Randolfe se afastou da Lava Jato após vazamentos de mensagens

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Foto: Reprodução

Aliado de primeira hora dos procuradores da Lava Jato e de outros integrantes do MPF (Ministério Público Federal), como mostram os chats privados, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) chegou a figurar como investigado na operação após ser mencionado por dois delatores e supostamente aparecer na planilha da Odebrecht.

Os procedimentos contra ele foram arquivados pelo STF (Supremo Tribunal Federal) por falta de elementos mínimos para um inquérito, mas, mesmo durante o período em que foi investigado, Randolfe continuou sendo tratado pelos integrantes da Lava Jato e por outros procuradores como um interlocutor preferencial na defesa dos interesses da categoria no Congresso, conforme revelam mensagens enviadas por fonte anônima ao site The Intercept Brasil analisadas em parceria com o UOL.

A proximidade com a Lava Jato só foi rompida após a publicação dos diálogos comprometedores envolvendo o ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça; o procurador da República Deltan Dallagnol, chefe da Força-Tarefa da Lava Jato em Curitiba; e outros procuradores envolvidos nas investigações.

A partir daí, Randolfe adotou postura crítica em relação ao que considerou “práticas abusivas” da Lava Jato.

Na ocasião, o senador se manifestou, por meio do seu perfil no Twitter, dizendo que “as reportagens mostram fatos que interferiram diretamente nas eleições de 2018”. “Espero que Moro e Dallagnol expliquem essa relação entre Judiciário e MP [Ministério Público]. Não podemos deslegitimar todo o combate à corrupção por conta de erros dos dois”, afirmou.

Conforme reportagem do blog de Tales Faria, no UOL, Randolfe disse que “agora tem que separar o joio do trigo”, pois algumas ações da Lava Jato, a partir do que se notou nas mensagens reveladas pelo Intercept, estariam comprometidas. “Aquela em relação ao ex-presidente Lula é uma delas”, disse.

O senador chegou a dizer que Moro havia perdido as condições de permanecer à frente da pasta da Justiça e que “é praticamente impossível que venha a ser ministro do Supremo Tribunal Federal. Aqui no Senado, tenho certeza de que ele não teria os 41 votos necessários” para confirmar uma nomeação, disse ao UOL na mesma ocasião.

Delações

Randolfe foi mencionado em duas delações premiadas. Em julho de 2015, Carlos Alexandre de Souza Rocha, o Ceará, ex-funcionário do doleiro Alberto Youssef, relatou que o chefe teria lhe contado sobre um pagamento de R$ 200 mil para Randolfe entre 2012 e 2013, como parte de uma ofensiva no Congresso para barrar a instauração de uma CPI para investigar a Petrobras.

Confrontado, Youssef negou ter feito pagamentos ou mesmo conhecer o senador, e o caso acabou arquivado pelo ministro Teori Zavascki, então relator da Lava Jato no STF, em dezembro de 2015.

Randolfe também apareceu em arquivos e colaborações de executivos da empreiteira Odebrecht. Na famosa planilha da Odebrecht, que registrava pagamentos de propina e caixa 2 para centenas de políticos, há uma suposta menção ao senador.

Ele teria supostamente aparecido como “Randolfo”, identificado como do “PSOL”, localizado em “AMAPÁ – MACAPÁ” e atribuído ao codinome “Múmia”. A empreiteira registra um pagamento de R$ 450 mil feito em três remessas entre agosto e setembro de 2012. O material foi apreendido na casa do executivo Benedicto Júnior — que comandava o setor de Operações Estruturadas da empreiteira, responsável pelos pagamentos de propina e caixa 2– em fevereiro de 2016, durante a 23ª fase da Lava Jato.

Outro executivo da empreiteira –Alexandre Barradas, da Odebrecht Ambiental– também envolveu o senador. Segundo o delator, um advogado goiano chamado Rafael teria o levado a uma reunião com Randolfe.

Barradas destaca que não discutiu o pagamento de valores com o senador, mas que acertou com Rafael uma doação ilegal de R$ 450 mil. Pontua, porém, que inferiu que “este [Rafael] provavelmente teria liberdade de falar” em nome do senador.

Em novembro de 2017, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, determinou o arquivamento do procedimento criminal com base na delação de Alexandre Barradas.

O senador sempre negou as acusações dos delatores. Sobre a planilha da Odebrecht, Randolfe declarou na ocasião, em ofício à PGR, ver a citação que faz referência a seu nome com “perplexidade” e reforçou “postura política de defesa intransigente da moralidade pública e de combate implacável à corrupção”.

Randolfe ainda destacou no documento uma série de votações em que teria se posicionado contra os interesses das grandes empreiteiras. O senador ainda colocou à disposição do MPF seus sigilos bancários em 2012 e 2014 e cobrou a apuração das informações contidas na planilha.

Projetos de procurador apresentados por Randolfe

Mesmo na condição de investigado, o senador continuou sendo próximo dos procuradores, como fica evidente em um diálogo travado em 5 de outubro de 2016 –antes do arquivamento do caso Odebrecht Ambiental– no grupo Brigada Digital, que reúne procuradores de vários estados do país.

Na ocasião, o procurador da República Helio Telho, do MPF em Goiás, envia um projeto de lei apresentado por Randolfe aos colegas no chat. Telho é integrante do Núcleo de Combate à Corrupção do MPF-GO e foi um dos procuradores responsáveis pela prisão do ex-governador Marconi Perillo (PSDB-GO) na Operação Cash Delivery, em setembro de 2018.

O procurador Marcos Antônio da Silva Costa pergunta a ele se o projeto em questão é “um daqueles” de sua autoria apresentados pelo senador. Telho confirma que Randolfe costumava representar interesses dos procuradores. O texto chega a ser elogiado pelo procurador Júlio de Castilhos.

Os procuradores da Lava Jato chegaram a comemorar a sua reeleição, no grupo Winter is Coming, em um diálogo de 7 de outubro do ano passado, dia do primeiro turno das eleições. Enquanto o resultado das urnas era apurado, o procurador Helio Telho comemorava os números parciais que mostravam o político à frente da disputa para o Senado pelo Amapá.

Telho se referiu a Randolfe como “aliado nosso” e, algumas horas depois, a procuradora Janice Ascari se disse “muito feliz” com o resultado final, que o reelegeu.

Discursos pró-Lava Jato no Senado

Após seu partido propor uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) no STF contra o ministro Gilmar Mendes, Randolfe colheu os louros de mais um movimento em sintonia com os investigadores. Desde que chegou ao Senado, em 2010, o político amapaense foi gradativamente se firmando como um dos principais canais dos procuradores da Lava Jato na Casa.

Líder do movimento dos caras pintadas, que ajudou na deposição do ex-presidente Fernando Collor, no Amapá, Randolfe entrou na vida política em 1998, quando se elegeu deputado estadual pelo PT. Ele se reelegeu na eleição seguinte, mas decidiu deixar o partido em 2005, entrando no recém-fundado PSOL.

Foi pelo PSOL que Randolfe surpreendeu, tendo sido eleito o senador mais jovem do país em 2010, aos 36 anos. No Senado, disputou a presidência da Casa com José Sarney (MDB) em 2011.

Logo assumiu um discurso em defesa da ética na política que o aproximaria dos integrantes da Lava Jato. Ele chegaria a ser lançado pré-candidato à presidência da República pelo PSOL em 2014, mas seu nome sofreu críticas de militantes. Randolfe acabou desistindo da disputa e, em 2016, deixou o partido para se juntar à Rede.

Desde março de 2014, quando a primeira fase da Lava Jato foi deflagrada pela PF, Randolfe tem sido um incansável defensor da operação e do MPF no Senado. Ele discursou em plenário ao menos nove vezes sobre o assunto, segundo levantamento feito pelo UOL no sistema de taquigrafia da Casa.

Seu primeiro discurso sobre o tema ocorreu em 16 de abril de 2014, quando citou a prisão de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras.

Desde então, comentou –sempre em tom elogioso– os principais passos da investigação.

Com a deflagração da Operação Juízo Final, 7ª fase da Lava Jato, que prendeu presidentes e executivos de empreiteiras como OAS, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa, UTC e Engevix, o senador disse que “o que estamos assistindo com essa chamada Operação Lava Jato é prova de um jogo de cumplicidade de interesses entre políticos e empreiteiras”.

Em novembro de 2016, leu em plenário uma nota da força-tarefa sobre articulação na Câmara para mudar as regras dos acordos de leniência com empresas –expediente usado pela Lava Jato para obter a colaboração de empreiteiras. O senador disse haver “uma tentativa de obstacularizar e atrasar o rumo das investigações”.

Em nota ao UOL na noite de ontem, Randolfe informou que sua postura em relação ao combate à corrupção “é intransigente, doa a quem doer, sempre respeitando as regras do Estado de Direito, e não se limita às fulanizações e personalizações”.

O senador também afirmou que “a decisão quanto à propositura de medidas legislativas sempre passa por rigoroso crivo político interno, de modo que jamais se converteu em mero porta-voz de quem quer que seja”.

Do UOL