Sem quebra de sigilo, investigação de Flávio já tinha 6 relatórios do Coaf
A investigação sobre as movimentações financeiras no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro contou com ao menos seis relatórios do Coaf antes da autorização judicial para quebras de sigilos fiscal e bancário dos investigados.
Alguns desses documentos apresentam detalhes vedados em decisão desta segunda-feira (15) do ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal). Ele determinou a suspensão de todos os inquéritos com esse tipo de informação sem supervisão judicial, após pedido do senador.
O debate sobre o tema no plenário do STF está previsto para em 21 de novembro. O Ministério Público do Rio solicitou autorização para atuar no processo.
Segundo a Folha apurou, as investigações sobre Flávio Bolsonaro, deputados e ex-deputados citados em relatórios do Coaf (Conselho de Controle das Atividades Financeiras) ficarão paralisadas até nova manifestação do Judiciário.
Em sua decisão, Toffoli determina a suspensão dos inquéritos iniciados a partir de relatório do Coaf que não se limite, sem autorização judicial, “à identificação dos titulares das operações e dos montantes globais mensalmente movimentados, ou seja, dados genéricos e cadastrais dos correntistas, vedada a inclusão de qualquer elemento que permita identificar sua origem ou natureza dos gastos a partir deles efetuados”.
O relatório que motivou a abertura do inquérito já trazia informações detalhadas sobre a movimentação financeira de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio pivô da investigação.
Indicando a movimentação considerada atípica de R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017 de Queiroz, o documento detalhava data, agência bancária e alguns horários das dezenas de saques e depósitos realizados nas contas de Queiroz.
Esse relatório foi produzido a pedido de procuradores da República que atuavam na Operação Furna da Onça, que prendeu em dezembro dez deputados estaduais acusados de envolvimento no esquema de corrupção do ex-governador Sérgio Cabral.
Como o documento citava outros alvos de atribuição do Ministério Público estadual, o Coaf o enviou espontaneamente para a Promotoria fluminense em janeiro de 2018.
O órgão federal fez comunicações sobre 85 funcionários de 21 gabinetes da Assembleia —boa parte sem relação com o caso Cabral—, incluindo o de Flávio, filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro.
Os investigadores solicitaram movimentações atípicas registradas entre 2007 e 2018 de Flávio e outros ex-assessores. Três documentos foram produzidos com este fim.
Um deles detalhava hora e data de 48 depósitos de R$ 2.000 entre junho e julho de 2017 na conta de Flávio. Os relatórios mencionam ainda movimentações atípicas sobre outros ex-assessores.
O último relatório solicitado teve como alvo Glenn Dillard, corretor americano responsável pela venda de imóveis em Copacabana ao senador. O Ministério Público vê indícios de lavagem de dinheiro nas transações.
Apenas após a produção desses seis relatórios ao longo de um ano e quatro meses, o Ministério Público solicitou as quebras de sigilos bancário e fiscal dos investigados. Elas foram deferidas em abril deste ano para o período de 2007 e 2018 —intervalo em que Queiroz esteve lotado no gabinete de Flávio na Assembleia.
Embora detalhados, os dados do Coaf diferem de uma quebra de sigilo bancário.
O órgão federal aponta apenas as movimentações consideradas suspeitas: alto volume, ou uso constante e fracionado de dinheiro em espécie, por exemplo. Essas transações são informadas por funcionários das instituições financeiras (como gerentes de banco) ao Coaf, responsáveis pelo texto da comunicação.
A quebra de sigilo, por sua vez, permite que os investigadores vejam toda a movimentação bancária, mesmo aquelas que não levantaram suspeita. Eles recebem um extrato completo e fazem os cruzamentos que consideram necessários para esclarecer o crime investigado.
Em alguns casos, uma movimentação que não se enquadra como suspeita pelos critérios do Coaf é relevante para a investigação.
A defesa de Flávio alega que os relatórios do Coaf foram usados como “atalho” para obter dados sigilosos sem o controle judicial. Apontam como exemplo o fato do órgão federal ter entrado em contato com o banco para obter informações mais detalhadas, o que considera ilegal.
O Ministério Público, por sua vez, afirma que os tribunais superiores já se manifestaram a favor do uso de relatórios do Coaf para instauração de inquérito.
Promotores citam decisão do ministro do STF Luís Roberto Barroso em que escreve que “não há nulidade em denúncia oferecida pelo Ministério Público cujo supedâneo [base] foi relatório do Coaf, que, minuciosamente, identificou a ocorrência de crimes vários e a autoria de diversas pessoas”.
Apontam ainda decisão da 5ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) na qual os ministros decidiram que “a requisição direta de informações pelo Ministério Público ao Coaf, sobre a existência de movimentação atípica independe de prévia autorização judicial”.
Ao decidir suspender os inquéritos com dados detalhados do Coaf, Toffoli usou como parâmetro trecho da lei complementar 15/2001 que trata de troca de informações entre instituições financeiras e a Receita Federal. Nela, está expressa a determinação de que os dados compartilhados com o Fisco devem identificar apenas os titulares das contas e a movimentação global mensal.
Essa lei complementar dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras. Na decisão, o ministro decide estender a todos os órgãos de fiscalização e controle —incluindo, então, o Coaf— a limitação antes imposta apenas a dados enviados à Receita. Ele citou a “higidez constitucional da intimidade e do sigilo de dados”.
O Coaf foi criado por outra lei, de 1998, cujo foco é o combate à lavagem de dinheiro. Nela, bancos e outras entidades são obrigados a “atender às requisições formuladas pelo Coaf na periodicidade, forma e condições por ele estabelecidas”.
OS RELATÓRIOS DO COAF SOBRE O CASO FLÁVIO
1º (jan.2018)
Produzido a pedido de procuradores, indicou movimentação de R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017 de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio. Foi também enviado ao Ministério Público estadual
2º (jul.2018)
Complemento do anterior
3º, 4º e 5º (de dez.2018 a jan.2019)
A pedido de procuradores, relatavam movimentações atípicas registradas entre 2007 e 2018 de Flávio e outros ex-assessores. Um deles detalhava 48 depósitos de R$ 2.000 entre junho e julho de 2017 na conta de Flávio
6º (mar.2019)
Teve como alvo Glenn Dillard, corretor responsável pela venda investigada de imóveis ao senador