Repórter do Intercept desabafa sobre caso escabroso do PI
Poucas coisas deixam um jornalista tão feliz quanto saber que sua reportagem contribuiu para que um crime não ficasse impune. Há duas semanas eu senti essa emoção. O ginecologista e obstetra Felizardo Batista, acusado de abusar sexualmente de suas pacientes em Teresina, está proibido pela Justiça de atuar como médico. E isso aconteceu depois que publicamos uma reportagem contando a história de parte das mulheres que ele abusou.
Há mais de dois anos, investigo casos de abuso sexual praticados pelo ginecologista, sócio da maior maternidade particular do Piauí, a Santa Fé. Em três décadas de carreira, ele acumulou dinheiro, status, poder e também a certeza de que não seria denunciado. A estratégia funcionou por muito tempo, mas em 2017 uma mulher rompeu o silêncio e denunciou o abuso sofrido à Polícia Civil do Piauí, encorajando mais oito mulheres a fazerem o mesmo.
Um dos profissionais mais renomados do estado, Batista foi indiciado, mas conseguiu se livrar do processo criminal. O inquérito foi arquivado a pedido de Raulino Neto, promotor do Ministério Público do Piauí e amigo de longa data do médico. Ele continuou fazendo consultas ginecológicas e voltou a se sentir seguro para praticar novos abusos. Em outubro de 2018, outra mulher o denunciou à polícia, como mostramos no Intercept no fim do ano passado, o que deu origem a um segundo inquérito. A medida cautelar que proíbe Batista de atuar como médico é parte desse processo, que tramita em sigilo na 3ª Vara Criminal de Teresina. Hoje, quem liga para as clínicas em que ele trabalhava escuta que o médico está de “licença por tempo indeterminado.”
Em agosto, o juiz João Bittencourt atendeu a um pedido da polícia, reforçado por um parecer do Ministério Público Estadual, que também queria a prisão do médico. Batista não foi preso por conta de um habeas corpus, mas está proibido de sair de Teresina sem aviso prévio à justiça e também não pode manter contato com as vítimas, parentes e amigos delas.
A reportagem que publicamos foi decisiva para a punição que Batista recebeu agora. A história repercutiu tanto que outras mulheres passaram a me procurar e relatar abusos que também tinham sofrido. Uma delas me contou por que demorou 10 anos para denunciar o que o médico lhe fez.
Um mês após a publicação da reportagem, em janeiro, o juiz Luiz Henrique Moreira Rego reabriu a primeira investigação – até então arquivada a pedido do promotor amigo de Batista – com os depoimentos das nove mulheres que tinham denunciado o médico ainda em 2017. O juiz considerou que o surgimento de novas vítimas reforçava os indícios do crime, “sendo, portanto, pertinente, justo e necessário o desarquivamento dos autos”. Esse processo foi encaminhado para a 8ª Vara Criminal de Teresina e ainda está em andamento.
A situação do promotor Raulino Neto, aquele que quase conseguiu engavetar a investigação contra o amigo, também não é das melhores. No dia 2 de agosto, quatro membros da corregedoria do Ministério Público do Piauí votaram por puni-lo com censura, uma advertência formal que fica registrada na folha do servidor. Ele ainda responde a um processo administrativo disciplinar no Conselho Nacional do Ministério Público.
Casos como esses, apesar de graves, não costumam ganhar as manchetes dos grandes veículos. Eu me formei em jornalismo no Piauí e sei bem que as pautas do nordeste são tratadas como menos importantes pela imprensa nacional. Não no Intercept. Aqui nós valorizamos a história e vamos buscá-la onde ela estiver. Saber que outras mulheres não passarão mais pelas mãos assediadoras de um médico como esse me motiva e me faz acreditar no poder do bom jornalismo. E vocês são parte desta história!
De The Intercept Brasil