Lava Jato está tentando inventar nova definição de “vazamento”
A assessoria de imprensa da Lava Jato negou que os procuradores tenham vazado informações no caso do Estadão, dizendo ao Intercept que a força-tarefa “jamais vazou informações sigilosas para a imprensa, ao contrário do que sugere o questionamento recebido”. Para justificar essa negativa, a força-tarefa argumenta que uma informação passada à imprensa deve ser ilegal ou violar uma ordem judicial para ser caracterizada como “vazamento”. Nesse sentido, a força-tarefa argumenta que o material enviado por Dallagnol ao Estadão não violou, na sua visão, nem a lei nem ordem judicial, e que por isso não pode ser considerado vazamento.
Entretanto, essa reportagem não alega nem sugere que Dallagnol ou Santos Lima tenham cometido o crime de violação do sigilo funcional ou desobedecido ordens judiciais ao vazar para a imprensa informações que não eram de conhecimento público. O argumento da reportagem é que eles fizeram exatamente o que Dallagnol afirmou à BBC que nunca faziam: vazaram informações privilegiadas sobre as investigações que o público e a mídia desconheciam para atingir seus objetivos.
Para defender Dallagnol das evidências claras de que ele mentiu, a força-tarefa está tentando inventar uma nova definição de “vazamento”, um significado que só considera vazamento o que envolve uma violação da lei ou de uma ordem judicial. Mas não é isso que a maioria das pessoas entende como vazamento. Em sua entrevista à BBC Brasil, Dallagnol não negou que a força-tarefa realizasse vazamentos ilegais: ele negou que a força-tarefa tenha realizado quaisquer vazamentos: “agentes públicos não vazam informações”, ele disse, completando: “Nos casos em que apenas os agentes públicos tinham acesso aos dados, as informações não vazaram”.
A insistência da força-tarefa de que nunca realizou nenhum vazamento é especialmente bizarra tendo em vista que o próprio Santos Lima alardeou ter feito exatamente isso, usando a justamente palavra vazamento: “meus vazamentos objetivam sempre fazer com que pensem que as investigações são inevitáveis e incentivar a colaboração”, escreveu, o que demonstra que nem os próprios procuradores entendem a palavra “vazamento” da forma que eles agora definem. Além disso, em sua conversa com o repórter do Estadão, Dallagnol descreveu a informação que ele estava enviando, sobre a proposta de colaboração com os EUA, como “novidade”, e por essa razão insistiu que a informação que ele enviou só poderia ser publicada “mantendo meu nome em off”. Se a informação já era pública, como defende a Lava Jato por meio de sua assessoria, por que pedir off?
Além disso, a própria nota enviada ao Intercept admite que os procuradores adiantaram uma ação da investigação ao Estadão – uma informação privilegiada, portanto, ainda que não protegida por sigilo judicial formalizado. “O único caso mencionado na consulta à força-tarefa se refere a uma reportagem do Estadão que combinava dados disponíveis em processos públicos e uma informação nova, igualmente sem sigilo, sobre possíveis estratégias que se cogitavam adotar no futuro, em relação à formulação de pedido de cooperação a ser enviado, o que não caracteriza vazamento”, diz a nota. De fato, a colaboração com a Suíça citada na reportagem era pública, mas a “informação nova” (o pedido de ajuda aos EUA que foi a manchete do jornal) não era pública porque nem sequer havia sido formalizada até a publicação do texto.
Dessa forma, a negativa da força-tarefa de que os procuradores fizeram exatamente o que Deltan falsamente insistiu que nunca fizeram — vazar para a mídia informações que não eram de conhecimento público — é desmentida pelas próprias palavras dos procuradores, conforme publicadas no chat acima, em que eles mesmos descrevem suas ações como “vazamentos”. É também desmentida pela insistência de Dallagnol ao repórter que as informações passadas ao Estadão não fossem atribuídas a ele. É desmentida ainda pelos repetidos episódios em que os procuradores admitem ter vazado à mídia informações sobre as investigações, quase sempre usando especificamente a palavra “vazamentos” que eles agora buscam redefinir. E é desmentida, por fim, pela nota enviada ao Intercept.