Juiz que rejeitou denúncia contra Lula aponta abusos da Lava Jato
Na semana passada, o juiz federal Ali Mazloum, da 7ª Vara Criminal Federal de São Paulo, rejeitou uma denúncia feita pela força-tarefa da Lava Jato paulista contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Os procuradores afirmaram que a Odebrecht pagou uma mesada ao irmão mais velho do petista, José Ferreira da Silva, o Frei Chico, em troca de evitar decisões de Lula que pudessem ser desfavoráveis à Braskem, empresa petrolífera do grupo baiano.
Mazloum considerou que o trabalho do Ministério Público Federal foi baseado em “interpretações e um amontoado de suposições” e que as delações usadas para incriminar Lula estavam desacompanhadas de provas.
As críticas ao trabalho do Ministério Público Federal não vêm de hoje. Mazloum já foi alvo de procuradores na Operação Anaconda, em 2003, que investigou um esquema de venda de sentenças.
“Eu conheço o método do Ministério Público, como eles agem. É pacote completo”, diz. “Aí eles vão te acusar de crime, acusar de processo administrativo, vão te acusar de improbidade, tudo isso. E eu em todas as instâncias ganhei.”
Em 2016, Mazloum escreveu o livro “Reserva de Jurisdição – Os Limites do Juiz na Investigação Criminal”, publicado pela editora Matrix, em que discute o uso das delações premiadas, interceptações telefônicas e quebra de sigilos bancário e fiscal, tão em pauta por conta da Lava Jato —que, segundo ele, está repleta de abusos.
Mas a culpa, para Mazloum, não é só dos investigadores.
“Quem tem que colocar a Lava Jato nos trilhos da lei, nos trilhos da Constituição, nos trilhos da Justiça é o Poder Judiciário”, diz o magistrado. “Talvez não este atual. Eu acho que este Poder Judiciário atual deixa muito a desejar.”
Mazloum trabalhou no ano passado como juiz auxiliar do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), outro crítico da Lava Jato. Diz que não são amigos, mas “colegas de magistratura”.
Quando o senhor rejeitou a denúncia contra o ex-presidente Lula alegou que delações não podem ser base única para se instaurar uma ação, o que foi considerado uma derrota para a Lava Jato. O senhor acha que há um exagero no uso das delações premiadas?
Acredito que sim, há um exagero. Acredito que muitos operadores do direito, muitas pessoas do setor da imprensa, eles tomam a delação como se elas fossem a prova. E a delação premiada, a colaboração de um corréu, de alguém que praticou um crime também, na verdade é um meio de prova. Não é a prova.
Então o delator, além do que ele está dizendo no depoimento, ele tem que indicar onde é que estão as provas. Há um abuso, há um entendimento equivocado sobre este instituto tão importante na investigação criminal.
Esse caso que passou pelas minhas mãos é um erro crasso, para mim, de um acusador. Então eu acho que a Lava Jato tem que ser colocada no lugar. E quem tem que colocar a Lava Jato nos trilhos da lei, nos trilhos da Constituição, nos trilhos da Justiça é o Poder Judiciário. Talvez não este atual. Eu acho que este Poder Judiciário atual deixa muito a desejar.
Outra derrota da Lava Jato foi a questão envolvendo a ordem das apresentações das alegações finais. Como o senhor vê este ponto?
Certa vez eu vi um discurso de um grande magistrado que ficou 30 anos na carreira e no discurso de despedida ele disse o seguinte: que tinha orgulho de nunca ter rejeitado uma denúncia do Ministério Público. Realmente aquilo me causou assombro, arrepio. Então ele não foi juiz. Nunca rejeitar uma denúncia, não absolver. E isso era motivo de orgulho desse magistrado.
Eu acho que, transportando isso um pouco para a Lava Jato em si. Eu acho que ela não sofreu derrota nenhuma. Ali foi a aplicação do direito.
Há uma regra básica constitucional que é de quem acusa deve provar. E quem acusa fala primeiro, então. O acusado fala por último. Isso é uma regra que está lá. Está lá, você extrai isso da Constituição Federal.
No seu livro, o senhor trata do sigilo das informações bancárias e fiscais. O senhor considera acertada a decisão do ministro Dias Toffoli que suspendeu investigações com base em relatórios fiscais e do Coaf?
Eu posso comentar o que eu escrevi no livro, que de certa maneira acaba indo ao encontro do que o ministro decidiu. A questão toda está no que nós chamamos de critério das duas palavras. Quem pode dar a primeira palavra, quem pode dar a última palavra. Então nessa questão de sigilo bancário e sigilo fiscal existe uma reserva de jurisdição absoluta. Cabe ao Poder Judiciário dar a última palavra. A primeira e última. Então, no caso de quebra de sigilo bancário eu entendo que caberia ao Poder Judiciário, ao juiz, dar a primeira palavra.
Mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil mostraram diálogos entre procuradores da Lava Jato do Paraná que indicam que o ex-juiz Sergio Moro orientou a Procuradoria em alguns casos. Como o senhor vê essas mensagens?
Eu tenho acompanhado essa divulgação e ali para mim está bastante claro que são fatos verídicos. Esses fatos, na verdade, eu já vinha denunciando em artigos desde 2008, 2009. Eu falava do consórcio entre Ministério Público e juiz. Para mim isso não causou tanto espanto. Eu não tenho dúvida nenhuma de que se fosse esse mesmo fato em cima de processos comuns, o processo estaria nulo. Então ali o grande problema são os personagens envolvidos neste processo.
Existe um componente político muito grande, um apelo à popularidade de determinados personagens, então eu não tenho dúvida de que aquilo não é certa proximidade. Ali há uma promiscuidade, um consórcio evidenciado por essas conversas e eu não tenho dúvida da nulidade. A questão é se o Judiciário vai aplicar a Constituição para estes casos relacionados com essas conversas.
O ministro Gilmar Mendes tem críticas severas em relação ao que ele chama de “direito penal de Curitiba”. O senhor compartilha das críticas do ministro?
Claro. Há uma invenção. Existe um código de processo penal próprio lá sendo aplicado. Eu vejo assim. Inclusive sobre a Lava Jato eu falei em artigos. Ela tem lá a sua importância, mas ela saiu completamente do sistema processual.
A partir do momento que o juiz abriu mão da imparcialidade que seria necessária para o exercício da sua função, ele escolheu um lado. Escolhendo um lado, naturalmente o outro lado passa a ser uma espécie de inimigo. Então existe uma aversão a pedidos da defesa, existe uma predisposição a rejeitá-los. A grande questão é a neutralidade que se perdeu.
O Supremo deve julgar em breve a suspeição de Moro no caso do tríplex. Como o senhor vê esse julgamento?
Olha, eu não posso me manifestar sobre um caso concreto. Agora, eu acho que é um julgamento importante do ponto de vista constitucional. Não é nem processual, nem daquele caso. A gente aplicar realmente a Constituição, o Estado democrático de Direito, é isso que se espera. O que está escrito na Constituição. É isso que tem que ser aplicado. Não importa se vai desagradar A ou B.
Acho que é um caso importante do ponto de vista constitucional, para sabermos qual é o estado em que realmente a gente vive, né? Porque isso é um exemplo, né? O que for aplicado ali vai ter que ser aplicado em outros casos. São os limites do juiz, é isso que eu trato no meu livro. O juiz precisa ter limites.
O senhor já foi alvo de uma investigação na Operação Anaconda. O senhor disse que foi vítima de abuso de autoridade.
Eu não tenho dúvida nenhuma. Isso ficou, assim, escancarado. Essa inclusive foi uma operação altamente midiática e acabou apanhando inocentes. Isso eu não tenho dúvida nenhuma.
O juiz João Carlos da Rocha Mattos, o pivô do esquema investigado, foi condenado em última instância.
Ele chegou a ser condenado em outros casos. Neste, especificamente, ele foi condenado, mas ocorreu a prescrição. Mas era o único. Ali eu não tenho dúvida que eu e meu irmão [o juiz Casem Mazloum] fomos envolvidos nisso por membros do Ministério Público que ficavam melindrados em razão da nossa atuação independente e acharam que ia ser fácil, né, jogar dois juízes ali e condená-los justamente por causa disso.
Hoje, por exemplo, se eles pudessem, eles me colocariam em outra operação não tenho dúvida nenhuma. Eu sou uma pessoa que para alguns membros do Ministério Público Federal sou tido como um inimigo. O que não é verdade. Aqui há muitos casos de condenação, de prisões, inclusive. Os procuradores que atuam aqui atuam há muitos anos. Mas eu não tolero abusos. E eu sou independente. E isso acabou nos levando para esta operação. Eu não tenho dúvida nenhuma.
E a certeza disso é que na instância superior, no caso chegando ao Supremo, um dos casos no próprio STJ [Superior Tribunal de Justiça], nós acabando sendo excluídos. Não é absolvidos. É excluídos. Não deveríamos nem ter sido incluídos. Então isso é uma coisa que a imprensa praticamente não divulgou, não interessava mais. Até entendo o tempo da imprensa, mas ali foi um abuso. Não tenho dúvida de que se isso fosse num país sério esses procuradores não estariam mais na carreira.
Como o senhor analisa o projeto de abuso de autoridade?
Ele é um projeto que não vai funcionar. É mais uma lei que não vai pegar por um simples motivo. Quem pode ingressar com uma ação contra um membro que abusa é o próprio Ministério Público. O que deveria ter é a chamada ação penal subsidiária. A vítima poder entrar com a ação. Porque enquanto não se tirar esse monopólio do Ministério Público ela não vai funcionar. Ela é boa do ponto de vista material, mas formalmente ela não funciona, porque acaba ficando na mão deles o poder de ingressar com a ação ou não.
Da FSP