Bolsonaro segue o manual húngaro de combate à mídia crítica

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Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

O presidente Jair Bolsonaro está seguindo o manual húngaro de “Como acabar com a imprensa independente em dez lições”, obra de seu colega populista de direita, o primeiro-ministro Viktor Orbán.

Na Hungria, em poucos anos, a mídia crítica foi dizimada. Tal como Bolsonaro, Orban se queixava de que a mídia tradicional o atacava injustamente e tachava a imprensa independente de “fake news”.

Ele resolveu esse “problema” – empresários ligados a ele e a seu partido, Fidesz, compraram a maior parte dos veículos de mídia independente, que hoje se dedicam a propagar as ideias caras ao político de direita, como demonizar imigrantes.

A primeira lição do manual é sufocar economicamente a mídia. Os jornais já vivem um contexto financeiro difícil no mundo. Há anos, passam por uma crise em seu modelo de negócios, e poucos veículos conseguem ter lucro, mesmo com a combinação de assinaturas e anúncios online (que são fagocitados, na maioria, pelas grandes plataformas de tecnologia).

Acrescente-se a isso um governo aprovando leis que ameaçam a liberdade de imprensa e a viabilidade financeira dos veículos, e está criada a tempestade perfeita.

Na Hungria, Orbán aprovou uma série de leis de mídia que preveem multas para veículos de mídia que fizerem “cobertura desequilibrada”, “insultuosa” ou em violação à “moralidade pública”. Também acaba com a proteção ao sigilo das fontes. Obriga a mídia a fazer cobertura “autêntica, rápida e precisa” das notícias (do ponto de vista do governo, claro).

Orbán aprovou tributação que atinge em cheio a maior TV do país, a RTL, que, por acaso, é crítica a ele. Além de recorrer ao kit básico de intimidação (prometido por Bolsonaro) de cortar anúncios do governo em mídia que não é alinhada ao partido no poder.

Também foram adotadas várias medidas que dificultam uso de leis de acesso à informação (algo que quase ocorreu no Brasil, mas foi brecado pelo Congresso no início do ano).

No Brasil, Bolsonaro baixou nesta semana uma medida provisória para se vingar da imprensa. A MP acaba com a obrigação de empresas de capital aberto de publicar seus balanços em jornais de grande circulação. Elas poderão publicá-los gratuitamente no site da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), em vez de veículos impressos.

A publicação de balanços é fonte importante de receita para vários veículos.

Essa mudança já estava prevista, e é natural, uma vez que a tendência inexorável é a migração para o online. Mas ela seria implementada de maneira mais gradual.

De acordo com legislação aprovada pelo Congresso e sancionada pelo próprio presidente em abril, ainda seria exigida a publicação dos balanços em jornais de grande circulação até 31 de dezembro de 2021.

A MP tem efeito imediato após ser publicada e precisa ser aprovada em até 120 dias pelo Congresso para não perder a validade. Após a aprovação, passa pela sanção ou pelo veto do presidente.

Bolsonaro não deixou dúvidas sobre a motivação para a medida provisória.

“No dia de ontem eu retribuí parte daquilo que a grande mídia me atacou. Assinei uma medida provisória fazendo com que os empresários que gastavam milhões de reais ao publicar obrigatoriamente por força de lei seus balancetes agora podem fazê-lo no Diário Oficial da União a custo zero”, disse.

Ameaçou especificamente o jornal Valor Econômico, dizendo “espero que sobreviva à MP de ontem” e criticou supostas entrevistas que o jornal teria feito com ele, em declarações cheias de imprecisões.

Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ponderou que “retirar receitas dos jornais do dia para a noite” não é uma boa ideia.

Na quarta-feira (7), Bolsonaro anunciou que avalia retirar mais uma fonte de receita dos jornais – a publicação de editais de concorrências públicas, concursos e leilões.

E, em meio à polêmica mundial sobre suas políticas anti-ambientais, afirmou: “Nós estamos ajudando a não desmatar e estamos facilitando a vida dos empresários”.

Segundo informou o jornal Valor, todo o papel imprensa produzido pelo Brasil provém de reflorestamento, ou seja, não causa desmatamento.

Na Hungria, a estratégia de sufocar a imprensa tem funcionado maravilhosamente – segundo cálculo da London School of Economics, cerca de 90% da mídia húngara está sob influência do Fidesz hoje.

A Mediaworks, empresa controlada por um aliado de Orbán, compra participações em veículos de mídia e demite os jornalistas vistos como críticos ao governo, ou simplesmente fecha os jornais e rádios.

No ranking de Liberdade de Imprensa dos Repórteres sem Fronteiras , a Hungria está em 87º lugar entre 180 países. Desde que Orbán assumiu o poder, em 2010, a Hungria caiu 64 posições no ranking.
O Brasil, hoje, já está em 105º lugar no ranking de liberdade de imprensa.

Imagine o estrago que o manual húngaro pode fazer por aqui.

Da FSP