Lula defende permanência de Gleisi na presidência do PT
Confira a seguir a entrevista à BBC News Brasil, em que Lula responde a críticas a ele e ao PT sobre Belo Monte, fake news, alta do desemprego, Venezuela entre outras.
Acontece agora a discussão sobre a sucessão da presidência do partido. Algumas pessoas dentro do PT já declararam publicamente, como o Washington Quaquá, presidente do partido no Rio de Janeiro, que consideram que o melhor seria o Fernando Haddad assumir o comando do PT, porque seria um nome com discurso mais moderado, que falaria para além da base mais fiel petista. E consideram que a deputada Gleisi Hoffmann (atual presidente) é o oposto disso. Por que a insistência no nome dela para presidente do PT, em vez de uma renovação?
Por que você dá tanto valor a uma fala do Quaquá, que quer o Haddad, e nenhum valor a minha fala, que quero a Gleisi? A Gleisi é a melhor pessoa nesse momento para ser a presidenta do PT.
Por quê?
Porque ela é corajosa, porque ela defende o PT em qualquer situação, e porque ela provou que foi uma extraordinária presidente. Eu não estou dizendo para você, eu disse para o Haddad: “Você não deve ser candidato a presidente do PT. Você virou uma personalidade pública nesse país. Se você entrar na presidência do PT, você vai ficar com um carimbo na testa de PT e você não vai ter a amplitude que você pensa que vai ter”.
Quando eu, nas eleições de 1989 virei muito grande, sabe o que eu fiz? Criei um instituto, saí da presidência do PT, para poder ter relações com outras pessoas. Por isso que eu acho que o Haddad não pode ser presidente do PT, porque o Haddad teve uma representação maior do que o partido. Ele precisa conversar com essa sociedade além do PT que votou nele e ele não pode estar com um carimbo do PT. Ele tem que ser uma personalidade.
É simplesmente por isso que eu pedi para o Haddad não ser presidente e pedi para o partido que a Gleisi Hoffmann é a pessoa que tem mais competência hoje para ser presidente do partido.
A entrevista é justamente para trazer as críticas para o senhor responder.
Eu sei. Você não tem veto, pergunta o que você quiser.
Alguns críticos também dizem que o PT deixou de ter esferas democráticas, não faz eleição para a presidência do partido. Tudo passa pelo senhor. O senhor decide que não vai ser o Haddad, e vai ser a Gleisi. O senhor não fica como espécie de dono do PT, que decide tudo? Claro que o senhor tem muita visão política, mas as decisões não estão muito centralizadas nas suas mãos?
De vez em quando você vai ter que conversar com uns amigos meus, você só conversa com alguns inimigos [fala em tom de brincadeira]. Eu há muito tempo que não participo de reunião do PT, mas desde que o PT nasceu eu me considero petista como a unha com a carne. Eu tenho interesse pelas coisas do PT e, naquilo que eu sou consultado, eu tenho opinião.
Eu tenho opinião para defender o PT como maior partido de esquerda da América Latina, quiçá (do mundo), só não é do mundo por causa do Partido Comunista Chinês. Mas não tem nenhum partido similar ao PT. O partido é muito forte, é por isso que tem um ódio contra o PT. O PT não é odiado pelas coisas más que ele fez. É odiado pelas coisas boas. E toda vez que eu posso dar um palpite no PT, eu dou.
Quando houve o colégio eleitoral, eu era contra expulsar deputado do PT que furou o colégio eleitoral. Eu perdi, o PT expulsou. E eu me contentei. Eu era favorável que a gente tivesse no país o parlamentarismo. Quando chegou na Constituinte, o PT fez uma prévia interna, uma votação, mais de 80 mil pessoas votaram, e eu perdi, e eu acatei.
Então, no PT a gente perde e a gente ganha, porque o PT é um partido altamente democrático. Se eles quiserem tomar uma decisão, eles tomam uma decisão, eu não preciso nem ouvir, posso nem saber.
Entretanto, quando os companheiros do PT decidem mandar notícias para mim, é porque há uma relação de confiança entre eles e eu. E eu acho isso muito bom, porque eu sempre tive muita confiança no PT.
O senhor está falando da força do PT. O partido conseguiu, mesmo desgastado, chegar ao segundo turno da eleição presidencial de 2018. Mas, por outro lado, o PT teve um encolhimento muito grande no número de prefeituras na eleição de 2016. O bom desempenho de 2018 também ficou muito localizado no Nordeste. Como será estratégia do PT para se recuperar disso? Como vão furar a bolha do antipetismo, por exemplo, mantendo na presidência uma pessoa com discurso mais radical?
A importância da democracia é a possibilidade dessa alternância de poder que ela permite. Em 1980, eu fui fazer greve contra a Margaret Thatcher [então primeira ministra britânica pelo Partido Conservador]. Na época, parecia que ela era invencível. E logo depois apareceu o Partido Trabalhista, e ganhou. Depois parecia que o Tony Blair (primeiro ministro do Partido Trabalhista) era invencível. Logo aparece outra pessoa e derrota ele [na realidade, Tony Blair decidiu não concorrer a um terceiro mandato e foi sucedido por Gordon Brown, também do Partido Trabalhista.] É assim a democracia.
O PT (em São Paulo) já ganhou com a Marta (Suplicy, ex-prefeita), já perdeu, já ganhou com o Haddad (também ex-prefeito), já perdeu. Mesmo na Presidência, um dia o PT tinha que perder. O que eu lamento é que não tenham deixado o PT disputar com sua força toda. O PT, esqueça a eleição de 2012, ela acabou, esqueça a de 2016, ela acabou. Vamos pensar na eleição de 2020. O PT precisa escolher um candidato, e disputar as eleições ou fazer aliança política. O PT é o único partido enraizado nas entranhas do povo brasileiro.
Sobre as eleições municipais de 2020, uma reportagem da revista Veja indicou que o senhor defendeu uma aliança nacional com PSB, PDT, PCdoB e PSOL na qual o partido que tiver o candidato com mais chances de vitória receberia apoio dos demais. Isso é verdade? Como estão essas conversas para 2020?
Eu nunca dei entrevista para a Veja, e nunca acredito na revista Veja. A Veja eu considero um lixo.
Eles ouviram interlocutores do senhor. Como está essa articulação entre os partidos?
Eu acho que o PT tem que fazer aliança política e o PT tem que trabalhar sabendo que alguns momentos a melhor opção não é a candidatura do PT, é a candidatura de outros partidos políticos. E o PT fazer aliança. Nós já cansamos de fazer. Nós já apoiamos outros candidatos em Porto Alegue, já apoiamos outro candidato em outras cidades. Não tem nenhum problema.
Em São Paulo, se o PT não tiver um candidato e algum partido aliado tiver um bom candidato, o PT tem que fazer aliança. E vale para (a eleição para) presidente da República (em 2022). Se o PT tiver um partido que tem um candidato melhor do que o PT, por que não apoiar o candidato? Aliança não vale só quando o PT está na cabeça, vale quando os outros também podem estar na cabeça.
Agora, o que não pode é o PT aceitar a ideia das pessoas não gostarem do PT porque o PT é muito grande. Olha, que culpa tem o PT? O PT (nas disputas presidenciais) foi o segundo em 89, o segundo em 94, foi o segundo em 98, foi o primeiro em 2002, foi o primeiro em 2006, foi o primeiro em 2010, foi o primeiro em 2014, e seria o primeiro em 2018, mas foi o segundo outra vez.
Olha, que culpa tem o PT se, desde 1989, o PT está em primeiro ou segundo lugar em todas as pesquisas feitas no país em todas as disputas (presidenciais)? O PT, se você pegar as eleições estaduais, têm vários Estados em que o PT apoia candidato de outros partidos políticos. É assim. Agora, o PT é muito grande.
Então, no próximo ano, o PT pode não ter candidato em São Paulo?
Pode, pode. O PT sabe o que eu penso. O PT tem muita gente em São Paulo, muita gente. Agora, é importante saber quem vão ser os adversários. Eu disse para o Haddad que ele não deveria ser candidato a prefeito de São Paulo, porque acho que ele saiu muito grande do processo eleitoral. Nós precisamos cuidar do Haddad para conflitos políticos maiores.
Acho que o PT tem que medir qual a chance que tem de construir aliança, qual a chance de sair sozinho. Não apenas em São Paulo. Tem que pensar no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais, em Pernambuco, no Brasil inteiro. E fazer aliança para mim não é um questão de princípio, é uma questão de conveniência política momentânea.
Da FSP