Risco Bolsonaro entra no radar de investidores
Investidores e executivos de instituições financeiras começam a levar em conta o “risco Bolsonaro” na decisão de aplicar dinheiro no Brasil, além do baixo crescimento. Enquanto aguardam o avanço da agenda de reformas e o aquecimento da atividade, observam com certa dose de preocupação as declarações públicas do presidente, o posicionamento em relação a temas mundiais relevantes, como a questão ambiental, e os embates com mandatários de outros países.
Para esses executivos, o “ruído político” tem roubado a atenção de uma agenda econômica que, embora a passos lentos, tem avançado. Sobram elogios principalmente à atuação do Banco Central (BC) para modernizar o sistema financeiro nacional, permitindo o desenvolvimento de “fintechs”, e para a estabilização da moeda. As referências ao trabalho do Ministério da Economia, liderado por Paulo Guedes, e ao programa de desinvestimentos proposto pelo governo também costumam ser muito positivas. No entanto, essas fontes lamentam, reservadamente, que a “névoa” provocada pelas declarações polêmicas ofuscam essas melhorias.
“Comitês de investimento e conselhos de administração de grandes fundos estão cada vez mais resistentes a alocar no Brasil por causa do que chamam de ‘retrocesso civilizatório'”, diz um executivo que fez recentemente uma rodada global para a atração de investimentos. “Essa percepção se intensificou com os episódios da Amazônia e o caso da esposa do [presidente francês, Emmanuel] Macron.”
Um desses grandes investidores institucionais globais, por sua vez, afirma que a discussão entre Bolsonaro e Macron teve impacto na imagem que os fundos têm do Brasil, dando a sensação de que “o governo não entende o que está acontecendo no país” e “está criando situações que mostram perda de controle”.
“Esse tipo de conflito pode sim reduzir os investimentos no país”, afirmou o executivo. “Acho que o presidente Bolsonaro ainda não entendeu que um governo precisa de um bom diálogo. É muito importante fazer isso de maneira cuidadosa.”
A crise ambiental deixou em alerta grandes investidores estrangeiros, especialmente aqueles que incorporam os conceitos de boas práticas ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) na alocação de recursos. Em reportagem recente do Valor, casas europeias como o Norges Bank Investment Management (NBIM), braço do banco estatal norueguês Norges Bank, e a Aberdeen, além da americana NCH Capital, disseram que observavam com cautela os incêndios na Amazônia. Embora as empresas não estejam diretamente envolvidas nas queimadas, o evento afeta a imagem do país, segundo esses investidores.
“O quanto essa deterioração na imagem do Brasil vai durar e qual será exatamente seu impacto na alocação de capitais é difícil de dizer, mas certamente esse tipo de acontecimento [as queimadas] tem um impacto negativo generalizado na percepção dos investidores”, disse na ocasião Peter Taylor, chefe de investimentos da Aberdeen no Brasil.
Até agora, as consequências desse alerta são, aparentemente, mais retóricas do que práticas. No caso da crise ambiental, o tema é um ponto de atenção para o mundo todo, mas não chegou a afetar investimentos e negócios, disse em entrevista recente ao Valor o presidente do Citi no Brasil, Marcelo Marangon.
De acordo com o diretor de um grande banco local, há investidores globais que não estão dando peso às atitudes do presidente porque consideram que o Brasil está vivendo um “parlamentarismo branco”, com um protagonismo maior do Congresso para o andamento das reformas de que o país precisa. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é visto como o grande fiador dos ajustes, muito mais do que Bolsonaro. Por isso, banqueiros, investidores e empresários têm procurado estabelecer um canal direto com Maia e também com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
“Quando Bolsonaro assumiu, esses investidores tinham receio de a agenda no Congresso não andar porque ele veio de um partido menor, mas agora percebem um ‘parlamentarismo branco'”, afirma esse executivo de instituição financeira, que está otimista.
Segundo ele, há muitos fundos globais que esperam a volta do grau de investimento para começar a alocar recursos no país – muitos deles têm cláusulas que impedem o investimento em ativos que não tenham o selo de bom pagador. Por isso, afirma essa fonte, o dinheiro de fora virá mais cedo ou mais tarde, ainda mais considerando o cenário global de baixo crescimento.
Também na entrevista ao Valor, Marangon, do Citi, disse que o grau de investimento virá naturalmente com a execução do plano de governo de privatização, as reformas da Previdência e tributária, possivelmente uma reforma política e administrativa, mas também com o crescimento da economia. “Não é um evento ainda de 2020. Vem com crescimento, não só com estabilidade”, disse na ocasião. Para ele, a economia brasileira começa a dar sinais de reação.
Toda essa preocupação aumentou num momento de maior aversão ao risco diante das perspectivas de baixo crescimento global e da guerra comercial entre EUA e China, que podem ter impacto sobre commodities. Esse movimento global não passou despercebido no Brasil. Em agosto, os estrangeiros tiraram da B3 R$ 10,79 bilhões, maior valor mensal em pelo menos 23 anos. A tendência continua nos primeiros dias de setembro.
O capital externo, contudo, continua marcando presença nas ofertas de ações, ainda que com um peso menor que no passado. Ao mesmo tempo, o risco-país medido pelo CDS estava ontem em 124 pontos, perto das mínimas históricas.
Do Valor