
Grupos LGBT pedem que PGR denuncie Bolsonaro por lgbtfobia

Cinco grupos de defesa de direitos LGBT pediram que a Procuradoria-Geral da República (PGR) denuncie o presidente Jair Bolsonaro pelos crimes de lgbtfobia e racismo. A acusação tem como base o veto do governo federal a obras em edital da Ancine (Agência Nacional do Cinema) por terem temática LGBT, além de declarações recentes do ex-deputado com críticas às famílias homoafetivas e ao que chama “ideologia de gênero”.
Na petição, o grupo alega que há “provas cabais, que estabelecem certeza acima de qualquer dúvida razoável, de que o Sr. Presidente da República efetuou declarações com claríssimo intuito homotransfóbico, de sorte que absolutamente caracterizado o dolo indispensável à configuração dos crimes de racismo aqui noticiados”.
A representação é baseada na decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em junho, equiparou a lgbtfobia ao crime de racismo.
O documento é assinado pela ABGLT (Associação Nacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos), pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), pela Aliança Nacional LGBTI, pela ABRAFH (Associação Brasileira de Famílias Homotransaafetivas) e pelo GADvS (Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero).
Para o advogado que assina a peça, Paulo Iotti, são “intencionalmente discriminatórias” as declarações em que Bolsonaro defendeu que a Ancine não auxilie filmes sobre homens negros homossexuais e sobre pessoas transgênero.
Ancine corta produções LGBT
Após o presidente criticar produções audiovisuais de temática LGBT pré-selecionadas em um edital para TVs públicas, o governo decidiu suspender, em agosto, o processo de seleção das obras. A portaria que veta o edital foi assinada pelo ministro da Cidadania, Osmar Terra.
Em live no Facebook, Bolsonaro atacou 4 obras audiovisuais com temáticas LGBT e de diversidade sexual, que buscavam autorização de edital da Ancine, do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) e da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
Afronte, Transversais, O sexo reverso e Religare queer concorriam à chamada pública “RDE/FSA PRODAV”, que visava selecionar obras para a programação da TV pública em canais como a TV Brasil. Os vencedores seriam financiados por meio do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).
“Olha, a vida particular de quem quer que seja, ninguém tem nada a ver com isso, mas fazer um filme mostrando a realidade vivida por negros homossexuais no DF, não dá para entender. Então, mais um filme aí, que foi pro saco, aí. Não tem cabimento fazer um filme com esse enredo né?”, disse Bolsonaro.
De acordo com as associações, o episódio configura “crime de racismo negrofóbico e homotransfóbico do Sr. Presidente da República caracterizado pelo claríssimo desdém e desprezo que o Sr. Presidente da República demonstrou ao objeto dos filmes em questão, em razão das identidades concretas por eles trabalhadas, cuja reflexão visaram promover, a saber, pessoas homossexuais negras e transgênero”.
Discriminação a famílias homoafetivas
Outro argumento que sustenta as acusações de discriminação são falas do presidente críticas a famílias homoafetivas. O documento cita frases ditas na Marcha para Jesus, em 10 de agosto. “Apresentem uma emenda à Constituição e modifiquem o artigo 226, que lá está escrito que família é homem e mulher. E mesmo mudando isso, como não dá pra emendar a Bíblia, eu vou continuar acreditando na família tradicional”, disse Bolsonaro.
É citada também outra frase do presidente: “Mudou o governo, não é mais o PT que está aqui, onde a família era um lixo, e os valores familiares não valiam nada, onde se aceitava qualquer coisa em nome da família”. Seguida por: “Família é homem e mulher, tá lá. Emende a constituição, dizendo seja lá o que for e a gente vê como é que fica. Como eu sou cristão, eles vão ter que apresentar uma emenda à Bíblia. Não sei quem vai votar. Então, vou continuar agindo da mesma maneira”.
De acordo com os grupos ”é simplesmente indefensável negar que houve uma menosprezo às famílias homoafetivas”, o que configuraria o crime de racismo homofóbico ao comparar as famílias homoafetivas a um “lixo”, bem como o fato de ter “deixado cristalinamente claro” que não protegerá esse tipo de arranjo familiar.
A petição cita ainda que, ao falar que ignoraria uma eventual mudança no texto constitucional, “houve por claríssimo fundamentalismo (extremismo) cristão-teocrático, que a Bíblia cristã seria o grande parâmetro de sua conduta, enquanto Chefe de Governo e de Estado no Brasil”, por parte do presidente.
Ainda que a Constituição não cite expressamente a união entre pessoas do mesmo gênero, o casamento homoafetivo foi reconhecido pelo STF em 2011.
Ideologia de gênero
Um terceiro ponto para fundamentar a lgbtfobia, no entendimento dos grupos LGBT, são declarações do presidente contra o que chama “ideologia de gênero”. O termo cunhado por religiosos não é reconhecido no universo acadêmico e normalmente é usado por grupos conservadores que se opõem às discussões sobre diversidade sexual e de identidade de gênero.
A petição cita a frase “ideologia de gênero é coisa ado capeta”, dita por Bolsonaro também na Marcha para Jesus, ao pedir que o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB) proibisse a discussão do tema nas escolas.
Para os grupos LGBT, o discurso vai na contramão do combate à discriminação. “Ao demonizar a (atécnica) expressão “ideologia de gênero” (sic), o Sr. Presidente da República acaba por demonizar toda tentativa de enfrentamento do machismo, da homofobia e da transfobia nas escolas, ou seja, demoniza a defesa de direitos humanos a crianças e adolescentes LGBTI contra a homotransfobia”, diz o texto.
Novo PGR critica direitos LGBT
Apenas o procurador-geral da República pode processar criminalmente o presidente da República, que deve ser julgado pelo Supremo. O próximo PGR, escolhido por Bolsonaro, é Augusto Aras. A nomeação precisa do aval do Senado para ser efetivada, o que deve ocorrer até o fim do mês.
O novo PGR já criticou a decisão do STF de equipar a lgbtfobia ao crime de racismo e disse ser contra o casamento homoafetivo, também assegurado pela Suprema Corte.
Aras assinou ainda uma carta de compromissos com a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), que inclui a proteção à família heterossexual e abre possibilidade para o tratamento de “reversão sexual” — conhecido como “cura gay”.
Em 2018, o STF rejeitou denúncia de racismo contra Bolsonaro, à época candidato ao Palácio do Planalto. A denúncia apresentada pela procuradora-geral da República, Raquel, Dodge, se baseou em frases ditas pelo então deputado em palestra no Clube Hebraica do Rio de Janeiro, em 2017. “Eu fui em um quilombola em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava 7 arrobas (…) nem para procriador eles servem”, disse, na ocasião.
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