Indulto de Bolsonaro a policiais é anticonstitucional
O presidente Jair Bolsonaro prometeu no último sábado (31) conceder indulto a policiais que participaram dos massacres do Carandiru, em São Paulo, e de Eldorado do Carajás, no Pará, além dos PMs envolvidos no caso do ônibus 174, no Rio. Mas o CPB (Código Penal Brasileiro) vetaria o decreto nos três casos.
O indulto está transcrito no inciso 2 do artigo 107 do CPB com o termo “Causa de Extinção de Punibilidade”. Tradicionalmente no Brasil, o presidente edita, ao fim do ano, um decreto de indulto natalino que estabelece requisitos mínimos para definir quem pode ser beneficiado com o perdão.
No entanto, para que isso ocorra, é necessário que o beneficiado já tenha o trânsito em julgado, ou seja, que não haja mais possibilidade de recurso. O que não é o caso do Carandiru, uma vez que o julgamento dos PMs foi anulado. A lei também veta que o benefício seja estendido para crimes hediondos. O que incluiria os dois policiais condenados por Carajás. No caso do ônibus 174, os PMs já foram absolvidos.
JURISTAS APONTAM A LEI CONTRA A PROMESSA
A reportagem entrevistou desembargadores e professores de direito. Segundo os ouvidos, tecnicamente e de acordo com o CPB, Bolsonaro estaria impedido de ceder indulto aos três grupos citados. Um dos desembargadores votou a favor da anulação do julgamento do caso do Carandiru, sendo portanto impedido de falar sobre o processo, mas disse, pedindo para não ser identificado, que o indulto não cabe.
O professor da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) Guilherme Almeida afirmou que “tecnicamente, Bolsonaro não sabe o que está acontecendo no processo jurídico. Com certeza absoluta, ele não tem a mais pálida ideia de como andam esses processos”.
“Mas o que é grave é que ele já indica um direcionamento. Falou num evento junto com os militares: ‘Se for condenado, eu vou indultar’. Ele colocou essa coisa do Carandiru na mesma leva de indulto a PMs. Mas, tecnicamente falando, é impossível”, argumentou o professor.
A professora de processo penal na pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas, Maíra Zapater, explicou que “o indulto só cabe para quem já está cumprindo pena”. “Não cabe em hipótese alguma nesses casos, porque não teve julgamento e não tem ninguém preso no caso do Carandiru, por exemplo”.
Zapater, que é doutora em direitos humanos pela USP, disse também que “existe vedação do próprio texto constitucional para crimes hediondos”. “Condenações por homicídios qualificados, como seria no caso do Carandiru ou de Carajás, de qualquer forma não caberiam no indulto.”
“A lei dos crimes hediondos é de 1992; a Constituição Federal, de 1988. E ambas vedam a concessão de indulto para crimes hediondos. O indulto é uma causa de extinção da punibilidade para depois do trânsito em julgado das decisões”, afirma Zapater.
Os argumentos citados pelos dois professores são corroborados por magistradas entrevistadas pela reportagem. A juíza Larissa Pinho de Alencar Lima, da Justiça de Rondônia, disse que “o direito penal prevê hipóteses de extinção de punibilidade e, entre elas, o indulto que pode ser coletivo e alcançar todas as sanções impostas ao condenado, com a aplicação de redução ou substituição da pena imposta e até mesmo a extinção da pena. Mas, em hipóteses em que não há pena aplicada, não é possível o indulto”.
De acordo com o desembargador José Laurindo de Souza Netto, professor e supervisor pedagógico na Escola da Magistratura do Paraná, “indulto é concedido a condenados, conforme previsão constitucional, não há que se falar em cabimento desse perdão judicial a quem não foi condenado ainda”.
A desembargadora Ivana David, da Justiça de São Paulo, concorda. “Tecnicamente falando, não abrangeria os processos do Carandiru. Porque eles não são considerados com o trânsito em julgado. No ano passado, o decreto do Temer abrangeria crimes de corrupção, por exemplo, e foi vetado.”
De acordo com o advogado Antonio Claudio Mariz, que defendeu o ex-presidente Michel Temer, “o indulto atinge o cumprimento de uma pena desde que cumpridas certas condições pessoais e temporais. Óbvio que há de haver uma condenação criminal aplicando uma pena. Indulto sem pena é mais uma ‘bolsorinada'”.
POSICIONAMENTO CONTRA INDULTOS EM 2018
Em novembro do ano passado, Bolsonaro afirmou que foi “escolhido presidente do Brasil para atender aos anseios do povo brasileiro”, que iria “pegar pesado na questão da violência e criminalidade” e que garantia que, se houvesse indulto no ano passado, seria o último.
À época, o ex-presidente Michel Temer desistiu de editar o decreto, porque o STF (Supremo Tribunal Federal) não havia julgado ainda a validade do que havia sido assinado no ano anterior e que reduzia as restrições para incluir condenados por corrupção entre os beneficiados.
Na manhã desta segunda-feira (2), Bolsonaro recuou. Em entrevista coletiva em Brasília, o presidente disse, contrariado: “Então mudou, recuei, pode escrever, recuei, vou dar indulto para polícias também. Mais alguma coisa?”, disse. “Sempre foram esquecidos [policiais e militares]. Agora, porque sou um capitão do Exército, vou esquecer esse pessoal que sempre esteve ao meu lado?”, questionou.
O presidente ressaltou que cumprirá as regras que estão previstas na legislação, sem “nada arbitrário”. O Palácio do Planalto ainda estuda, porém, se é possível, no âmbito jurídico, conceder o perdão de punição a apenas uma categoria.
“O indulto tem de estar enquadrado no decreto. Não é quem eu quero. Tem de estar enquadrado no decreto. Os policiais civis e militares sempre foram esquecidos. Desta vez, não serão. Nós oficializaremos todos os comandantes da Policia Militar para que mandem a relação com a justificava. Não haverá nada arbitrário”, afirmou o presidente.
De FSP