Acordo Brasil-EUA não prevê livre-comércio
O acordo comercial entre Brasil e EUA não deve prever o livre-comércio em sua definição econômica tradicional, ou seja, eliminação total de tarifas e outras barreiras entre os países.
Autoridades que participam das negociações afirmam que as tratativas envolvem taxas, mas também questões não tarifárias e de investimentos, que passam pela integração da cadeia produtiva de aço e peças de aviação até parcerias no setor do agronegócio.
A avaliação é que a boa sinergia entre os dois governos não é suficiente para romper interesses políticos em barreiras históricas —como cotas tarifárias impostas pelos EUA sobre a compra de açúcar do Brasil— e que é preciso trabalhar em resoluções que vão além da liberalização comercial para que a agenda bilateral avance de fato.
No fim de julho, o presidente Donald Trump disse que sua administração buscaria um acordo de livre-comércio com o Brasil, gesto encarado com otimismo pelo governo Jair Bolsonaro.
O secretário de Comércio dos EUA, Wilbur Ross, por sua vez, foi mais cauteloso.
Um dia após a fala de Trump, ele viajou ao Brasil e sinalizou que as movimentações existem, mas há outras pendências antes de bater o martelo.
“Nunca finalizamos um acordo bilateral de investimento. Então há muito o que fazer no diálogo comercial antes do livre-comércio”,afirmou o secretário.
Ele acrescentou ainda esperar que o acordo entre Mercosul e União Europeia, assinado no fim de junho, não crie obstáculos para um eventual acerto comercial entre Brasil e EUA.
O governo brasileiro tem a avaliação de que, se envolver tarifas, o acordo com os americanos pode ter que ocorrer em conjunto com o bloco sul-americano, já que o Brasil faz parte da união aduaneira.
Mas mesmo os mais otimistas acreditam que uma aliança dessa magnitude não deva sair do papel em menos de cinco anos, apesar de ponderarem que a imprevisibilidade de Trump e Bolsonaro poderiam acelerar o processo.
Duas reuniões estão marcadas até o fim deste ano para definir a abrangência do possível acordo comercial.
Entre 24 e 26 de setembro, as cúpulas do Ministério da Economia do Brasil e do Departamento de Comércio dos EUA se reúnem em Brasília para tratar do assunto.
Em seguida, o Itamaraty e outros ministérios, como o de Agricultura e de Ciência e Tecnologia, devem se unir a membros do governo americano na Atec, comissão sobre relações econômicas e comerciais entre os países que, segundo diplomatas, foi reativada após a visita de Bolsonaro a Washington, em março.
Uma das propostas do Brasil é a suspensão de tarifas sobre produtos finalizados nos EUA cujo insumo é fornecido pelo mercado brasileiro, como é o caso do aço.
A mesma regra valeria no sentido contrário —dos americanos para o território brasileiro—, com expectativa de expansão para setores da indústria de autopeças e aviação.
Os EUA hoje são o maior mercado de exportação industrial do Brasil, enquanto a China é líder na importação de matéria-prima brasileira.
Outra frente pleiteada por Planalto e Itamaraty está na área de investimentos, citada pelo secretário de Comércio americano como um impasse a ser vencido.
Para fechar um acordo bilateral, os EUA exigiam uma cláusula que permitiria a um investidor processar o Estado caso se sentisse lesado em qualquer transação.
O Brasil nunca aceitou a proposta, mas, sob a gestão de Trump, vê espaço para tirar o item dos pré-requisitos, visto que os EUA não fizeram uso do dispositivo no acordo que fecharam com México e Canadá, por exemplo.
Pessoas que participam dos diálogos afirmam que ainda há espaço para entendimentos do setor privado em áreas em que Brasil e EUA são competidores, como o agronegócio.
Um grupo dos cinco maiores exportadores de produtos agrícolas do ocidente —Brasil, EUA, Canadá, México e Argentina— foi criado em maio e poderia ser explorado nesse sentido.
Há dúvidas, porém, sobre até que ponto os americanos topariam esse tipo de entendimento, visto que o Brasil tem pouco peso no mercado dos EUA e ambos concorrem na exportação de alimentos e petróleo.
Apesar de o ministro da Economia, Paulo Guedes, ter dito que o Brasil já começou a negociar com os EUA, as tratativas oficiais do acordo comercial ainda não foram lançadas.
Nos EUA, o Congresso precisa dar o aval para que o USTr —representante comercial americano— inicie a negociação formal, enquanto no Brasil o Legislativo chancela o trato somente depois que ele foi firmado.
A burocracia desanima investidores nos dois países. Eles reconhecem o bem-estar promovido pelas declarações de Trump e Guedes, mas estão céticos quanto à efetivação de um acordo de livre-comércio.
Segundo eles, a lista de prioridades para suas apostas no curto e médio prazo envolve privatizações e obras de infraestrutura.
Consideram que um acordo como esse pode levar décadas, usando como parâmetro a aliança firmada entre Mercosul e União Europeia, após 20 anos de negociação.
Diplomatas e investidores lembram ainda que Trump não é afeito a acordos de livre-comércio —em 2017, por exemplo, tirou os EUA do TPP (Tratado de Associação do Transpacífico, na sigla em inglês)—, por isso o interesse em levar as tratativas para outros âmbitos e setores.
Em campanha para 2020, o americano tem interesses eleitorais que se sobrepõem às prioridades econômicas com o Brasil, mas integrantes do governo Bolsonaro dizem que é preciso aproveitar esse período para avançar nas tratativas comerciais, já que a reeleição do republicano não está garantida e a vitória do Partido Democrata tornaria incerto o nível de relação a ser estabelecido com o Brasil.
Da FSP.