Moro e Lava Jato agem como mafiosos
Leia a coluna de Reinaldo Azevedo.
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Uma prática de Moro e da Lava Jato mais afeita à máfia do que a mãos limpas
Reportagem publicada nesta quarta pelo site The Intercept Brasil revela uma prática escabrosa da Lava Jato, em conluio com o então juiz Sergio Moro: para a operação conseguir o que pretendia de um investigado, tomou-se a decisão de pressionar, com truculência característica, a sua filha. Sim, a coisa é do balacobaco! É assim mesmo como estou escrevendo. Atenção! Moro acabou condescendendo com a pressão sobre a mulher, embora admitisse que ela não era nem mesmo investigada e nem havia ainda aparecido no processo.
Vamos dar nomes às personagens. O pai é Raul Schmidt, que nasceu e cresceu no Brasil, mas tem cidadania portuguesa e mora em Portugal. A filha é Nathalie Angerami Priante Schmidt Felippe e mora no Brasil. A Justiça brasileira pediu a prisão e extradição de Raul no âmbito da 25ª fase da Operação Lava Jato, em março de 2016. Ele foi preso em Portugal, e teve início, então, o esforço para extraditá-lo para o Brasil.
Nota: Portugal não extradita seus naturais, a exemplo do nosso país. Ele não nasceu naquele país, mas obteve a chamada “cidadania original”, neto que é de portugueses.
Muito bem. Raul aguardou em prisão domiciliar o resultado da disputa jurídica sobre sua extradição. Em janeiro de 2018, a Justiça portuguesa autorizou o procedimento, mas ele não foi encontrado.
O procurador Diogo Castor de Mattos teve uma ideia. No grupo de Telegram “Filhos de Januário 2”, ele sugeriu que a força-tarefa avançasse, no Brasil, sobre a filha de Raul para, então, forçar o pai a se entregar. Escreveu no dia 1º de fevereiro de 2018 (transcrição conforme o original):
“prezados, gostaria de submeter à analise de todos a questão da operação na filha do raul schmidt.. basicamente, ela esta envolvida em algumas lavagens por ser beneficiária de uma offshore do pai.. pensamos em fazer uma operação nela para tentar localizá-lo.. oq acham?”
Atenção! Como reconheceu o próprio Moro, vocês verão abaixo, não havia provas de que Nathalie estivesse envolvida em eventuais operações ilegais de seu pai, acusado pela Lava Jato de ter intermediado, em 2009, o pagamento de propinas no valor de US$ 31 milhões da empresa Vantage Drilling Corporation para a Diretoria Internacional da Petrobras.
Informa The Intercept Brasil:
“No dia seguinte, 2 de fevereiro, o MPF pediu a Moro que a filha de Raul Schmidt fosse proibida de deixar o Brasil. Não queria apenas a apreensão do passaporte, mas também outras medidas: busca e apreensão na casa de Nathalie, bloqueios em contas bancárias dela e da empresa dela, quebras de sigilo fiscal e do sigilo das mensagens de um número dela no WhatsApp.
No pedido encaminhado a Moro, a força-tarefa acusa Nathalie de ser a beneficiária de contas no exterior abastecidas com o dinheiro do pai. Parte desses recursos teria servido para comprar um apartamento em Paris em nome de uma offshore que seria sua. As medidas seriam necessárias para assegurar a aplicação da lei penal.
Como se nota, a justificativa oficial não guarda semelhança com a intenção real. Para a Justiça, afirmava-se a necessidade de garantir a aplicação da lei penal porque se jogava com a suposição de que Nathalie pudesse deixar o país. De fato, como se vê, o objetivo era constranger a filha para forçar o pai a se entregar.
No dia seguinte, no entanto, 3 de fevereiro de 2018, Raul foi encontrado em Sardoal, a uma hora de carro de Lisboa. Os procuradores comemoraram o evento, mas não retiraram o pedido para as medidas de constrangimento contra Nathalie.
Moro só respondeu no dia 5 aos pedidos feitos pela Lava Jato. Escreveu:
“Apesar dos argumentos do MPF, não há provas muito claras de que Nathalie Angerami Priante Schmidt tinha ciência de que os valores tinham origem ilícita e/ou eram fruto de atos de corrupção praticado por Raul Schmidt Felippe Junior”. E acrescentou: “O nome dela, ademais, só apareceu agora nas investigações, aparentando ser talvez prematuro de pronto impor-lhe medida de restrição de locomoção pessoal”.
Vale dizer: até Sérgio Moro percebeu tratar-se de uma exorbitância, embora, sendo quem é, flertasse com parte ao menos das medidas. Perguntou se, dada a prisão do pai, os bravos procuradores ainda insistiam nas demais medidas contra a filha. Ou seja: ele achava lícito, então, que se procedesse a uma espécie de punição da filha para encontrar o pai. Nada se fez então.
Ocorre que a extradição encruou, e o empresário foi solto 12 dias depois. No dia 18 de maio de 2018, houve nova decisão da Justiça portuguesa em favor do envio de Raul ao Brasil. Mais uma vez, ele não foi encontrado. A força-tarefa, então, reapresentou a Moro os pedidos contra Nathalie sem que houvesse nenhum fato novo. E, desta feita, o juiz autorizou tudo o que foi pedido.
Escreve The Intercept Brasil:
Nathalie teve o passaporte retido e foi alvo de busca e apreensão em casa, no Rio de Janeiro, em 24 de maio. Nessa busca, segundo a defesa dela alegou quatro dias depois em pedido de habeas corpus ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, “três agentes da Polícia Federal portando metralhadora ingressaram na residência da paciente de forma truculenta, exigindo, aos berros, que ela revelasse o atual paradeiro do seu genitor, sob ameaça de ‘evitar dor de cabeça para seu filho'”, referindo-se à criança dela, um menino então com sete anos.
O caso da extradição de Raul está encerrado. Não será enviado ao Brasil. Nathalie é acusada pelo Ministério Público de lavagem de dinheiro em razão do apartamento comprado em Paris, e o processo corre em segredo de Justiça.
Para quem ainda não ligou lé com lé, cré com cré. Os senhores procuradores da Lava Jato e Moro acharam legítimo que se recorresse a práticas de constrangimento da filha para tentar forçar o pai a se entregar. Mesmo reconhecendo que não havia provas muito claras de que Nathalie tivesse ciência das atividades imputadas a Raul, o então juiz autorizou as ações de caráter obviamente punitivo.
Qualquer pessoa razoável há de se perguntar como são conduzidas as investigações e procedimentos que resultam em delações premiadas. Como a reportagem do The Intercept Brasil e os diálogos deixam claro, procuradores e o então juiz não hesitavam em recorrer a ações de claro caráter punitivo contra a família daqueles que eram escolhidos com alvos.
Eis as práticas que andam a ser aplaudidas ou por canalhas ou por idiotas. Isso nada tem a ver com o combate à corrupção. O que se tem aí é a destruição do devido processo legal e a contaminação do sistema penal brasileiro por práticas que mais têm a ver com a máfia do que com aqueles que alegam ter as mãos limpas.
Do UOL