Silêncio de Moro sobre PF incomoda o órgão
O silêncio do ministro da Justiça, Sergio Moro, diante dos sucessivos movimentos de interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal tem causado estranheza na cúpula do órgão.
Nos sete dias que se seguiram desde a primeira manifestação do presidente, no último dia 16, o ex-juiz não deu nenhuma declaração sobre esse assunto e tentou, por meio de interlocutores, passar a impressão de que estava distante do problema.
Depois de atropelar a PF e anunciar uma troca na superintendência do Rio, sugerindo inclusive um nome para a mudança, Bolsonaro colocou em xeque nesta quinta-feira (22) a permanência do diretor-geral, Maurício Valeixo, à frente do órgão.
“Agora há uma onda terrível sobre superintendência. Onze [superintendentes] foram trocados e ninguém falou nada. Sugiro o cara de um estado para ir para lá: ‘Está interferindo’. Espera aí. Se eu não posso trocar o superintendente, eu vou trocar o diretor-geral”, afirmou Bolsonaro.
“Se eu trocar hoje, qual o problema? Está na lei que eu que indico e não o Sergio Moro. E ponto final”, completou.
Moro, em seu Twitter, postou mensagens sobre assuntos diversos, mas não tocou nessa polêmica. Em eventos da pasta ao longo da última semana, o ministro fez discursos e falou sobre o projeto de abuso de autoridade, que foi aprovado na Câmara e aguarda sanção presidencial.
A Polícia Federal é uma instituição subordinada ao Ministério da Justiça. Valeixo virou chefe da PF por escolha de Moro. Os dois se conhecem há vários anos e trabalharam juntos na Operação Lava Jato.
Além da interferência na PF, Bolsonaro enfrentou críticas nos últimos dias por mudanças na Receita Federal e no Coaf —órgão de inteligência financeira que passou para a alçada do Banco Central, com alteração de nome e a saída de um aliado de Moro do comando.
“Ora, eu fui [eleito] presidente para interferir mesmo, se é isso que eles querem. Se é para ser um banana ou um poste dentro da Presidência, tô fora”, justificou Bolsonaro na última quarta-feira (21).
As últimas declarações do presidente provocaram críticas de policiais federais e fez ganhar força a proposta de necessidade de autonomia do órgão.
Enquanto isso, pessoas próximas a Moro passam o discurso de que não há chance de ele deixar o governo por causa da interferência de Bolsonaro e que vai dar continuidade aos seus compromissos, sem tempo para priorizar a questão da PF.
No início da crise, Valeixo decidiu publicar uma nota oficial desmentindo o presidente, defendendo Ricardo Saadi, superintendente do Rio, e dizendo que já havia escolhido Carlos Henrique Oliveira, atual superintendente de Pernambuco, para o cargo.
O movimento, considerado ousado, foi feito contando com um suposto respaldo do ministro, que já estava ciente da escolha da PF. A expectativa era de que Moro bancasse o nome da direção-geral, inclusive publicamente.
Mais do que isso, a cúpula do órgão esperava que o assunto já estivesse resolvido entre o presidente e o ministro.
Durante todas as primeiras horas do período mais conturbado, Valeixo disse diversas vezes a pessoas próximas que deixaria o cargo caso Carlos Henrique fosse impedido de assumir o posto no Rio. Afirmava, também, que esperava o mesmo do ministro.
No dia seguinte, porém, o primeiro momento mais crítico da crise —na sexta passada (16), quando Bolsonaro disse que é ele quem manda na polícia—, a cúpula da PF esperava que Moro se posicionasse, ao menos para defender a autonomia do órgão, ainda que fosse de forma sutil. Minutos depois da declaração, Bolsonaro arrefeceu e disse que tanto fazia quem seria o escolhido para a superintendência do Rio.
Enquanto delegados e dirigentes especulavam se Moro havia falado com o presidente para ele ter baixado o tom, pessoas próximas ao ministro diziam garantir que os dois não tinham se encontrado e não tinham nem sequer se falado ao telefone.
Nesta quinta (22), ao tempo em que Carlos Henrique Oliveira já não sabia mais se mantinha ou desfazia as malas para assumir a superintendência do Rio e Valeixo não tinha mais certeza da permanência, Moro permanecia calado.
“O Valeixo pode querer sair hoje. Não depende da vontade dele. E outra, ele é subordinado a mim, não ao ministro. Deixo bem claro isso aí. Eu é que indico. Está bem claro na lei, o diretor-geral”, afirmou Bolsonaro de manhã.
No início da noite, com a PF quase de cabeça para baixo, o ministro postou no Twitter uma foto com juízes federais.
“Recebi a visita ilustre dos dirigentes da Associação Paranaense dos Juízes Federais, Fabrício Bittencourt e Gabriela Hardt, com manifesto com receios sobre o projeto de abuso de autoridade. Estamos avaliando com atenção todos os lados da questão”, escreveu na rede social.
Valeixo passou os dois últimos dias em Salvador, onde participou e discursou em dois eventos, um organizado pela ADPF (Associação dos Delegados da Polícia Federal) e outro pela própria direção, reunindo comunicadores internos de todo o país. Segundo pessoas que o acompanharam, ele estava mais abatido que o normal, embora fazendo brincadeiras, como é de costume.
No encontro interno da PF, de acordo com pessoas presentes à reunião, Valeixo fez uma breve análise do cenário no Brasil, dizendo continuar havendo uma polarização e pedindo cuidado para os servidores na comunicação do órgão. Em seu breve discurso, provocou risadas no público, especialmente quando disse que a polícia sempre está em meio a crises.
Mesmo com a chance de troca do diretor-geral, a avaliação da cúpula da PF e de delegados é de que o mais grave ato de Bolsonaro até agora foi ao mostrar interferência na superintendência do Rio, que tradicionalmente é uma decisão interna.
No entendimento de dirigentes, a escolha do diretor-geral nunca deixou de ser uma escolha política, enquanto a do superintendente era blindado de pressões externas.
Em 2018, o ex-presidente Michel Temer trocou Leandro Daiello, o mais longevo diretor-geral da PF desde a democratização, por Fernando Segovia, que ficou apenas três meses no cargo. O nome de Segovia era vinculado a políticos do governo e sofreu resistência de servidores do órgão.
Da FSP