento e algumas receitas teóricas quase inquestionáveis.
Exemplos disso são apontados no livro, quando Calligaris narra histórias de sua formação e de seus primeiros anos de psicanalista na França. Rótulos como lacaniano, freudiano e fórmulas pré-fixadas em nome de alguma ortodoxia não interessam ao autor.
“Temo o psicoterapeuta de um livro só”, escreve, parafraseando o teólogo Tomás de Aquino (1225-74).
Na atual edição de suas “Cartas”, Calligaris incluiu o capítulo “As Leituras”, no qual discorre sobre o prazer de ler, a diversidade literária que moldou sua formação e a descoberta pessoal sobre a continuidade entre a prática clínica e a paixão por obras de ficção e não ficção.
As cartas do título são endereçadas a dois interlocutores “imaginários até a página dois”. São perguntas de diferentes aspirantes à profissão recebidas por Calligaris, questões presentes no debate público e até dúvidas maternas sobre a escolha profissional do filho e questões pecuniárias —”quanto custa?” e “o que diz a família?” estão entre os cinco capítulos inéditos desta nova edição.
Outros capítulos incluídos em 2019 tratam das condições prévias para ser psicoterapeuta e da sexualidade para a psicanálise.
Calligaris quis insistir sobre os problemas de ser psicoterapeuta sendo moralista e a tentação de aconselhar pessoas a partir de crenças ou desejos que não são delas. A chamada cura gay é para ele um exemplo dos perigos de uma terapia baseada em crenças religiosas.
“Isso não é psicoterapia, é condução de almas, e me assusta um pouco.”
O capítulo sobre a sexualidade trata da crítica recebida pela psicanálise desde suas origens na obra de Freud: colocar o desejo sexual no centro de tudo.
Para Calligaris, o sexo é o “núcleo duro” da teoria psicanalítica não por seu aspecto biológico, mas porque, em nossa cultura judaico-cristã, foi o organizador da vida social. “Na época de Freud não havia como, e ainda hoje não há como não colocar o sexo como centro da vida que está reprimido.”
Da FSP