Santa Cruz: “Bolsonaro deveria corrigir suas declarações”
O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, afirmou nesta sexta-feira que o país vive um “clima de ódio” e que o presidente Jair Bolsonaro deveria “corrigir a tempo” as declarações recentes sobre a morte de Fernando Santa Cruz durante a ditadura.
O líder da entidade que representa os advogados brasileiros disse ainda que a Polícia Federal (PF) investiga ataques recentes a ele e à própria filha, de 13 anos, nas redes sociais.
— Lamento que ele (Bolsonaro) tenha dito que não falou nada de mais. O Brasil viu — disse o presidente da OAB, que participou de um encontro do Instituto de Advogados de São Paulo (IASP), na capital paulista.
Santa Cruz comentou sobre os ataques recebidos pela web e sugeriu que, no momento, o ódio e a polarização influenciam o cotidiano dos brasileiros:
— Qualquer brasileiro que entre na internet se preocupa com o clima desse debate, agressivo, baseado em notícias falsas. Não vi pessoalmente as ameaças, mais como uma proteção de espírito, para não me contaminar. Minha equipe identificou (os ataques) e coube à OAB comunicar à PF. Confio que o perfil será identificado e que se esclarecerá, antes de mais nada, se é um destempero que as pessoas falam ou se é algo com que devemos nos preocupar como relevante contra minha segurança e a da minha família — afirmou Santa Cruz.
No começo da semana, Bolsonaro disse que poderia esclarecer o desaparecimento do pai de Santa Cruz, Fernando. Estudante de Direito, ele integrou o grupo revolucionário Ação Popular (AP), contrário ao Regime Militar. Bolsonaro afirmou Santa Cruz foi morto por militantes de esquerda em supostas desavenças internas do grupo. Documentos, no entanto, informam que ele foi morto sob custódia do Estado.
— (Bolsonaro) não pode dizer tudo que acha e pensa porque ele é mais do que ele mesmo. Ele representa a Presidência da República, que é uma instituição, e existem decoro e postura exigidos pelo cargo. É importante que ele corrija isso a tempo — defendeu Santa Cruz.
Ele afirmou ainda que não vai transformar o episódio em um “bate boca” com o presidente, mas ressaltou que essa “é uma oportunidade para discutir a democracia, a diferença entre Estado e política de governo, entre público e privado”:
— Temos uma agenda maior a discutir para o país. Não vou transformar isso em um bate boca — afirmou. — Não tornarei isso um episódio pessoal.
‘Mal terrível’
Na quarta-feira, o presidente da OAB acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir explicações a Bolsonaro sobre a suposta versão da morte de Fernando Santa Cruz.
A declaração do presidente da República vai contra registros oficiais que reconhecem a responsabilidade do Estado no sequestro e desaparecimento do então estudante de Direito em 1974. Bolsonaro terá quinze dias para prestar esclarecimento à Corte, se assim desejar.
— O presidente disse diante do Brasil inteiro, com a força do cargo que tem, que ia esclarecer a morte do meu pai. Espero que faça isso — reafirmou o advogado.
Em São Paulo, Santa Cruz ainda lamentou as trocas na Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Ontem, quatro dias depois das declarações sobre Fernando Santa Cruz, Bolsonaro e a ministra Damares Alves substituíram quatro dos sete integrantes da comissão.
— É preocupante uma visão unilateral de governo, que preenche conselhos, onde é fundamental a participação da sociedade civil, com a opinião única e exclusiva daqueles que estão no poder — comentou. — Há uma preocupação com um princípio de exclusão em todos os conselhos. O governo tem que corrigir esse rumo, com vistas à democracia. Não pode se isolar. Não pode ter polarização para alijar o outro do debate político. Isso fará um mal terrível a nosso país.
Santa Cruz afirmou ter preocupação com uma “idealização do autoritarismo”:
— Me preocupo que essa postura e esse debate feitos dessa forma reabram velhas feridas. Assisto a uma parcela da nossa juventude idealizando o autoritarismo, o calar a arte, a liberdade, as diferenças. É mais grave ainda. Há um debate que tenta contaminar um parcela da sociedade — finalizou o presidente da OAB.
De O Globo