Lava Jato engavetou inquérito de espionagem antecipadamente
Antes da conclusão das investigações, a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba pediu de forma “abrupta e antecipada” o arquivamento de um inquérito da Polícia Federal sobre a instalação de um grampo na cela do doleiro Alberto Youssef, segundo o delegado responsável pelo caso.
À época, a investigação da PF tentava descobrir o que motivou a instalação da escuta e se houve tentativa de abafar internamente o caso.
“Os procuradores atipicamente requerem o arquivamento do inquérito policial, antes mesmo da realização de diligências básicas e da confecção do relatório final”, disse o delegado Márcio Magno Carvalho Xavier, em manifestação à Justiça Federal.
O documento foi assinado em junho de 2017. Magno Xavier, à época corregedor de assuntos internos da Polícia Federal, em Brasília, tentava estender o prazo do inquérito.
Apesar do posicionamento da PF, o pedido do Ministério Público Federal para engavetar o caso foi aceito pelo juiz federal do Paraná Nivaldo Brunoni.
Brunoni, que chegou a atuar em processos da Lava Jato ao substituir juízes em férias do TRF-4 (Tribunal Regional Federal), é o mesmo que determinou no último mês que o Conselho Nacional do Ministério Público retirasse de pauta julgamento da suspeição de Deltan Dallagnol, o chefe da força-tarefa em Curitiba.
Os autos continuam até hoje em sigilo, embora estejam arquivados, mas o documento em que o delegado Xavier se queixa do procedimento dos procuradores foi obtido pela Folha. O inquérito policial investigava a instalação de uma escuta na cela de Youssef, sem autorização judicial, em março de 2014.
Mais tarde, laudo técnico apontou que foram gravadas 260 horas na cela e captadas falas de outros detidos da Lava Jato, como o ex-gerente da Petrobras Paulo Roberto Costa e a doleira Nelma Kodama.
Inicialmente o inquérito foi aberto para investigar suspeita de falsidade ideológica em um documento que o agente Dalmey Werlang, responsável pela instalação do grampo, teria produzido sobre o caso.
As apurações, porém, avançavam com o propósito de verificar quem teria ordenado ao agente a instalação da escuta na cela e se houve tentativa de acobertar a descoberta do material —e é aí que houve a interrupção das diligências e o pedido de arquivamento.
Esse não foi o único grampo em que Dalmey esteve envolvido. Em uma segunda escuta clandestina na Superintendência da Polícia Federal do Paraná, ele instalou equipamento para gravar delegados suspeitos de produzir um dossiê contrário à Lava Jato.
Em ambos os casos, afirma que cumpriu ordens de superiores —de delegados que à época estavam na chefia da Lava Jato e que neste ano passaram a fazem parte da cúpula da PF em Brasília com a posse de Sergio Moro como ministro da Justiça. Ao contrário dos chefes, só Dalmey responde a processos disciplinares sobre as escutas clandestinas.
O inquérito policial sob responsabilidade do delegado Magno Xavier foi instalado em paralelo a esses procedimentos disciplinares e apontava contradições a respeito de como a escuta foi encontrada e de como a PF do Paraná lidou com essa revelação.
O inquérito também passou a apurar uma sindicância instaurada pela PF do Paraná que chegou a uma conclusão errônea sobre o caso —ela dizia que o grampo havia sido instalado em 2008 para investigar o traficante Fernandinho Beira-Mar, o que apurações posteriores apontaram que não era verdade.
A manifestação de Magno Xavier à Justiça é recheada de críticas ao pedido de arquivamento do inquérito feito pelos procuradores. Ele reclamou do que via como impedimento das atividades da polícia por parte do Ministério Público Federal.
Ao solicitar ao juiz Brunoni que não arquivasse a apuração, o delegado disse que não estava promovendo uma “caça às bruxas”. Mas acrescentou: “A interrupção abrupta e antecipada de qualquer investigação policial implica, até mesmo, no cerceamento da possibilidade de eventuais investigados demonstrarem, entre outras coisas, suas inocências”.
Ele listou motivos para que as investigações continuassem e defendeu que ficasse responsável pelo caso. Disse que não existia nenhuma conexão entre o objeto da apuração e outros processos que tramitavam na 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelas ações da Lava Jato.
Ainda apontou que depoimentos de peritos, tomados no inquérito, contrariavam a fala do delegado Maurício Moscardi Grillo, que conduziu a sindicância com resultado errado —a que citava Beira-Mar. O fato de Grillo não ter “requerido a perícia no equipamento recolhido”, segundo ele, também precisava “ser melhor esclarecido”.
Depoimentos ainda pendentes, segundo ele, podiam trazer “novos elementos, inclusive sobre suposta ordem para instalação do aparelho (…), o que, certamente não ocorrerá caso a investigação seja findada prematuramente”.
As justificativas apresentadas pelos procuradores para pedir o arquivamento do inquérito policial só serviam, disse, “justamente, para corroborar a necessidade de continuidade e aprofundamento da investigação”.
OUTRO LADO
Procurada, a força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal de Curitiba afirmou que “não comenta inquéritos policiais arquivados”.
“É necessário esclarecer, porém, que o entendimento do MPF para o arquivamento do inquérito mencionado pela reportagem do jornal Folha de S.Paulo está estampado na respectiva manifestação processual, o qual foi apresentado ao juiz federal competente e devidamente homologado.”
Procurado, o delegado Maurício Moscardi Grillo afirma, por meio de nota, que sua sindicância foi revista em âmbito interno (inclusive pela corregedoria e superintendência) e externo (Ministério Público Federal e Justiça Federal) e não houve discordância quanto ao apurado à época dos fatos.
Ele diz que encaminhou o equipamento de escuta para análise técnica do Núcleo de Inteligência Policial para “extrair o máximo de dados quanto à utilização daquele equipamento, vez que a cautela e utilização de tais bens estão sob a guarda daquele núcleo”.
“Não fosse um agente público, com fé pública, faltar com a verdade no referido parecer, a conclusão do feito teria sido obviamente outra”, diz Moscardi Grillo, em nota.
“Além desses apontamentos, em nenhum momento, mesmo com inúmeras oportunidades, o agente público Dalmey Fernando Werlang procurou o sindicante para esclarecer qualquer situação divergente ao que havia consignado em seu parecer técnico.”
Segundo ele, Alberto Youssef e outros dois presos indicavam que outro policial federal teria colocado a captação na custódia, “fato exaustivamente demonstrado falso no curso da sindicância, restando evidente a intenção dos presos em tumultuar o procedimento”.
“Ainda, em sua defesa, o delegado Moscardi diz que hoje encontra-se chefe do Núcleo de Inteligência Policial, cargo de confiança na Polícia Federal, com o aval da Diretoria de Inteligência Policial, sendo demonstrado nesse ato a confiança que goza junto a instituição.”
O agente Dalmey Werlang afirma que as diligências feitas pelo delegado Magno “o convenceram de que havia muito a ser esclarecido” no inquérito.
Ele afirma que o delegado Moscardi Grillo, ao “recorrer a um ‘parecer técnico’ do NIP (núcleo de inteligência) e não a um laudo da Polícia Científica para instruir a sindicância (errônea)” contava com o fato de que Dalmey “encontrava-se sob coação moral irresistível, impossibilitado de contrariar a administração sozinho naquele momento”.
“Tanto é verdade que no ano de 2015, quando as irregularidades foram denunciadas, houve retaliação e uma avalanche de procedimentos administrativos e criminais foram instaurados contra o Agente Dalmey e o DPF (delegado Mario) Fanton.”
Procurado, por meio da assessoria da Justiça Federal do Paraná, o juiz Nivaldo Brunoni não se manifestou.
Da FSP