“Juiz só pode se comunicar formalmente”, diz ex-procurador da “Lava jato italiana”

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Foto: Moreno Carbone/Reprodução

A operação Mãos Limpas, ocorrida na Itália na década de 1990, inspirou Sergio Moro em sua atuação como juiz na Lava Jato. O hoje ministro da Justiça a estudou e escreveu em 2004 um artigo sobre o caso italiano, elogiando seus resultados no combate à corrupção e relativizando as críticas ao trabalho dos magistrados que atuaram na investigação.

Gherardo Colombo, 73 anos, era um deles. Ele foi um dos procuradores da Mãos Limpas. Em entrevista ao UOL, ele afirmou que os “ataques” à operação foram muitos.

Ele próprio foi acusado de quebrar o sigilo das investigações. Também teve que responder a um processo disciplinar por ter levantado numa entrevista suspeitas sobre chantagens na política da Itália. Nunca foi condenado.

Segundo ele, assim como na Lava Jato, a Mãos Limpas também foi acusada de abusar de prisões temporárias, das delações premiadas e de manipular a mídia. Também recebeu críticas por supostamente perseguir políticos. Nunca, porém, foi acusada de coordenar atuações de procuradores e juízes –suspeita que hoje paira sobre a operação brasileira.

Afastado do Judiciário desde 2007, Colombo disse que acompanha de longe e quando pode as notícias sobre os diálogos entre Moro e outros membros da força-tarefa da Lava Jato que vêm sendo divulgados pelo site “The Intercept Brasil” há mais de um mês.

Ao trocar emails com a reportagem, o italiano evitou opinar sobre possíveis irregularidades na condução da operação brasileira. Questionado sobre como deve ser a comunicação entre um juiz e um procurador durante uma investigação, ele disse:

Na minha opinião, um juiz só pode se comunicar com um procurador formalmente, por meio de documentos oficiais. A exceção são as trivialidades.

De acordo com as mensagens divulgadas, Moro, em conversas privadas mantidas com membros do MPF (Ministério Público Federal) que atuam na Lava Jato, sugeriu testemunhas a investigadores, os orientou sobre o uso de provas e opinou sobre um acordo de delação premiada.

A Constituição do Brasil determina que não haja vínculos entre o juiz e as partes em um processo judicial. Para que haja isenção, o juiz e a parte acusadora –neste caso, o Ministério Público– não devem trocar informações nem atuar fora de audiências.

Moro e MPF não reconhecem a autenticidade das mensagens atribuídas a eles. O ministro, em audiências no Congresso, já afirmou também que, se verdadeiras, as conversas não indicariam irregularidades.

A defesa de Luiz Inácio Lula da Silva, condenado por Moro, pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) que a sentença contra o ex-presidente seja anulada por conta da parcialidade do então juiz.

Dois juízes por maior imparcialidade

Colombo disse que, dependendo do conteúdo de conversas privadas mantidas entre juízes e procuradores numa determinada operação, é possível que elas influenciem o resultado de um julgamento. Para ele, o juiz precisa se manter distante das partes envolvidas para manter sua imparcialidade e realmente fazer justiça.

Se as regras sobre a imparcialidade e do processo não são seguidas, a Justiça não pode ser justa.

O ex-procurador ainda explicou que, na Itália, uma operação como a Lava Jato e a Mãos Limpas têm dois juízes justamente para garantir um julgamento imparcial.

Um juiz acompanha a investigação, autorizando mandados de busca e apreensão ou mesmo prisões temporárias. Um segundo se mantém distante do caso durante a apuração. Só atua no julgamento dos acusados.

No Brasil, um mesmo juiz pode cumprir as duas funções. Na Lava Jato, por exemplo, Moro autorizou ações de investigação e também julgou acusados.

“Dois juízes diferentes garantem a uma maior imparcialidade”, disse Colombo, defendendo o sistema adotado na Itália.

Entrada na política aumenta criticismo

Colombo também lembrou que, durante o desenrolar da Mãos Limpas, o apoio da opinião pública e da mídia mudou. Segundo ele, nos primeiros anos da investigação, os jornais italianos deram suporte ao trabalho dos procuradores. Depois, uma parte deles começou a “atacar” a operação.

Surgiram, então, acusações que não tinham “nenhum fundamento”, segundo Colombo. Um dos procuradores do caso, Antonio Di Pietro, chegou a ser tachado como um agente da CIA (agência de inteligência dos Estados Unidos) infiltrado na Itália para desestabilizar o país. “Não sei de onde saíam coisas como esta”, refutou Colombo.

Di Pietro, aliás, entrou para a política na Itália, assim como Moro. Colombo afirmou que a iniciativa do ex-colega também colaborou para a queda do apoio à operação.

Di Pietro foi ministro, além de senador e deputado. Porém, só aceitou seu primeiro cargo no governo depois um ano e meio longe da Mãos Limpas.

Para Colombo, o tempo fez com que a transição de Di Pietro ocorresse sem macular o trabalho da operação. “Eu acho que todo mundo pode fazer isso [sair da magistratura e entrar na política]. Mas a escolha dele deve ser definitiva e um tempo deve passar até um magistrado tornar-se um político.”

O ex-procurador admitiu que a Mãos Limpas não acabou com a corrupção na Itália. Ele, contudo, defendeu seu trabalho e de seus colegas na investigação.

O próprio ministro Sergio Moro escreveu em seu artigo que a Mãos Limpas investigou mais de 6.000 pessoas, incluindo mais de 870 empresários e 430 parlamentares da Itália, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros. Mais de 1.300 pessoas foram condenadas.

Do UOL