Delegada da PF colocou grampo clandestino na Lava Jato

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Foto: reprodução

Uma delegada e um agente da Polícia Federal admitiram ter instalado uma escuta dentro da superintendência do órgão em Curitiba, sem autorização judicial, para investigar funcionários da corporação suspeitos de atuar contra a Lava Jato nos primeiros anos da operação.

No entanto, após três anos de apurações sobre a conduta dos dois, apenas o agente foi punido —não pela instalação clandestina do equipamento, mas por ter informado “de forma imprópria” a outros policiais federais sobre o grampo.

A delegada que ordenou o grampo ilegal era a então chefe do NIP (Núcleo de Inteligência Policial) do Paraná, Daniele Gossenheimer Rodrigues, superior hierárquica do agente Dalmey Fernando Werlang, lotado no núcleo.

Vídeos e documentos da Sindicância Investigativa nº 5/2015, que tramitou sob sigilo e investigou o episódio do grampo, foram obtidos pela Folha. Procurada, a Polícia Federal confirmou que houve a apuração e que foi aplicada a punição ao agente —18 dias de suspensão, em novembro de 2018.

Daniele é casada com o delegado Igor Romário de Paula, que foi integrante da força-tarefa da Lava Jato na PF de Curitiba. Depois que o ex-juiz Sergio Moro se tornou ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro, o delegado virou diretor de combate ao crime organizado da corporação, em Brasília.

Já ela foi designada em maio substituta da divisão antiterrorismo da Diretoria de Inteligência Policial.

Do fim de 2014 ao início de 2015, quando chefiava o NIP do Paraná, Daniele recebeu informações sobre suspeitas segundo as quais delegados teriam montado um dossiê contra a Lava Jato e pretendiam repassar os dados a advogados que defendiam acusados da operação.

Foi aberto um inquérito para investigar esse suposto dossiê. Oficialmente, quem ficou à frente da investigação foi o delegado Mario Renato Castanheira Fanton. O agente Dalmey Werlang, que era lotado no NIP, também foi designado para a investigação. Embora não fosse a responsável pelo caso, Daniele acompanhava os trabalhos.

Em 13 de maio de 2015, após desavenças com a delegada, Dalmey revelou a superiores que instalou um grampo clandestino sob determinação dela. A Corregedoria da Polícia Federal decidiu abrir a sindicância para investigar Daniele e Dalmey. O delegado Fanton foi testemunha do procedimento.

​​Daniele depôs à Corregedoria em 17 de junho de 2015. A então chefe do NIP afirmou que, à época, discutia “eventuais medidas que poderiam ser solicitadas judicialmente” para a investigação sobre o dossiê.

Então, chegou à conclusão de que seria possível testar a escuta perto da janela da escadaria do segundo andar, local em que servidores usavam para fumar e onde se reuniam os delegados investigados.

O espaço está localizado num corredor frequentado, segundo ela própria, por todos os servidores que trabalham nele, onde ficam “pelo menos três delegacias e os servidores de todas elas usam a copa”.

“A gente não sabia se seria viável a instalação de um equipamento ali, se teria alguma utilidade de fato. A gente disse: ‘Vamos testar’. Se der certo, a gente pede autorização judicial para fazer a interceptação ambiental ali”, afirmou, no depoimento.

Ela afirma que a escuta foi escondida em uma luz de emergência, no fumódromo. O equipamento foi instalado por Dalmey em 3 de abril de 2015, uma Sexta-feira Santa.

“Na semana seguinte, ele [Dalmey] começou a acompanhar para ver como ficava. Desde o início —eu​ não ouvi nenhum áudio, então não tenho ideia se dava para identificar alguma coisa ou não—, ele me relatou que o áudio era muito, muito ruim.”

Segundo Daniele, a última vez que tratou com Dalmey do assunto foi “uns 15 ou 20 dias depois da instalação”. “Perguntei se ele tinha conseguido resolver o problema do equipamento, da qualidade do áudio. Ele disse que não, que realmente não tinha dado certo. Então eu falei: ‘Esqueça esse equipamento… [vamos] partir para outra’.”

No depoimento, ela ainda disse que não se recorda de ter determinado expressamente a Dalmey que retirasse o equipamento. Embora o grampo tenha sido encontrado no dia 13 de maio, Daniele só prestou justificativas formais sobre o episódio ao superintendente da PF no dia 21.

O delegado do caso do dossiê, Fanton, também depôs à Corregedoria, como testemunha. Ele disse, à época, que não participou do pedido a Dalmey para a instalação da escuta ilegal. Segundo ele, apenas solicitou oficialmente autorização judicial para instalar outros grampos, que não foram autorizados.

Fanton afirmou ainda que orientou Dalmey a procurar a corregedoria para relatar que havia grampeado clandestinamente o fumódromo.

Mais tarde, nesta mesma investigação, Fanton tomou um depoimento do próprio Dalmey que causou nova reviravolta no caso: o agente disse ao delegado que tinha instalado também, um ano antes, outro grampo ilegal, na cela do doleiro Alberto Youssef.

O delegado Fanton é alvo atualmente de uma denúncia da força-tarefa da Lava Jato por suposto vazamento de informação. Seus advogados, Elioena Asckar e José Augusto Marcondes de Moura Jr., afirmam que ele é vítima de perseguição após ter passado a investigar o grampo de Youssef.

Em novembro de 2018, Daniele e Dalmey foram absolvidos de possíveis infrações disciplinares pela instalação do grampo do fumódromo. Porém o agente foi suspenso por 18 dias por ter encaminhado “de forma imprópria, quando podia fazê-lo de outro modo, notícia de supostas irregularidades em ação policial que executara” nas dependências da superintendência.

Segundo o despacho, assinado pela Diretoria-Geral da PF, a instalação foi feita por Dalmey “a mando de sua então chefe imediata”, e ele revelou a medida “a terceiro que dela não devia ter ciência naquele momento”. Com isso, teria tumultuado e reduzido a eficácia da apuração dos fatos.

OUTRO LADO

Procurada, a Polícia Federal afirma em nota que “procede a informação de que dois servidores policiais foram acusados de instalar irregularmente equipamento de escuta ambiental em uma das dependências da Superintendência Regional do Paraná”.

“Tal fato foi, à época, descoberto gerando procedimento disciplinar em desfavor de ambos. No decorrer das apurações, restou demonstrado que as captações de áudios, na forma como haviam sido tentadas, através de testes promovidos pelos servidores, não eram viáveis tecnicamente e não se consumaram”, diz a nota.

“Após o devido processo administrativo, os dois servidores foram absolvidos da acusação. Por outro lado, por tratar-se de um procedimento onde eram apuradas várias condutas dos acusados, um dos servidores acabou recebendo uma reprimenda disciplinar por outro ato, também investigado no mesmo processo.”

Procurado, o agente Dalmey Werlang preferiu não se manifestar. A delegada Daniele Gossenheimer Rodrigues foi procurada por meio da assessoria da Polícia Federal, mas não se posicionou.

Da FSP