Por que a direita autoritária cresce nos EUA e Reino Unido
Parece provável que Boris Johnson se torne primeiro-ministro do Reino Unido. O jornalista Max Hastings, que foi editor de Johnson quando ele trabalhou no jornal Telegraph, escreveu esta semana que “existe espaço para debate sobre se ele é um calhorda ou simplesmente um malandro, mas ninguém debate sua falência moral, enraizada em seu desprezo pela verdade”.
É difícil imaginar uma pessoa menos apropriada para o posto de primeiro-ministro, na história do Reino Unido.
Johnson não está sozinho. A figura política mais influente do Reino Unido hoje é Nigel Farage, um fanático inimigo da União Europeia.
O rival de Johnson para o posto de primeiro-ministro será Jeremy Corbin, 70, um esquerdista que admirava Hugo Chávez.
Mas os Estados Unidos ainda assim estão em situação pior que o Reino Unido.
As falhas de caráter de Donald Trump, especialmente seu apego patológico à mentira, o colocam em uma classe toda sua, entre os presidentes dos Estados Unidos.
Os dois países que salvaram a democracia liberal no século 20 perderam seu compasso moral. Muitos cidadãos parecem já não se importar que seus líderes sejam calhordas.
Não muito tempo atrás, as pessoas viam as duas nações como modelos de democracia bem sucedida.
Agora, os Estados Unidos são vistos como fanfarrões, e o Reino Unido como tolo. Trump e Johnson são encarados como desprezíveis, ridículos, ou as duas coisas.
A questão é: por que os povos de países tão estáveis e tão prósperos selecionam líderes como esses? Por que tanta gente no Reino Unido acredita nas mentiras absurdas de Johnson? Por que tantos americanos ignoram os numerosos exemplos de estupidez de Trump?
Não sei. Mas faço alguma ideia.
O sucesso falha. Em longo prazo, qualquer sistema político bem sucedido termina em entropia, porque as pessoas tomam seu sucesso como axiomático e se esquecem daquilo que o fazia funcionar.
O medo se dissipa. Das democracias de grande porte e alta renda, só Estados Unidos e Reino Unido sobreviveram à primeira metade do século 20 sem derrotas em guerras e sem ocupação por inimigos.
Na França, Alemanha, Itália e Japão, os danos foram muito mais graves.
De modo que os dois primeiros países perderam o medo, o que não é assim tão verdade no caso dos demais.
A memória se esvai. As gerações passam, as lembranças de desastres se apagam e a política deixa de ser vista como questão de vida ou morte e se transforma em reality show. E já que é assim, por que não termos palhaços como líderes?
A grandeza clama. As pessoas mais velhas se recordam de quando os Estados Unidos dominavam o mundo e o Reino Unido tinha recentemente salvado a Europa.
Muitas dessas pessoas querem que seu país “volte a ser grande”, como um dia foi.
Culturas entram em choque. Houve grandes mudanças culturais, especialmente imigração em massa, o papel transformado das mulheres e a igualdade para as minorias.
Isso foi associado à ascensão da política de identidade e levou a uma reação cultural adversa.
O centro se esvazia. Aristóteles afirmou que uma ordem constitucional estável depende da existência de uma grande classe média.
Estados Unidos e Reino Unido têm as distribuições de renda mais desiguais entre as democracias de alta renda.
A desindustrialização ataca. Os velhos empregos da classe trabalhadora industrial desapareceram, privando muitos homens de rendas estáveis e mesmo da possibilidade de casar.
A renda se congela. Nos Estados Unidos, o salário mediano real está estagnado desde a década de 1980. No Reino Unido, o mesmo vale desde a crise de 2008.
Nos Estados Unidos, as “mortes por desespero” estão em alta e a expectativa de vida da classe trabalhadora branca caiu.
Reagan e Thatcher fracassaram. Estados Unidos e Reino Unido passaram por mudanças radicais de política na década de 1980, rumo a mercados mais livres.
Isso não funcionou tão bem quanto era esperado. O nacionalismo, assim, se tornou uma maneira de mobilizar o apoio da direita.
Finanças entram em colapso. Nos dois países, a crise financeira foi um choque ideológico e não só um choque econômico.
A austeridade machuca. Nos dois países, a crise legou déficit fiscais estruturais imensos. Isso encorajou os políticos de direita a cortar fortemente os gastos públicos.
As elites estão em declínio. Democracias requerem uma elite respeitada.
Mas, nos dois países, o ideal do serviço público foi corroído, e as pessoas cada vez mais pensam na elite como incompetente ou desonesta.
A plutocracia ascende. A elite que se dedicava ao serviço público perdeu importância, e foi substituída por uma plutocracia em geral indiferente.
A mídia corrói. Muita atenção vem sendo dedicada à mídia social.
A mídia comum é igualmente importante – veja o gênio destrutivo de Rupert Murdoch, nos Estados Unidos e Reino Unido; e o Daily Mail no Reino Unido.
Os sistemas políticos entram em pane.
Um elemento importante para os desfechos que estamos vendo pode se relacionar a instituições políticas defeituosas: voto distrital puro, manipulação de distritos eleitorais, o colégio eleitoral nos Estados Unidos.
O declínio da lealdade aos partidos e sua substituição por uma busca por líderes carismáticos é igualmente notável.
Assim, onde pode terminar essa corrida rumo ao fundo do poço? Em 1952, Lillian Hellman escreveu sobre uma Era do Calhorda precedente —a era da caça às bruxas do senador Joseph McCarthy.
Aquela era passou, e um retorno a um estilo de política mais adulto pôde acontecer.
Mas McCarthy jamais foi presidente dos Estados Unidos. Reino Unido e Estados Unidos precisam recuperar a convicção de que o caráter dos líderes importa. Sem isso, a democracia pode soçobrar.
Da FSP