“Eu ainda não bloqueei o Guedes no WhatsApp”, diz Maia
Responsável pelo sucesso na articulação e tramitação da reforma da Previdência, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não almeja disputar a Presidência da República ou o governo do Rio de Janeiro. Para ele, sem reformas aprovadas, não há motivo para tentar um cargo numa eleição majoritária. “Não quero ser administrador de crise”, disse. Maia recebeu a reportagem do Estado nesse sábado, 13, na residência oficial. Para ele, um candidato que queira ter capacidade para enfrentar Bolsonaro em 2022 precisa caminhar da direita para o centro ou para a centro-esquerda.
O presidente da Câmara disse que defendeu a reforma da Previdência por convicção, não por compromisso com o governo, e reiterou que pode apoiar quem quiser para a presidência em 2022. “Por que eu tenho que ter lealdade a esse governo, do ponto de vista político?”, disse. Ao falar sobre o afastamento entre ele e Paulo Guedes, após o ministro da Economia criticar os parlamentares, Maia disse que ainda o admira. “Troco WhatsApp. Eu não bloqueei ele ainda”, disse.
Após a votação da reforma da Previdência, Maia deixou claro que o governo terá dificuldades para emplacar a sua pauta de projetos. “Vamos tocar as pautas de Estado. As pautas de governo, se esse diálogo não melhorar, vai haver muita dificuldade de tocar”, disse. Ele avisou que será difícil ter voto para aprovar as privatizações. Essa é uma das principais agendas do plano do ministro Paulo Guedes para a fase pós-previdência.
Leia a íntegra da entrevista.
Por que o choro na hora do resultado da votação da reforma?
Boa parte do plenário apoiando é uma demonstração de confiança de apoio. Eu sou um cara que me emociono. Ter o seu trabalho reconhecido pelo seus pares não é algo que acontece todos os dias. Somado a todos os acontecimentos dos últimos meses e a dificuldade para ter chegado até a votação.
Foi mais emocionante do que a sua reeleição?
Eu acho que o apoio nesse momento foi maior do que nas minhas três eleições. Eu vi muitos deputados vindo para mim e dizendo: “eu acho que hoje acertei no voto para presidente da Câmara”. Esse apoio foi mais forte do que o da reeleição, em que tive 334 votos. Nessa semana, foi um apoio espontâneo de parte importante da Câmara à minha condução como presidente e aquilo que estou representando nos últimos meses.
Foi a maior vitória da sua carreira?
Não foi minha. Foi da Câmara da qual sou presidente. Ninguém tem vitória individual no Parlamento. A vitória é uma construção política. É claro que o presidente tem um papel grande e é o mais nítido para a sociedade.
A votação representou uma virada para o Congresso? No passado, as grandes reformas eram comandadas pelo Executivo.
Talvez pela decisão de não ter um governo de coalizão tenha dado mais clareza do papel do Parlamento. E do Parlamento não ter empurrado para o governo a responsabilidade de ter deixado o assunto correr naturalmente. A Câmara poderia ter tomado a decisão de dizer o seguinte: “Olha, está aí na comissão e cada um cumpre o seu papel”. Mas nós assumimos o protagonismo. Quando começou a atrasar demais na CCJ, fomos para lá e fizemos o compromisso na comissão especial com o relator e o presidente de um prazo. E, ao trazer para o plenário, assumimos que era uma decisão nossa. Por que conseguimos fazer com o apoio majoritário? Essa é uma reforma que reorganiza o Estado. Não é uma reforma do governo. É uma reforma do Estado, permanente. Passa desse governo para outros.
Na maratona da votação, qual foi o momento mais tenso?
Tinha um ambiente dos principais líderes a favor. O que tivemos de divergência foi o tempo. Alguns achavam que podiam fazer mais rápido e outros que não. Eu, por exemplo, se tivesse acelerado mais no início, teria errado. Não tinha uma base consolidada em março e abril para votar. Alguns líderes foram importantes para dizer que não estava maduro. E acho que eu tive um papel importante para dizer que está na hora para votar pelo menos para terminar o primeiro turno.
Os governistas afirmam que a pressão popular foi preponderante para a aprovação. O senhor endossa essa avaliação?
São duas coisas diferentes. Eles dizem que as manifestações é que fizeram isso. Eu discordo deles. O ambiente de manifestações fala muito para o público deles. Não pode esquecer que são 140 milhões de eleitores. A primeira manifestação, que foi mais contra o Parlamento do que a favor da Previdência, tinha no máximo 1 milhão de pessoas no Brasil. E aquela a favor da reforma teve menos do que isso. Não é um ambiente de 500 mil pessoas que influenciou 140 milhões de pessoas. Mas acho que há um ambiente, sim, na sociedade de maior apoio à reforma. É claro que esse apoio amplo da sociedade influenciou. Não tem como o Parlamento ter feito uma votação de 379 votos que não seja com respaldo significativo da sociedade. São duas teses diferentes. Alguns do PSL acham que as manifestações influenciaram. Eu acho que influenciaram pouco os deputados que estavam na dúvida. Quem influenciou mais os deputados que estavam na dúvida foram as suas relações nas suas bases que começaram a virar a favor da reforma.
O senhor espera ter o reconhecimento da vitória da população?
Eu fiz o que acredito ser melhor para o Brasil. Para aqueles que eu represento. É claro que a gente vai ter parte da sociedade que vai reconhecer o papel dos deputados, o meu papel. Outra parte ligada ao presidente Bolsonaro vai entender que foi ele porque mandou a reforma. Tem um ambiente difuso. Tem um ambiente que apoiou ele e que é menos radical e acha que de fato o Parlamento teve um protagonismo. O importante é que a gente vai vendo naqueles que formam opinião uma compreensão de que o papel do Parlamento foi decisivo para a gente chegar até onde chegou na noite de sexta, 12.
E qual foi o papel do presidente Bolsonaro?
Ele encaminhou. É um tema em que ele votou contra a vida inteira. Cumpriu o papel também. É claro que com a falta de experiência da articulação política do governo, se os partidos não decidissem, junto com o líder da maioria, assumir a coordenação do processo, poderíamos ter perdido no destaque com prejuízos enormes.
Quanto poderia ter perdido de economia? O destaque do PDT dava uma perda de mais R$ 100 bilhões?
No destaque do PDT, vimos que eles estavam querendo enganar a gente. Foi feio aquilo. Eles fizeram depois que eu sai do plenário. Tentaram abrir logo a votação, a deputada Soraya não abriu, e quando eu voltei fui descobrir o que era. Não foi bom. No Parlamento, onde a palavra é a coisa mais importante, se aquilo ali tivesse dado um problema teria sido muito grave para o resultado da economia e para a relação nossa de confiança com os deputados. Ainda bem que tivemos tempo de reorganizar aquilo. Era grande. O primeiro destaque do PT também tinha muito medo de perder a votação.
O presidente Bolsonaro fez tudo que poderia?
Dentro daquilo que eu acredito, que é a relação do Executivo com o Legislativo, não fez. Mas dentro do que ele acredita, sim. Eu não acho que ele acreditava que poderia ter ajudado mais e não quis. Eu acho que ele foi dentro do limite do que ele acredita.
O senhor disse que está na hora de ter uma relação diferente entre Executivo e Congresso. Passa por isso?
Não temos problema na relação de um governo sem coalizão. Até porque fortalece a democracia e o Congresso. O que estou dizendo é na relação de respeito. O entorno do presidente, nos primeiros meses de governo, atacou demais o Congresso. Atacou demais o presidente da Câmara, um pouco menos o do Senado. Atacou também o presidente do Supremo, o próprio STF. Não pode ter o patrocínio do entorno do presidente. Isso não é bom.
Não partiu dele?
Não tenho como provar dele. Estou dizendo do entorno. Não posso falar algo que não conheço. Isso precisa resolver porque a forma dele governar pode estar sendo boa para o Parlamento. Estamos recuperando as nossas prerrogativas. Isso é muito importante.
O que esperar daqui para frente?
O que nós imaginamos é uma relação que seja transparente, de diálogo. Aquela declaração, por exemplo, de rainha da Inglaterra (sobre o projeto de lei das agências reguladoras), estava distorcida. No projeto, não tinha nenhuma prerrogativa do presidente que o Congresso estava tirando. Estava apenas criando uma estrutura que eles defenderam no início do governo como se fosse um banco de talentos. Era a vitória da tecnocracia sobre a política. Não era uma vitória do Parlamento sobre o governo. Temos que tomar cuidado para não estimular as pessoas que confiam na gente para atacar outro Poder.
Como essa mudança pode acontecer?
Ninguém quer que mude. Queremos só que o diálogo seja franco, objetivo. Não estou dizendo toda a rede social, que é um ambiente radicalizado. Mas que aqueles mais próximos dele não estimulem o conflito com os outros poderes.
Os filhos do presidente?
Eles têm assessores que atacam muito o Parlamento. O mais grave não é o filho. O filho tem mandato. Mais grave é quem está nomeado dentro do Palácio e depende do governo e ataca o Parlamento nas redes sociais.
Quem são eles?
Esse entorno que a gente sabe que estimula o radicalismo contra o Parlamento. Está errado porque a gente deu uma demonstração de que, independente disso, temos uma pauta. Vamos tocar as pautas de Estado. As pautas de governo, se esse diálogo não melhorar, vai ter muita dificuldade de tocar, entendeu?
Que pautas de governo são essas?
Privatização é uma pauta de governo. Eu defendo, mas é difícil ter voto para aprovar privatização nesse ambiente que ficou nos últimos meses na Câmara.
Quais as outras pautas?
Tudo que for de governo. Agenda de governo, agenda de costumes. O Senado derrubou o decreto de armas. Não foi nem a Câmara. A reforma tributária, a previdenciária, a administrativa, são todas de Estado, permanentes. Essas nós vamos votar. Melhorar a lei de saneamento, nós vamos votar. Melhorar a lei de recuperação judicial é de Estado. A lei cambial é uma reforma de Estado.
E o projeto de autonomia do Banco Central?
É de governo porque é uma regra que é defendida por parte dos economistas e por parte da política e que pode ser modificada. O equilíbrio atuarial, por exemplo, são questões permanentes.
E as reformas fiscais, como o Pacto Federativo, regra de ouro?
É de Estado.
E o pacote do ministro Sergio Moro?
É política de governo, mas é tratar de segurança pública. Não vejo problema em tocar. O problema são temas mais sensíveis de governo. Por exemplo, o projeto de lei de armas. Quando ele derrubou parte da inconstitucionalidade do decreto de armas, eu me comprometi a votar. Então, vamos votar. O que demos a palavra nós vamos votar. O que não tem nada ajustado e que for de governo vai ter dificuldade. Não é nem de pautar. É de conseguir voto para aprovar. Naquilo que é de governo, eu não vou ter a mesma interferência do que é Estado, se a relação for nesse formato. A responsabilidade de conseguir os votos vai ser exclusivamente do governo.
A mudança do zoneamento ambiental para a área turística lá no Rio de Janeiro. A caneta…
Esse negócio de caneta… No Brasil de hoje ninguém tem caneta de tinta. Está tudo vazio. O Estado está quebrado. Temos primeiro que recuperar a capacidade de ter tinta na caneta. Hoje, a caneta BIC está toda branca. A dele, a minha, do Davi (Alcolumbre, presidente do Senado), a dos governadores. Está tudo branco. O Estado está sem capacidade de responder os anseios da sociedade.
Um aliado seu, Paulinho da Força, disse que uma reforma do tamanho que o governo pretendia talvez encheria a caneta do presidente Bolsonaro. A aprovada na semana passada enche a caneta dele?
Não, porque é uma reforma de Estado, de longo prazo. A reforma é uma economia que vai crescendo ao longo dos anos. Mais do que no início. Tem certas coisas que não dá para a gente brincar. Ter 13 milhões de brasileiros desempregados procurando emprego e ter 10 milhões abaixo da linha da pobreza e não ter a responsabilidade de fazer as reformas de Estado é querer ampliar o sofrimento da população brasileira. Temos mandato também. Não é porque somos contra o governo que paramos de trabalhar, que vamos boicotar tudo. Boicotar é uma palavra muito forte. Vamos deixar de votar aquilo que é de governo, o que não é urgente para o Estado brasileiro.
O senhor discorda da opinião do Paulinho que essa reforma, no tamanho que se encaminha para votar, beneficia a reeleição do presidente Bolsonaro?
Ela, por si, não beneficia o presidente. Ele apenas gera as condições para que possa organizar o governo para tratar das áreas fundamentais da sociedade e garantir segurança ao investimento privado.
O presidente Bolsonaro não fica mais perto da reeleição?
Isso para mim tanto faz. Não posso trabalhar com a tese de que, porque não quero ele reeleito, eu quero 20 milhões de desempregados. Essa é uma tese do mal. Não é uma tese do bem. Porque você não gosta do Bolsonaro, vai deixar de votar naquilo que acredita. Para que ele não seja reeleito, eu vou deixar que a pobreza aumente, que a queda de arrecadação continue acontecendo e que Estados e municípios percam cada vez mais a capacidade de investimento? Não posso aceitar isso. E o Parlamento provou que também não aceita.
O sr. espera mais empenho do Planalto nessas reformas de Estado, como a reforma tributária?
Reforma tributária é claro que eles vão participar. A gente quer que a equipe econômica participe. Essa é uma reforma que tem muito apoio na classe média, na sociedade.
E a reforma administrativa? O senhor tocou nela no discurso da votação da Previdência?
Eu tinha tratado desse tema com o Armínio Fraga há um ano e meio. Ele me mandou o trabalho dele. Eu vou começar agora um trabalho de reestruturação administrativa da Câmara. É reorganizar as carreiras da Câmara, reorganizar o plano de cargos e salários dos servidores, o processo legislativo. Vamos reduzir o numero de carreiras. A estrutura hoje é de piso colado no teto, sem estímulo para progressão e custo alto de contratação. É pequeno, mas é um gesto. A reforma administrativa dos recursos humanos do Estado é do Executivo. Essa é uma grande reforma e tem que partir do governo. A Câmara custa R$ 4 bilhões sem deputado. Vamos discutir a parte administrativa da Câmara, que naturalmente vai discutir a eficiência de cada um dos deputados. Isso virá em algum momento.
O senhor é a favor da quebra de estabilidade do servidor?
Sou 100% a favor. A estabilidade do jeito que está colocada não beneficia o interesse do servidor de atingir meta, objetivos de melhorar o seu trabalho, de servir melhor o cidadão. Ele tem essa garantia por si só e ponto final. Tem que criar uma regra onde algumas carreiras, não pode deixar um procurador, um juiz soltos. Não pode deixar um auditor fiscal solto. Mas vai ter que ter um limite do que é estabilidade do serviço público.
Seria a quebra mesmo da estabilidade?
Seria a quebra. Mas, em algumas categorias, dizer em que condições se pode demitir esse servidor. Não pode pegar um auditor fiscal e de qualquer jeito o governo pode demiti-lo. Senão ele perde as condições de trabalhar.
De que maneira os projetos podem avançar faltando menos de um ano e meio para as eleições municipais?
Se essa questão de servidor fosse um problema para mim, eu nunca teria tratado de reforma. Meu pai é o político mais forte nos servidores públicos no Rio de Janeiro. E continua sendo porque pegou um ciclo muito positivo. Fez três grandes prefeituras e valorizou muito o servidor. Ele está certo. Não sou contra valorizar. Eu sou contra valorizar o servidor e não ter dinheiro para pagar. Eu acho que há uma compreensão do Parlamento que o Estado brasileiro está quebrado e não adianta procurar novas receitas permanentes.
O presidente disse ter um compromisso de indicar um ministro terrivelmente evangélico para o Supremo. Isso deve ser prerrogativa de escolha?
O Estado é laico. Acho que isso não pode ser uma prioridade na escolha. Mas, se ele quer, tendo um jurista de qualidade que seja evangélico… O presidente tem esse estilo de sinalizar para suas bases eleitorais. Não adianta a gente entrar nesse conflito. Ele vai escolher da forma que entender, contanto que sejam dois bons juristas.
O senhor é filho de um político influente. O que achou de o Bolsonaro indicar o filho para a embaixada americana?
Eu não acho que você ter um parente que você confie e entenda que tem qualidades, respeitados os limites do que é nepotismo, que você não possa nomear. O presidente tem que refletir se o perfil do deputado Eduardo é compatível com a função de embaixador. E, como ele disse, ele não está preocupado com críticas. E como todo mundo sabe, a sociedade entende o tema da nomeação de um parente como uma coisa ruim.
O senhor acha que o Eduardo Bolsonaro tem as qualidades para a função?
Eu vou esperar a decisão do presidente. Ele (Eduardo Bolsonaro) é um colega, não vou ficar criticando um colega. Tenho dúvidas se o Eduardo pode ter uma nomeação que não seja de ministro.
E a tentativa de preservar o mandato dele?
Só se criar um ministério extraordinário vinculado à embaixada. Do jeito que está, não tem como. Ou ele vai renunciar, ou não vai ser embaixador.
Ele apresentou as credenciais dizendo que fritou hambúrguer no frio dos Estados Unidos.
Ele é filho do presidente, ele é deputado. Eu não vou entrar nesse debate. A única questão é a legal, se pode ou não e se ele tem as condições para entrar numa função que o Brasil tem quadros de grande qualidade. A chancelaria brasileira é muito respeitada no mundo inteiro. Não quer dizer que não possa ter uma pessoa de fora. Principalmente em Portugal teve algumas vezes alguns políticos. Não acho que seja errado. Se eu não acho errado um político, não necessariamente tenho que achar errado um filho.
E o alinhamento com o Trump?
Eles nunca esconderam a admiração deles pelo Trump. Ele foi eleito presidente, não eu. Se fosse eu não teria essa admiração toda pelo Trump, mas eles têm, é um direito deles. E a política externa é do governo, aí não posso fazer nada. Ele indica o ministro das Relações Exteriores. Não é uma indicação técnica do Estado brasileiro. Infelizmente não há essa separação entre Estado e governo na política exterior.
O senhor enxerga a política externa brasileira, como foi prometido na campanha, desvinculada de ideologia?
A política externa até o acordo do Mercosul com a União Europeia é uma política 100% ideologizada. O único movimento que quando terminar será muito importante para o Brasil é o acordo Mercosul-UE. Aí foi uma política pragmática que interessa ao Brasil. Tirando essa decisão, todas as outras que ouvi do ministro Ernesto foram posições muito ideologizadas, que acho que não é o papel do Ministério das Relações Exteriores.
O senhor teve durante a reforma alguns desentendimentos com o ministro da Economia, Paulo Guedes. Já está tudo ok?
Eu não misturo pessoa física com a pessoa jurídica.
O senhor ficou magoado.
Vou te explicar. Meu foco era a aprovação e nós aprovamos no primeiro turno, apesar de muitas variáveis, pressão de muitas pessoas, inclusive favoráveis à reforma, dizendo que eu não deveria me esforçar tanto. Eu não misturei.
A reforma tá aprovada. Eu sou presidente da Câmara pela terceira vez com a confiança de 334 deputados e acho que com a confiança hoje muito grande dentro do parlamento, mais do que os votos que eu tive na minha eleição.
Quando ele atacou o relator e a Câmara dizendo que nós tínhamos nos entregue aos servidores, o que não é verdade, você sabe que os servidores trabalharam contra o nosso relatório até o último dia, as últimas horas…
Então o Paulo Guedes falou algo falso. Ele falou algo falso atacando a Câmara, e quando ele ataca a Câmara ele me atacou e atacou o relator que fez um ótimo trabalho. Se eu não for aquele que defenda a instituição com mais contundência quem é que vai defender? Então, de fato, eu tenho uma admiração pessoal, continuo falando com ele pelo Whatsapp, mas eu sou presidente da Câmara e ele errou porque não é verdadeiro. Nós não defendemos as corporações.
Agora, nós saímos de uma transição de 1 ano e meio atrás de 50% de pedágio para uma idade mínima com pedágio de 100% duríssima, que ninguém está satisfeito. Para ele falar o que ele falou do relator e do parlamento… De fato, aquilo me incomodou muito como deputado e como presidente da Câmara.
Isso vai atrapalhar a tramitação da agenda dele?
Não sei qual é a agenda que ele está propondo, eu não conheço. A reforma da previdência se não fosse a Câmara, não teria tido 379 votos.
O sr. tem ideia do que ele propõe?
Eu tenho ideia macro. Eu quero ler. Eu não conheço os textos. Autonomia do Banco Central, eu defendo e vou continuar defendendo. Não sei se eu vou ter voto para aprovar, mas vou continuar defendendo.
Ele vai aproveitar o recesso para colocar a agenda dele e fazer pressão sobre o parlamento.
Eu juro que não conheço. Eu conheço o que ele pensa. Desvinculação, pacto federativo. A proposta dele hoje no Brasil é inócua. Você vai desvincular com 100% das despesas obrigatórias, não está desvinculando nada. Ou alguém vai deixar de pagar salário e aposentadoria de servidor? Agora, é uma ideia muito boa para um Brasil, se Deus quiser, daqui a cinco ou dez anos. Para o Brasil de hoje, ele liberar o orçamento primário de R$ 1,5 trilhão é inócuo. Não tenho o que fazer com R$ 1,5 trilhão que não seja pagar despesas obrigatórias.
Por que ele insiste nesse tema?
Do ponto de vista teórico ele está correto. Do ponto de vista prático, isso só ai acontecer se a gente fizer as reformas, com impacto no mínimo daqui a 5 ou 10 anos.
O governo prometeu um PLN para destinar recursos, acelerou emendas, mas o senhor disse que a caneta está vazia. Os deputados não vão ficar frustrados em relação a essas promessas?
Não, porque os deputados sabem que a capacidade do governo brasileiro é pequena e ninguém está com expectativa de que o governo faça grandes investimentos em Estados e municípios. Agora, o mínimo para que o orçamento público federal funcione é até bom para a economia não entrar em recessão. Porque parou tudo.
O que é o mínimo?
Não sei. Meu voto não tem relação com base municipalista.
Mas o de boa parte dos deputados tem.
Então é legítimo que eles defendam que os recursos cheguem. E como está todo mundo numa situação muito ruim, qualquer execução orçamentária que chegue na ponta tira os prefeitos do sufoco.
Essa promessa ajudou a melhorar o clima ou não teve toma lá da cá?
Do ponto de vista dos votos não teve muita diferença. Acho que todo mundo estava preparado para votar e queria votar. As pessoas queriam do governo um gesto de que o diálogo e o respeito ao parlamento existem, muito mais simbólico do que uma questão concreta. Se fosse uma coisa concreta, para valer, o que se exigiria era, antes de votar, trocar um ministro. Tanto não é verdade que quando ele (Bolsonaro) fez a proposta (de recriar o ministro das Cidades e da Integração Nacional), quando ele mesmo bateu na proposta, nós desmontamos o que ele tinha feito, devolvemos o Ministério do Desenvolvimento Regional e continuamos tocando a nossa vida. A expectativa dos parlamentares em relação ao governo é muito pequena. O mínimo que eles querem é de respeito. Essa articulação com o governo foi muito mais uma forma de deixar claro que o governo precisa dialogar e respeitar o parlamento do que uma preocupação efetiva com execução orçamentária.
Foi para marcar posição?
Foi mais ou menos o seguinte: Não dá também para o governo achar que vira as costas, agride…
O discurso do ‘toma lá, da cá’ ganhou espaço. É besteira.
Não é majoritário. O discurso contaminou. A gente só chegou ao plenário por causa do interesse de todo mundo votar a matéria. Às vezes, se coloca um tema que existe, que é a execução do orçamento, que é atender as bases parlamentares, que é legítimo. As pessoas precisam entender que isso não é recurso para deputado, é para pagar médico, pagar professor, pagar o servidor em dia, não tem nada a ver com interesse pessoal de deputado nenhum. E se coloca isso, como se fosse a prioridade para o cara votar a previdência. Eu tenho convicção de que não foi.
O ministro da Saúde disse que iria ajudar a solucionar a previdência.
O deputado atender as suas bases, o prefeito satisfeito defendendo, facilita ele a votar. Porque ele sabe que vai ter um cara lá na ponta dizendo para aqueles que são contra a previdência que ‘o deputado está ajudando, representa a gente direito, consegue recursos todos os quatro anos do mandato dele’.
Não vai ter frustração?
Acho que não, porque todo mundo sabe que não vai ter dinheiro enquanto a economia não se recuperar. Talvez com a aprovação da Previdência, se tiver um fôlego de recuperação, agora que melhorou a arrecadação. Se conseguir descontingenciar os R$ 30 bilhões em algum momento, vai ter um fôlego de aplicação do orçamento. Isso libera as emendas impositivas dos deputados.
O senhor acredita nisso?
Acredito que alguma coisa vai descontingenciar, quando a arrecadação subir. Acho que sobe no segundo semestre alguma coisa.
O que enche um pouco a caneta do presidente?
O que enche a caneta de qualquer político é a capacidade de investimento do Estado brasileiro. Só vai ter a caneta cheia depois de aprovar as reformas. É simples. Você sabe onde estão as despesas e sabe o que precisa ser feito, do meu ponto de vista. O Congresso tem um papel fundamental e o Executivo também. Se a gente conseguir reorganizar isso, ao longo dos próximos 10 anos, a caneta vai enchendo de tinta. Por enquanto você ainda está escrevendo com azul claro. O azul escuro ainda não voltou a aparecer na caneta de ninguém.
A que o senhor se refere quando fala que a expectativa dos parlamentares em relação ao governo é muito baixa? É só aos pagamentos?
Tudo. O que aconteceu nos primeiros seis meses não preciso te contar. A relação não foi boa. As pessoas perderam… O parlamento foi atacado, os deputados não têm muita expectativa em relação ao governo. Qualquer boa relação… Por exemplo, a entrada do Ramos, somada ao Onyx, vai ajudar o governo.
Há um ciúme, ou seja lá o que for isso, do Bolsonaro e está chegando na equipe econômica da sua aproximação com o governador de SP João Doria tendo em vista a eleição de 2022.
Mas qual o compromisso eleitoral que eu tenho com o governo? Eles não têm que ter ciúmes de mim. Eles não apoiaram a minha eleição. O Paulo Guedes não é político. Estou dizendo quem é da política. Trabalharam até a véspera contra a minha candidatura. Por que eu tenho que ter lealdade a esse governo, do ponto de vista político?
Mas o senhor vê essa insatisfação?
Não. Eu acho até ridículo. Não tenho nenhum compromisso com eles, eu não os apoiei. Votei no segundo turno (no Bolsonaro) porque o meu eleitor não me permitia votar no PT. Eu também não ia mentir em quem votei. O que me agradava na vitória do Bolsonaro no segundo turno era o Paulo Guedes.
O Paulo Guedes foi uma frustração para o senhor?
Um pouco. Não por completo. Mas é um grande quadro, vou continuar admirando e trabalhando com ele. Não tem problema.
Dá para melhorar o clima?
Dá, claro, mas o clima está bom. Troco Whatsapp. Eu não bloqueei ele ainda. Já bloquei até o Moreira (Franco, ex-ministro e sogro de Maia) uma vez, numa intriga, né? (risos). Não tem por que ele estar chateado com as minhas relações. Se amanhã ou depois que quiser apoiar o governador do Rio, Wilson Witzel, para presidente da República? O Luciano Huck? Eu posso apoiar quem eu quiser.
O senhor será candidato?
Não.
Dizem que a sua performance como articulador lhe abre portas para 2022.
Não acho, não. Minha articulação me abre portas para ser um político que está construindo algo para o Brasil e que vai ficar registrado na história. Não acho que eu tenha perfil para eleição majoritária. Não acho mesmo. Eu tentei em 2018. Não é uma coisa simples.
Em quem o senhor apostaria para ser uma força contra Bolsonaro?
Acho que o governador de São Paulo (João Doria) é sempre uma força, tem que só tomar cuidado para ele não tentar disputar o núcleo duro do presidente. Ele não vai conseguir crescer para o eleitor mais radicalizado, antipetista. Ele vai ter que crescer pra o centro. Esse cuidado ele vai ter que tomar. O governador do Rio (Wilson Witzel) é pré-candidato também, é sempre forte. O Luciano Huck é um cara fortíssimo, porque ele caminha mais ao centro, pelas relações que ele tem. Ele tem uma agenda mais ao centro e pode ocupar um espaço que o Doria não está querendo ocupar.
Qual seria?
O Doria prefere ocupar o espaço do Bolsonaro. Então ele vai e condecora o Moro. Está disputando voto com Bolsonaro. E eu acho que esse voto ele não tira do Bolsonaro. Quem vai disputar eleição com Bolsonaro é quem conseguir caminhar da direita para o centro, ou a centro-esquerda. O espaço vago hoje, olhando a eleição futura e está muito longe ainda, não será disputar com o presidente no mesmo eixo dele. E acho, de alguma forma, por como ele construiu a campanha de 2018, o Doria está tentando ocupar esse espaço. Tem que ver como ele vem mais para o centro. E acho que o Huck está tentando construir esse espaço, um pouquinho mais ao centro-esquerda em alguns temas.
O senhor está tendendo para o Huck, né?
Não estou tendendo para ninguém. Estou tendendo para aprovar o segundo turno para a reforma da previdência.
O senhor já demostrou capacidade de fazer essa articulação para o centro e a esquerda.
O Ronaldo Caiado (governador de Goiás) disse uma vez uma coisa que é verdade: ‘Não sei o que o Rodrigo vai ser, mas o que ele estiver articulando vai dar certo’. Essa é a minha capacidade. Articular. Isso eu sei fazer, mas isso não dá voto majoritário. Isso dá conforto para um futuro presidente, em ter uma articulação política, isso sim. Mas do ponto de vista de voto, não acho que a presidência da Câmara… A presidência da Câmara engana muito, porque tem muita visibilidade, mas ela não necessariamente te dá popularidade. Acho até que, com esse protagonismo, alguma popularidade dá, com desgaste, porque o tema da previdência é polêmico. Mas ela não, por si só, não dará popularidade para disputar uma eleição majoritária nem no Rio, nem nacional.
A base do presidente quer disputar a eleição municipal com discurso radicalizado que ele não abandonou.
É isso.
O senhor espera uma eleição municipal com menos temas locais e mais embate entre Bolsonaro e a esquerda?
Acho que a eleição municipal tem muito a ver com a realidade local. Tem que tomar cuidado para não errar, não polemizar em algo que não é a agenda do cidadão.
Seu pai vai ser candidato a prefeito no Rio?
Não sei. Ele não quer. Algumas pessoas querem que ele seja. Estou entre essas, mas acho que ele não quer.
O risco de desidratação da reforma ainda é grande?
Não.
De Estadão