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Jornalista não pode ser criminalizado

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Na largada, vamos logo deixar claro: o jornalismo não pode ser criminalizado por publicar vazamentos de interesse público se o jornalista e o veículo de imprensa não cometeram crime.

O ministro da Justiça, Sergio Moro, e muitos de seus defensores incondicionais precisam ser alertados disso.

Hoje, a Polícia Federal deu informações sobre prisões que efetuou ontem _4 pessoas são suspeitas de hackear telefones de autoridades públicas, como Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol.

A PF faz bem ao apurar a origem de eventuais crimes. Deve avançar nas investigações para averiguar se houve encomenda e qual é a origem de dinheiro em espécie apreendido com os suspeitos. Não devemos admitir criminosos à solta invadindo telefones de autoridades públicas e cidadãos. Mas essa é apenas uma das pernas desse caso.

A outra perna é a investigação a respeito do conteúdo das reportagens publicadas com base no arquivo do “Intercept Brasil”. Essas reportagens trouxeram a público mensagens trocadas no Telegram por integrantes da Lava Jato que mostraram um modus operandi ilegal e antiético da parte de Moro, Dallagnol e cia. A “Folha de S.Paulo” e a revista “Veja” foram veículos que fizeram reportagens com base no arquivo da equipe do jornalista Glenn Greewald.

Hoje, num tuíte, Moro disse que a fonte do “Intercept Brasil” seriam as pessoas presas pela PF ontem.

Pedindo desculpa pelo português ruim, como diria Roberto Carlos, leia a mensagem que o ministro da Justiça postou no Twitter: “Parabenizo a Polícia Federal pela investigação do grupo de hackers, assim como o MPF [Ministério Público Federal] e a Justiça Federal. Pessoas com antecedentes criminais, envolvidas em várias espécies de crimes. Elas, a fonte de confiança daqueles que divulgaram as supostas mensagens obtidas por crime”.

Moro fez uma acusação grave a respeito de investigação que está em curso e que é realizada por subordinados dele. É receoso, para dizer o mínimo, que aja assim no cargo que ocupa.

Vamos repetir: se uma fonte comete crime e passa uma informação de interesse público, o jornalista tem o dever de publicá-la. Lá nos Estados Unidos, país com o qual Moro tanto se identifica, casos desse tipo já foram pacificados pela Suprema Corte faz tempo.

Os papéis do Pentágono, que mostraram que o governo dos EUA mentia sobre a guerra do Vietnã, e Watergate, que levou à renúncia de Richard Nixon, são exemplos que deveriam guiar a conduta de Moro e nossas autoridades públicas. Edward Snowden e Chelsea Manning são acusados de crime, mas revelaram informações que a imprensa internacional entendeu por bem publicar em nome do interesse público.

É preciso cuidado para não criminalizar o jornalismo no Brasil. Houve vazamentos ilegais da Lava Jato que não despertaram o menor interesse em ter seus vazadores investigados e punidos. Moro e Dallagnol não têm autoridade moral para criticar o jornalismo que trouxe a público o modus operandi deles na Lava Jato.

Um dos delegados da Polícia Federal disse hoje que era cedo para fazer qualquer ligação entre as pessoas presas e as reportagens baseadas no arquivo do “Intercept”. Aliás, o “Intercept” nunca deu detalhes a respeito da sua fonte e tem o direito constitucional de fazê-lo.

A Polícia Federal é uma polícia de Estado, não de governo. Deveria apurar as duas pernas desse caso.

Há outras instituições no Brasil, como a Procuradoria Geral da República, o Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça, que também deveriam se comportar como instituições de Estado. Não podem agir a serviço de governo ou de poderosos de plantão. Isso é típico de república de bananas.

Mas, se tivermos uma PF que se comporte como polícia de Estado e outras instituições que ajam como instituições de Estado, o Brasil seguirá o caminho de uma democracia plena.

Jornalistas têm o dever de defender o jornalismo feito com base no interesse público. É assim que a imprensa cumpre o seu papel numa democracia de verdade.

De IG